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Dia da Mulher Sambista: música como lugar de luta e resistência

“Mulher no samba tem o seu valor / como qualquer pagodeiro, sambista de nascimento / que chega com seu instrumento e com respeito pra tocar, / cantar, compor e inspirar toda uma geração”.

Uma música que poderia muito bem ser um manifesto. Mulheres no Samba, composto e cantado por Roberta Gomes, sambista paulistana com quase 30 anos de carreira, é direto no recado. A mulher pode ocupar o lugar que ela quiser no samba e não ser apenas ser “passista e inspiração”.

“Quando a gente chega numa roda de samba, a maioria é de homens. E eles têm essa coisa de achar que a gente nunca está indo lá para cantar, compor, tocar. Por mais que saibam que eu sou sambista, por exemplo, se eu chego numa roda de samba e falo que eu tenho músicas minhas, tem sempre uma reticência. Pensam que a música deve ser parceria com algum outro homem. Por isso, faço questão de gravar as minhas músicas nos meus discos. Mesmo que eu tenha tido parcerias maravilhosas com homens, nunca coloco essas músicas nos discos”, diz Roberta Gomes.

Nascida em berço de samba, com família e amigos ligados ao estilo musical, Roberta primeiro tentou seguir por outros caminhos, cantando pop, MPB, jazz e black soul. Mas um dia entendeu que não tinha como fugir do samba. Já lançou dois discos: em 2013, O Meu Lugar e, em 2021, No Caminho do Samba, só com músicas próprias. Como compositora, escreveu músicas para Diogo Nogueira, Flávio Renegado e Clube do Balanço.

“Eu fui tolhida por muitos anos pela minha mãe e pela minha família, que tinha receio de que eu construísse uma carreira como sambista. Minha mãe tinha medo de que eu não conseguisse pagar minhas contas. Hoje em dia, ela entende. E é com muita força e esforço que a mulher tem que se colocar como profissional em todas as áreas, porque senão a gente nunca sai do mesmo lugar”, diz Roberta.

Dia da Mulher Sambista

Para lembrar histórias de resistência e luta dentro do universo do samba, o governo federal sancionou, na semana passada, lei que instituiu o Dia da Mulher Sambista, sempre celebrado em 13 abril. Data que homenageia também o nascimento de Dona Ivone Lara, cantora, compositora e instrumentista. Falecida em 2018, deixou legado como um dos maiores nomes do samba no país. Foi um exemplo de resistência e de luta para romper restrições machistas, como ter sido a primeira mulher a escrever um samba-enredo, em 1965, para a escola Império Serrano: Os Cinco Bailes da História do Rio.

“Dona Ivone começa a compor ali por volta dos 10 anos de idade. E lá pelos 30 anos, ela precisava levar os seus sambas para as rodas a partir do primo, como se fossem sambas dele. Porque não se aceitava que uma mulher escrevesse um samba. Dona Ivone não era submissa ou aceitava o sistema. Ela foi usando diferentes estratégias para romper com as restrições. Primeiro, as músicas precisavam fazer sucesso, para depois ela ser reconhecida como compositora delas”, diz o pesquisador e jornalista, Leonardo Bruno, autor do livro O Canto de Rainhas, sobre a história das mulheres no samba.

O dia de hoje (13) é de festas e homenagens. O grupo Flor do Samba, composto apenas por mulheres, vai comandar uma roda de samba em Santa Tereza, às 17h deste sábado, tocando apenas canções da Dona Ivone Lara. Uma das integrantes, a instrumentista, arranjadora e cantora Manoela Marinho, diz que a data ajuda a reforçar que mulheres precisam ter mais protagonismo no samba. Ela lista alguns exemplos machistas, como o fato de que poucos homens costumam frequentar as rodas de mulheres.

“São violências muito sutis. Quando é uma mulher tocando, primeiro que precisa chegar lá arrasando. Uma das coisas mais cruéis e difíceis para uma mulher instrumentista no samba é ter a possibilidade de errar, de construir o conhecimento, o aprendizado como os homens têm. Eles vão para as rodas, testam, acertam, erram”, diz Manoela Marinho. “Outra coisa comum é reduzir a mulher à aparência dela. Ela tem que ser bonita e gostosa para as portas se abrirem mais. Essa é uma exigência muito forte para a mulher”, diz Manoela Marinho.

Além de Manoela, também integram o grupo Eliza Pragana e Luciana Jablonski. O Flor do Samba surgiu em 2017 a partir de outro movimento sambista, chamado de Primavera das Mulheres, que reunia artista de diferentes expressões artísticas e com posicionamentos feministas, antirracistas e em defesa dos diretos da população LGBTQIA+. E manteve esses princípios até hoje.

“É por meio dessa atuação no samba que a gente consegue criar algum movimento ativista. Mas isso precisa acontecer de maneira mais ampla na sociedade. E acho que, aos poucos, essas pautas estão sendo mais faladas, vistas e transformadas”, diz Manoela.

História das sambistas

Não dá para falar da história do samba, sem falar do papel desempenhado pelas mulheres. Um dos grupos que estão na origem do samba é o das tias baianas, que vieram de comunidades de terreiros, a partir das confrarias religiosas, e ajudaram a construir a cultura popular urbana. Mas muitos desses nomes ainda são pouco conhecidos.

“Existem muitas mulheres no mundo do samba e a gente perdeu o nome delas por conta do machismo. Muito se fala de Tia Ciata, mas a gente ainda tem buscado mais informações sobre ela. Eu fico pensando, e Tia Perciliana, Tia Carmem do Ximbuca, Tia Sadata, que foram essenciais para o samba nessa virada do século 19? Essas histórias se perderam e a gente precisa resgatá-las”, defende Maíra de Deus Brito, professora e doutora em Direitos Humanos, que tem pesquisas sobre o samba.

Esse silenciamento de histórias femininas tem reflexos ainda nos dias atuais. No livro Canto de Rainhas, o jornalista Leonardo Bruno aborda histórias de ícones como Alcione, Beth Carvalho, Clara Nunes, Elza Soares, Clementina de Jesus, Leci Brandão, Elizeth Cardoso, Teresa Cristina, Mart’nália, Mariene de Castro, entre outras. Ele conta que todas as que conseguiu entrevistar demonstravam algum tipo de receio de se apresentar como sambistas, por essa identidade ter sido sempre muito atrelada aos homens.

“Se você olhar para o lugar das tias baianas, elas estão encarceradas nesses lugares que a mulher tem permissão de ocupar. Podem ter funções maternas, de alimentação, de ser musa inspiradora e objeto sexual, e de acolhimento”, diz Leonardo. “Mas essas tias baianas também eram sambistas. Há registros de que elas praticavam algumas das artes do samba. Ou tocavam, ou cantavam, ou dançavam. Tia Ciata, por exemplo, entrou para a história como a mulher que abria o quintal para receber sambistas. E ela era muito mais que isso, tocava violão e versava também”.

E quando o problema é ainda mais grave? Exemplo das letras de samba que defendem explicitamente a violência contra a mulher. O samba Amor de Malandro, de 1929, traz o verso “Se ele te bate, é porque gosta de ti. Bater em quem não se gosta, eu nunca vi”. A Portela tem samba-enredo de 1932, Vai como Pode, com a frase: “Lá vem ela chorando. O que é que ela quer? Pancada não é, já dei!”. Em 1952, Moreira da Silva, cantou: “Isso não é direito, bater numa mulher que não é sua”. Em 1997, Zeca Pagodinho lançou Faixa Amarela, com versos como “Mas se ela vacilar vou dar um castigo nela. Vou lhe dar uma banda de frente. Quebrar cinco dentes e quatro costelas”.

“Muita gente vai utilizar o argumento de que Fulano era um homem do seu tempo, para justificar alguns sambas que tem letras machistas. A gente está vendo que tem muito trabalho a ser feito. E não é porque um samba foi cantado e fez muito sucesso que a gente precisa ficar reproduzindo essas letras que citam violência. O samba é muito generoso. A gente pode pegar outras letras de samba que exaltam amor, justiça, igualdade, em vez de ficar pegando letras que que reproduzem violências”, diz Maíra.

Movimento musical e político

Quando uma sambista entra em cena, nunca é apenas sobre música e festa. Cada letra, acorde ou melodia têm dimensões políticas. Por isso, o Movimento das Mulheres Sambistas atua desde 2018 na valorização das artistas brasileiras. Naquele ano, foi organizada uma apresentação com mais de 100 mulheres na Cinelândia, com o objetivo de criar essa pressão pelo dia da mulher sambista.

O evento foi um sucesso e o grupo resolveu organizar outros projetos, como rodas de samba, assistência social, cursos de música e de produção fonográfica, auxílio para musicistas entrarem no mercado de trabalho profissional, e até seminário, como o previsto para junho, que vai falar da atuação da mulher sambista na cadeia produtiva musical.

“Se eu puder pontuar qual é a função do nosso movimento para a sociedade nesse momento é: formação musical, pautar políticas públicas e fazer essa articulação com as esferas pública e privada. Tudo isso para que a gente consiga postos de trabalho e valorização da mulher no mercado. A força artística existe, mas é uma das coisas, não é o foco principal”, explica Patricia.

Nesse objetivo, um dos caminhos é valorizar e iluminar trajetórias artísticas femininas, e os diferentes talentos.

“A gente precisa continuar nessa luta, para que a mulher possa virar efetivamente protagonista do saber, do conhecimento, do poder criativo artístico. A gente tem mulheres fantásticas fazendo coisas fantásticas. Discos lindos saindo e você pouco escuta falar. Tem sempre as mais famosas, mas para por aí. Os principais lugares do mainstream estão ocupados por homens. Mas tem muita mulher boa. A gente só precisa ouvir”, diz Patricia.

 

UFF presta homenagem a aluno desaparecido durante a ditadura militar

Ivan Mota Dias é um dos mais de 200 desaparecidos políticos durante a ditadura militar no Brasil, entre 1964 e 1985. Ele cursava história na Universidade Federal Fluminense (UFF) e lutou contra a ditadura na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Ivan tinha 28 anos quando foi preso, no dia 15 de maio de 1971, no Rio de Janeiro. Para quem o conhecia de perto, ele era sinônimo de doçura, era amigo de todos, gostava muito de estudar e, acima de tudo, lutava por justiça. A morte nunca chegou a ser confirmada e a família nunca pôde se despedir de Ivan.

Esta semana, 53 anos após o desaparecimento, o estudante foi homenageado pela UFF, universidade onde quase se formou. Faltavam apenas dois meses para receber o diploma quando ele teve a prisão decretada e precisou entrar na clandestinidade.

Edda Mastrangelo Dias, 83 anos, saiu de Brasília e foi ao campus Gragoatá, da UFF, em Niterói, para receber junto a outros membros da família, a homenagem a Ivan. Pouco antes de entrar no auditório onde a cerimônia aconteceria, ela conversou com a Agência Brasil. “Fui cunhada e amiga. Principalmente amiga do Ivan”, ressalta.

Edda Mastrangelo Dias, ex-cunhada e amiga de Ivan Mota Dias, desaparecido político da ditadura militar de 1964. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ela foi a primeira esposa do irmão de Ivan, Zwinglio Mota Dias, que faleceu em 2021. “A gente não pode esquecer. Nem perdão nem esquecimento. Eu sou uruguaia, [e lá nós] dizemos: ‘Ni perdón, ni olvido’. Todo o tempo. Não dá para esquecer. Quando a gente esquece, a gente perde a história”, afirma Edda.

Além de ter sido amiga de Ivan, ela e o marido abriram a casa aos militantes, ajudaram como puderam e chegaram a viver anos no exílio. Quando Zwinglio foi preso, foi ela que, grávida, o buscou de quartel em quartel no Rio de Janeiro.

“Era muito difícil, a gente tinha que estar se policiando o tempo inteiro. Cuidado, não fala, não, aqui não. A gente, para falar dentro de casa, ligava o rádio, ligava a televisão bem alto, porque as paredes tinham ouvidos. A gente ficava meio neurótico também, né?”, diz. “Eu estava com 24 anos. A gente estava… tinha muito mais pique, né? Hoje eu não teria esse pique”.

Edda cursava teologia em Buenos Aires quando conheceu Zwinglio. Na época, ele também estudava teologia em Campinas, mas teve que deixar os estudos porque, segundo Edda, a igreja presbiteriana havia desligado os alunos considerados comunistas. Ele foi, então, continuar os estudos na capital argentina. Eles se apaixonaram e Edda acabou vindo com ele para o Brasil. Um mês depois do golpe militar, em 1964, Edda conheceu Ivan.

Clandestinidade

“Ivan era uma pessoa maravilhosa. Ivan era uma pessoa suave, tremendamente pacífica, a não ser quando se tratava de injustiça ou ditadura. Aí virava uma fera. Ele era muito amigo de todo mundo. Todo mundo gostava dele. A gente sempre fala isso de quem morreu, mas é verdade. Todo mundo gostava dele”, descreve.

Edda conta que Ivan entrou na militância ainda adolescente, em Passa Quatro (MG), cidade onde nasceu e onde teve contato com o padeiro José Orlando, pai de Osvaldo Orlando da Costa, conhecido como Osvaldão, um dos principais integrantes da guerrilha do Araguaia, e um padre argentino chamado Domingos.

Ivan começou a estudar e a ler muito nessa época. Na ditadura, ele passou a integrar a VPR, grupo armado que lutou contra o regime militar. Entre os principais integrantes estava Carlos Lamarca. O grupo foi responsável, em 1970, pelo sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, no Rio de Janeiro, que foi solto em troca da libertação de 70 presos políticos.  

Embora Edda não tenha participado da luta armada porque, segundo ela, tinha muito medo de ser torturada, ela e o marido sempre ajudaram aqueles que estavam na linha de frente pelo fim da ditadura. Eles abriram a casa para os militantes.

Na época, eles moravam na Penha, bairro na zona norte do Rio e, posteriormente, em Santa Teresa, no centro da cidade. Pela casa, passaram nomes muito conhecidos da resistência, como Inês Etienne. Edda dizia que eles não falavam quem eram, para não correrem nenhum tipo de risco, caso o local fosse descoberto. “Eu conheci muita gente, mas não posso dizer nomes, porque não sei”.

Foi para a casa do irmão e da cunhada, que Ivan fugiu depois da perseguição no congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, em 1968. Foi após este episódio que ele teve a prisão preventiva decretada e precisou entrar na clandestinidade.

“Ivan chegou em casa, eram três, quatro horas da manhã. Tinha conseguido [fugir]. Fizeram o cerco de Ibiúna, um monte de gente foi presa e ele conseguiu fugir, porque estavam procurando ele. Ele conseguiu fugir e chegou em casa.” 

Mesmo na clandestinidade, ele nunca deixava de ver os pais e de mandar notícias para a família. Segundo Edda, os sogros recebiam telefonemas anônimos com instruções do horário em que aconteceria o encontro. O local era combinado presencialmente, cada vez que se reuniam. Em um desses encontros, ele conheceu o primeiro sobrinho, que ainda era bebê.  

Um dos codinomes adotados nessa época foi Comandante Cabanas. “Sabe por que? Era um carroceiro. Em Passa Quatro não tinha praticamente carro. Só tinha carroça e charrete. E tinha um carroceiro velhinho, muito amigo dele, que ele gostava muito, que era o Cabana. Então, foi uma homenagem ao Cabana”, conta Edda.

Quando entrou para a clandestinidade, ele destruiu todas as fotos e todos os vestígios dele. Foi ao dentista e a médicos, buscando destruir qualquer registro e placas que contivessem o próprio material genético. Segundo Edda, isso dificultou também o reconhecimento de restos mortais. Hoje resta apenas uma foto, que é usada em arquivos e publicações referentes a Ivan.

“Inclusive a mãe e o pai ficaram sem nenhuma foto dele, diz. E essa foto que ficou… E essa foto que ficou, foi algo tremendo. Foi depois que o Ivan desapareceu. Em Passa Quatro, uma pessoa, subindo a escadaria da igreja viu uma fotinha no chão. Uma foto pequenininha assim, de um grupo. Toda feia. E olhou bem no grupo, aí estava o Ivan. A gente levou para um fotógrafo amigo que conseguiu limpar e arrumar. E essa é a única foto que a gente tem”, diz, Edda.  

Prisão de Zwinglio

Edda conta que, um dia antes da prisão de Ivan, quando ele já estava sendo procurado, ela estava em casa quando bateram à porta, às 6h. Era a polícia que estava em busca de Zwinglio. Ela conta que Inês Etienne havia dormido na casa três dias antes e que deixara um par de sapatos.

“Dois ou três dias antes, ainda estava o colchão no escritório e ela deixou um par de sapatos. Eram sandálias de salto. Perguntaram se eram minhas. E eu não podia dizer que eram minhas porque eram tão pequenas. Disse que eram da minha sogra. Era da Inês”, diz.

Naquele momento, na casa, estava outro militante, Cacá. Edda não se lembra do sobrenome dele. “O Cacá, coitado, não sabia o que fazer. Ele se meteu no banheiro e abriu o chuveiro. Aí o policial entrou, viu chuveiro aberto, outro policial entrou: ‘O senhor toma banho de cueca?’ e o fizeram sair de cueca molhada. Aí telefonaram para o quartel e disseram: ‘Tem outro sujeito aqui, um tal de Cacá. Então traz’.  Ele disse: ‘Mas no carro não cabe’. Aí o próprio Cacá disse: ‘Não tem problema, meu carro está aí fora’. Era para rir. Depois ele me disse, que animal que eu fui”. Os policiais aceitaram a oferta e o levaram no próprio carro.

A prisão do marido ocorreu durante a Copa do Mundo de 1970. “Ele foi preso depois do primeiro jogo do Brasil e foi solto uma semana depois da vitória”, diz. Os militares queriam que ele falasse sobre o paradeiro do irmão. Durante esse período, tanto Zwinglio quando Edda sofreram tortura psicológica. Ela estava grávida de cinco meses, depois de já ter perdido um bebê.

Segundo Edda, os militares ameaçavam Zwinglio, dizendo que matariam o filho, que nem mesmo tinha nascido, e que o deixariam preso na solitária. A ela, eles nunca diziam o paradeiro do marido, sempre que ela tentava visitar, diziam que ele tinha sido transferido. Certa vez mostraram uma calça cheia de sangue e disseram que ele tinha deixado ali.

Nesse período, Edda precisou contar com uma rede de apoio e com a igreja porque a própria casa ficou lacrada pelo regime e ela tinha ficado apenas com a roupa do corpo.

Desaparecimento

No dia 15 de maio de 1971, Ivan foi preso. Logo depois, Edda e Zwinglio receberam os passaportes, que tinham ficado retidos pela polícia. Eles receberam instruções para deixar o país. Eles foram, então, para o Uruguai. Em 1973, houve um golpe militar no Uruguai e o casal, então, foi para a Alemanha, onde Zwinglio conseguiu uma bolsa de doutorado. Eles voltariam para o Brasil apenas em 1978.

Nesse tempo começou uma busca incansável por Ivan. O pai dele, Lucas de Souza Dias faleceu em 1974. “Quando se convenceu de que o Ivan realmente não voltava, ele entrou em pânico, entrou em depressão”, conta Edda.

Quem seguiu com as buscas até o dia da própria morte, aos 90 anos, foi a mãe de Ivan, Nair Mota Dias. Ela chegou até mesmo a procurar a esposa do então presidente, Emílio Garrastazu Médici, por meio de uma carta, enviada em 1971.

Elizandra Dias foi a segunda esposa de Zwinglio, ela também participou da homenagem a Ivan na UFF. Ela acompanhou parte das buscas de Nair. “Ela procurou esse filho incansavelmente. Ela chegou a dizer para mim que, mesmo depois que a gente já sabia que ele tinha morrido, em muitas manhãs de domingo eu me pegava imaginando que ele ia abrir a porta e falar assim: ‘Mãe, eu vim almoçar’. A mente sempre recorrendo a armadilhas de sentimento”, diz Elizandra.

Com o passar dos anos, a busca foi se tornando solitária. “Ela ficou um pouco só, nessa dor”, diz Elizandra.

“Porque o restante da família não compreendia o que tinha havido. Se aconteceu alguma coisa foi porque ela não criou direito. A culpa era dela, que não tinha criado direito. Ela não foi a mãe que deveria ter sido e não criou ele dentro da igreja. Se tivesse feito isso, ele não teria sumido”.

Outros presos políticos disseram que ouviram notícias sobre o paradeiro de Ivan enquanto estavam presos. Segundo Edda, foi Inês Etienne quem trouxe a ela a informação de que Ivan tinha sido morto, o que nunca foi confirmado oficialmente.

“A Inês contou para a gente que chegaram lá e disseram: ‘Hoje pegaremos teu amigo’. E depois chegaram com uma garrafa de champanhe e disseram: ‘Vamos brindar a morte do Cabana’. Isso ela contou para mim e para o Zwinglio”.

Sobre o que o cunhado representa para ela, Edda sintetiza emocionada: “Para mim Ivan representa a doçura que luta pela justiça como um leão”.

Depois de encerrar a entrevista, Edda conversou um pouco mais com a reportagem e finalizou o encontro com uma citação de um conterrâneo, o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano: “Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. E complementa: “’A vitória é certa e a luta continua’. Era algo que a gente sempre dizia”.

Ensino do sexto ao nono ano exige mais atenção para evitar repetência

Somente 52% dos estudantes brasileiros nascidos entre 2000 e 2005, que estão, atualmente, com idade entre 19 e 24 anos, conseguiram concluir o ensino fundamental no tempo certo e 41% deles finalizaram o ensino médio no período adequado. O dado consta do levantamento inédito “Indicador de Regularidade de Trajetórias Educacionais”, da Fundação Itaú. Ele evidencia que quase metade de crianças e jovens que hoje estão nessa faixa etária não concluíram os estudos de forma regular, tendo enfrentado, ao longo do ciclo, intercorrências como abandono, evasão ou reprovação. O estudo foi realizado em parceria com os pesquisadores Chico Soares, Izabel Costa da Fonseca, Clarissa Guimarães e Maria Teresa Gonzaga Alves.

A superintendente do Itaú Social, Patricia Mota Guedes, explicou à Agência Brasil que o levantamento traz o retrato da trajetória escolar de crianças e adolescentes nascidos entre 2000 e 2005 em um período longo, de 2007 a 2019. “E traz exatamente um problema: somente metade dos estudantes brasileiros, nesse período, concluíram o ensino fundamental na idade certa e com trajetória regular, sem ter passado por repetência, reprovação e abandono escolar”. Isso significa que quase metade deles chegou ao nono ano do ensino fundamental com trajetória irregular.

Na avaliação de Patricia Mota Guedes, o indicador expressa a gravidade do problema de trajetórias, de como é necessário monitorar mais e melhor a qualidade da permanência das crianças e adolescentes já no ensino fundamental. “E mostra também um retrato das desigualdades, de como essa experiência de repetência, reprovação e abandono marca ainda mais determinados grupos sociais.”

De acordo com o estudo, a trajetória regular entre estudantes negros (pretos + pardos) é cerca de 20% menor do que entre os brancos. Em relação aos indígenas, esse percentual se situa em torno de 40%. Os dados mostram que estudantes brancos possuem um percentual de regularidade de 62%; pardos, 46%; pretos, 41%; e indígenas, 23%.

Políticas e programas

O estudo mostra a urgência de o Brasil começar a construir políticas e programas mais voltados para a etapa do ensino fundamental, onde a repetência, reprovação e abandono começam a explodir. “São os anos finais do fundamental, do sexto ao nono ano. O estudo reforça a necessidade de a gente realmente começar a desenhar políticas e programas historicamente, do sexto ao nono ano, o antigo ginásio, o que a gente chama dos anos finais do fundamental. Porque são uma etapa esquecida pelas políticas e programas federal, estaduais e municipais.”

A superintendente do Itaú Social argumentou essa é, porém, uma etapa decisiva porque é justamente onde tem o início da adolescência; em que as crianças, aos 11, 12 anos, começam a entrar em uma fase onde vivem muitas transformações, muitas mudanças físicas, emocionais, até do ponto de vista social, da convivência. “E tudo isso muito misturado também porque, no Brasil, na maioria dos casos, quando a criança vai do quinto para o sexto ano, passa a ter mais professores, um currículo mais complexo. Os professores são especialistas que também não recebem uma formação de trabalhar com esses estudantes que estão no começo da adolescência e que transitam entre infância e adolescência”, salientou Patricia. O mesmo acontece com as equipes gestoras escolares. Por isso, acentuou a importância de se pensar em escolas que sejam mais voltadas para essas adolescências, com ênfase no começo dessa fase, do sexto ao nono ano do ensino fundamental.

Patricia argumentou que parte dos problemas de repetência, reprovação e abandono no ensino fundamental está enraizada na falta de um olhar específico, de programas e de suporte, para que essas escolas possam melhorar a qualidade da experiência desses adolescentes. Reconheceu que aqueles que sobrevivem no sistema educacional continuam para o ensino médio, onde também há problemas de abandono e evasão. O esforço do estudo foi no sentido de mapear que o problema grave já começa em uma etapa que não tem sido olhada com a devida atenção, afirmou.

Desigualdades

A pesquisa confirma o que já se imaginava: que os grupos de raça, como os negros, estão sempre em desvantagem em relação aos brancos; as meninas, em geral, estudam mais que os meninos; e que há desigualdades regionais.

Os estudantes com nível socioeconômico mais alto apresentam trajetória escolar bem melhor do que os mais vulneráveis. Enquanto 69% dos alunos do primeiro grupo apresentam trajetórias regulares, só 38% daqueles de escolas mais carentes conseguiram iniciar e finalizar o ensino fundamental na idade correta.

De acordo com a pesquisa, a regularidade é um desafio ainda maior para estudantes do sexo masculino que estudam em escolas de baixo nível socioeconômico, deficientes, negros e indígenas. Já para as meninas, a qualidade da permanência nas escolas é mais positiva. Por volta de 58% delas têm trajetórias de nove anos regulares, contra 46% entre os meninos. A diferença por sexo é acentuada em relação à categoria de muita irregularidade. Cerca de 7% das meninas têm trajetórias educacionais marcadas por muitas irregularidades, ao passo que esse percentual é de 14% para os meninos.

O estudo aponta que apenas 22% dos estudantes com deficiência têm trajetória regular, entre 2011 e 2019, contra 53% dos sem deficiência. Em torno de 56% deles apresentam percursos com muita irregularidade. A porcentagem de trajetórias com irregularidades também se destaca: cerca de 64% dos alunos com deficiência concluem o ensino fundamental com intercorrências e cerca de 14% evadem, enquanto para os sem deficiência 37% possuem trajetórias irregulares e 10% são interrompidas.

Por regiões

Patricia Mota Guedes comentou que, em algumas regiões, são percebidos esforços no sentido de reverter a cultura de reprovação, de repetência, mas ainda se tem isso no Brasil. “Já diminuiu muito; já foi muito maior. O que a gente precisa são indicadores que consigam monitorar a evolução desses padrões. Apesar das diferenças regionais, quando se olha ao longo do tempo, vê-se uma estagnação na proporção de estudantes que não conseguem ter uma trajetória regular.”

Ressaltou que é importante entender as diferenças regionais mas, também, entender que há uma estagnação, em parte porque não se teve experiências mais significativas de políticas e programas voltados para os anos finais do ensino fundamental, embora, agora, já se comece a ver, desde o ano passado para cá, mais discussão entre as redes municipais e redes estaduais, um maior interesse sobre o assunto da parte, inclusive, do governo federal, e algumas oportunidades, por exemplo, no campo da expansão da educação integral.

Patricia analisou que se o país está caminhando para um processo de ampliação da jornada escolar e se esse esforço for voltado para desenvolver escolas atraentes para os adolescentes e que apoiem os professores, os gestores escolares, sobre como trabalhar, esse é um ponto positivo. Defendeu que devem ser dadas condições para que professores e gestores possam desenvolver trabalhos efetivos que acolham esses estudantes, com currículos dinâmicos, diferentes articulações, inclusive fora da escola, espaços de interesse, de arte, de cultura, de esporte na cidade, de projetos que mobilizem o protagonismo dos adolescentes. “Esse aprendizado, o “mão na massa”, que é tão importante na fase de início da adolescência; assim, a gente vai conseguir avançar”. O segredo, segundo Patricia, é olhar para o problema, mas não para ficar paralisado; e, sim, entender que é preciso monitorar ao longo do tempo e começar a pensar em estratégias mais intencionais, para essa etapa do sexto ao nono ano, em que questões de repetência, exclusão e abandono se intensificam.

Dados

Os municípios do Norte, Nordeste e Sul retratam circunstâncias distintas em relação ao Sudeste. Na região Sudeste, os municípios paulistas apresentam uma média de estudantes com trajetórias regulares de 62%. Já em Minas Gerais, a média é 66% em relação ao número de estudantes com trajetórias regulares, superior à média do Brasil.

Na região Sul, o estado do Paraná possui as maiores proporções de trajetórias regulares, acima de 70%, e o Rio Grande do Sul, na extensão sulgrandense (também conhecida como Serras de Sudeste), evidencia média de 40% de trajetórias educacionais regulares.

Na região Centro-Oeste, observam-se áreas com médias mais altas de estudantes com trajetórias regulares, especialmente no Distrito Federal (57%) e no Mato Grosso (70%). Na região Nordeste, o Ceará se destaca como o estado com os melhores resultados na regularidade do percurso educacional, com 65% de média. Na região Norte, grande parte das cidades apresenta média de trajetória regular abaixo de 40% na jornada de nove anos. O Pará, por exemplo, tem 81% dos seus 144 municípios com um percentual abaixo de 40%.

Proposta

A proposta da Fundação Itaú com esse levantamento é que o indicador possa ser utilizado com frequência. Patricia destacou que a pesquisa se baseia no Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do governo federal. “A gente tem condições, enquanto país, de monitorar a evolução desses dados. E, também, porque ele traz um retrato que, muitas vezes, somente o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) não consegue dar. Esse índice traz desempenho de língua portuguesa e matemática e fluxo escolar de dois em dois anos. Mas é uma fotografia no final do ciclo e não acompanha a trajetória. Daí, muitos adolescentes ficam para trás e o desafio que eles vivem sequer é ilustrado na fotografia do Ideb. Eles não aparecem. O acompanhamento da trajetória é muito importante”, assegurou a superintendente do Itaú Social.

Na avaliação da Fundação Itaú, os dados levantados pelo “Indicador de Regularidade de Trajetórias Educacionais” podem ser utilizados para incentivar também o debate sobre o novo Plano Nacional de Educação do decênio 2024-2034.

Somente 20% das mulheres brasileiras conhecem bem a Lei Maria da Penha

Apenas duas em cada dez mulheres se sentem bem informadas em relação à Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher e foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006.

Os dados fazem parte da 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, realizada pelo Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) e o Instituto DataSenado, ambos do Senado. A sondagem é bianual e foi divulgada nesta quarta-feira (28) em Brasília. Ela envolveu entrevistas por telefone com 21.787 mulheres de 16 anos ou mais entre os dias 21 de agosto a 25 de setembro do ano passado.

Esta é primeira edição do levantamento que traz dados por estado. O estudo atualiza, também pela primeira vez, o Mapa Nacional da Violência de Gênero, projeto viabilizado pelo OMV, o Instituto Avon e a organização Gênero e Número, que cobre questões de gênero e raça no Brasil e na América Latina desde 2016.

Na avaliação de Beatriz Accioly, coordenadora de Parcerias do Instituto Avon, o que chama bastante a atenção na pesquisa é que a Lei Maria da Penha é conhecida pela população brasileira de maneira geral, mas quando se pergunta o quanto as pessoas sabem da lei, sobretudo as mulheres, percebe-se que o conhecimento ainda é muito pequeno. “É quase de ouvir falar. Não dá segurança de saber exatamente o que a lei garante em termos de direitos e o que ela muda de fato”, disse Beatriz à Agência Brasil.

Ela explicou que a pesquisa alerta para a necessidade de entender não só o que as pessoas já ouviram falar sobre a lei, mas o quanto elas conhecem nos detalhes, o quanto esse conhecimento têm a ver com os seus próprios direitos. De acordo com o estudo, mesmo nas localidades onde há maior conhecimento entre a população feminina sobre a Maria da Penha, o índice é muito baixo, passando pouco de 30%.

É o caso do Distrito Federal (33%), Paraná (29%) e Rio Grande do Sul (29%). “O conhecimento está muito longe de ser o ideal”, afirmou Beatriz. As mulheres das regiões Norte e Nordeste são as que afirmam conhecer menos a Lei Maria da Penha, principalmente no Amazonas (74%), Pará (74%), Maranhão (72%), Piauí (72%), em Roraima (71%) e no Ceará (71%).

Diagnóstico

Para a coordenadora de Parcerias do Instituto Avon, o diagnóstico mostra que ainda não se conversa tanto sobre a lei quanto é necessário. “É preciso furar a bolha”. O objetivo é aumentar a parcela da população com conhecimento sobre a legislação. Isso pode ser feito a partir da construção de medidas educativas e de conscientização sobre leis, recursos e políticas públicas voltadas para o enfrentamento à violência de gênero, afirma Daniela Grelin, diretora executiva do Instituto Avon. Para ela, o maior conhecimento é fundamental para que as mulheres brasileiras possam reivindicar seus direitos, além de interromper ciclos de abusos e agressões.

A coordenadora do Observatório da Mulher contra a Violência, do Senado, Maria Teresa Prado, destaca que a pesquisa constitui ferramenta que pode auxiliar os legisladores na criação de leis, políticas públicas e programas que funcionem de fato e que sejam mais adequados às especificidades de cada estado.

Segundo Beatriz Accioly, todos os senadores e senadoras vão receber um relatório específico de seu estado, com diagnóstico do território. “É necessário que a gente alerte os parlamentares para o fato de que esse problema de violência familiar contra a mulher é um dos mais graves. É preciso que eles conheçam a realidade de seus estados e possam cobrar das autoridades locais mudanças de atuação para reverter a situação”.

A presidente e diretora de conteúdo da Gênero e Número, Vitória Régia da Silva, lembrou que a dificuldade em reconhecer situações de violência e a falta de conhecimento dos próprios direitos podem impedir que as vítimas tenham acesso aos serviços da rede de proteção. Por isso, é preciso mudar esse cenário.

Índice

Em relação ao grau de conhecimento sobre os serviços que integram a rede de proteção à mulher, há equilíbrio entre as unidades federativas brasileiras. A delegacia da mulher é o serviço mais conhecido entre elas (95%), enquanto a Casa da Mulher Brasileira, por sua vez, é conhecida por somente 38% das entrevistadas.

A pesquisa identificou também que o índice nacional de mulheres que declaram ter solicitado medidas protetivas para a sua segurança é de 27%, à exceção do Rio Grande do Sul, onde 41% das mulheres que sofreram violência com base no gênero solicitaram medidas protetivas. Beatriz Accioly avaliou, entretanto, que embora o Rio Grande do Sul, junto com Paraná e o Distrito Federal, sejam os locais onde o grau de conhecimento das mulheres sobre a Lei Maria da Penha é “menos pior” no Brasil, ainda há muito a avançar.

“Esses dados mostram que as pessoas sabem que a lei existe. Mas elas precisam conhecer os seus instrumentos, as suas ferramentas, como utilizar a lei e transformá-la em direito difuso”, disse Beatriz.

Mapa

Lançado em novembro de 2023, o Mapa Nacional da Violência de Gênero é uma plataforma interativa que reúne os principais dados nacionais públicos e indicadores de violência contra as mulheres, incluindo a Pesquisa Nacional de Violência contra as Mulheres, mais longa série de estudos sobre o tema no país. 

Legislação

A Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, tornou mais rigorosas as penas contra crimes de violência doméstica.

O nome da lei é uma homenagem a Maria da Penha Maia, farmacêutica e bioquímica cearense que sofreu diversas tentativas de homicídio por parte do marido. Em maio de 1983, ele deu um tiro em Maria da Penha, que ficou paraplégica.

Após aguardar a decisão da Justiça por 15 anos e sem resultado, ela entrou com uma ação contra o país na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Esse foi o primeiro relato sobre violência doméstica feito ao órgão na América Latina. Em 2001, o Estado brasileiro foi condenado, pela primeira vez na história, por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica. O marido de Maria da Penha foi preso apenas 19 anos depois, em 28 de outubro de 2002, e cumpriu dois anos de prisão.

Voto feminino faz 92 anos; ação de ativista alagoana marca luta

Homens observam uma mulher diante da urna. Ela, vestida como para uma festa, com a cédula na mão e o sorriso no rosto, está pronta para exercer um direito básico de cidadania. A caminhada da alagoana Almerinda Farias Gama até o voto (para eleição de deputados classistas), em 20 de julho de 1933, é feita de luta com os barulhos da voz e da máquina de escrever. Neste sábado (24/2), quando se completam 92 anos da garantia do voto feminino, os passos que foram invisibilizados dessa sufragista negra, feminista e nordestina refletem a necessidade de reconhecimento e revisão histórica como inspiração para o país. 

Foi diante do silêncio e de lacunas que a pesquisadora em história, jornalista e também alagoana Cibele Tenório se deparou quando resolveu saber mais sobre a conterrânea. Não havia registro nem mesmo de data de morte. Depois de dois anos de caminhada, descobriu que Almerinda viveu entre maio de 1899 e 31 de março de 1999.  A pesquisa de mestrado (concluída em 2020, pela Universidade de Brasília) vai render livro depois de vencer prêmio literário da editora Todavia. A pesquisa foi orientada pela professora Teresa Marques. 

Luta pelo voto feminino tem protagonista negra invisibilizada – Foto FGV

A pesquisadora fez também um documentário sobre Almerinda a partir dos raros documentos disponíveis no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getulio Vargas.

Almerinda, a luta continua

Filme realizado na 2ª Oficina de Produção Audiovisual do Núcleo de Audiovisual e Documentário FGV/CPDOC. Direção: Cibele Tenório Sinopse: “Almerinda, a luta continua!” faz um resgate histórico da vida dessa personagem, uma das primeiras militantes feministas brasileiras.

Comprometimento

Cibele Tenório, que atualmente cursa doutorado em história na UnB, avalia que Almerinda teve participação ativa na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.

 “A federação era uma entidade que reunia, naquele período, entre 80 e 100 mulheres. Ela não era uma pessoa que estava ali e assistia às palestras. Era completamente ativa naquele ambiente e a quem a Bertha Lutz (liderança sufragista que criou a federação) entregou muitas tarefas. E era uma pessoa que se comprometia com as tarefas”, explica.

Poder na máquina 

Almerinda atuava em várias frentes e estava empoderada por ser datilógrafa. “Era uma ferramenta que nem todo mundo dominava. Além de datilografar, escrevia e se expressava bem”. Assim, foi assumindo tarefas naquele lugar, incluindo lobby parlamentar, textos com divulgação para a imprensa e até roteiro de programa de rádio.  

Luta pelo voto feminino tem protagonista negra – Foto FGV

Almerinda passou a ter outras frentes de atuação. “Na política, inclusive, ela sai candidata, logo após o código eleitoral permitir que mulheres alfabetizadas pudessem votar. É preciso lembrar que Almerinda nasceu pouco mais de uma década depois da abolição da escravidão no Brasil”. 

Na eleição de 1934, a professora Antonieta de Barros foi a primeira mulher negra eleita (como deputada estadual de Santa Catarina). Ela e a Almerinda podem ter sido as primeiras mulheres negras a concorrerem a cargos eletivos no Brasil. Além da federação das mulheres, Almerinda ainda atuou, com Bertha Lutz, no sindicato das datilógrafas e taquígrafas. 

Para a pesquisadora, as questões de gênero e de classe estão muito intrincadas. “Almerinda nunca escreveu sobre si. Embora tenha sido uma mulher ligada ao ofício textual, o que a gente sabe dela é por meio das fontes da pesquisa, diferentemente de outras sufragistas. Esse apagamento se torna ainda maior pelo fato de ela ser uma mulher negra”. A data de morte foi conhecida depois de um contato com familiares. Cibele lia sobre sufragistas e nunca apareciam muitos dados sobre Almerinda, o que seria a materialidade desse apagamento.

Reconhecimento do legado  

Diante de mais pesquisas e informações, como as que chegaram pela conterrânea Cibele Tenório, a administração municipal de Maceió busca jogar luzes na história de Almerinda. A cidade natal da sufragista criou iniciativas em busca de reduzir esse apagamento. A coordenadora de Igualdade Racial da prefeitura, Arísia Barros, diante da inexistência de registros na cidade e em Alagoas, diz que iniciou um movimento para reconhecer e divulgar o legado de Almerinda. 

 “Foi criada uma praça (no bairro da Jatiúca), que é o Parque da Mulher, onde 100 mulheres referenciais de Alagoas serão homenageadas”. Almerinda está entre elas, no parque que pode ser inaugurado oficialmente no mês que vem. Outra proposta apresentada na Câmara de Vereadores é a criação do “Dia de Almerinda” em 16 de maio, data de nascimento da sufragista. 

ALuta pelo voto feminino tem protagonista negra invisibilizada – Foto FGV

“Começamos uma mobilização para trazer essa mulher tão importante para Maceió, para os bancos da escola, para os livros escolares e fazer ela caminhar”, diz a representante do município.  Ela entende que uma campanha educativa é fundamental para buscar o reconhecimento. “Ela foi apagada. A gente agora quer criar essa luz sobre ela. Essa história de luta e de persistência pelo voto feminino foi fundamental e precisa realmente ser visibilizada. A Almerinda fez revoluções”.

Esse apagamento, de acordo com a coordenadora, tem relação com o racismo estrutural. “É necessário levar a Almerinda para a escola, dar nome a uma escola e a uma praça, por exemplo”. Arísia também tem pedido a parlamentares apoio para inclusão do nome da sufragista no livro de Heróis e Heroínas da Pátria.

 “Lutava pela igualdade”, diz neta

Neta de Almerinda, Juliana Leite Nunes, de 52 anos, diz que tem ficado feliz com mais pesquisas e reconhecimento sobre o papel da avó para o Brasil.

 “Ela lutava pela igualdade de salário, de direitos trabalhistas, pelo direito ao voto. A gente sabia da importância porque tinha fotos na parede da sala de voto, mas não tinha essa noção que tem hoje”. A neta lembra que mesmo depois dos 90 anos fazia questão de estar muito bem informada sobre o que ocorria no Brasil em leitura diária do noticiário.

Hostilidade e violência

Evidentemente, a invisibilização e violência contra a mulher no espaço político não são fenômenos restritos ao século passado. Pesquisadora em direitos humanos, Leonor Costa entende que existe maior discussão sobre o tema. “A partir de muita luta, está sendo possível trazer as demandas das mulheres negras. O mundo da política é hostil com a mulher em geral e muito mais com as mulheres negras”. 

Leonor, que no mestrado da UnB estudou o legado de Marielle Franco para mulheres negras na política institucional, considera que o assassinato da vereadora chamou atenção para o problema. “A gente já tem a violência contra as mulheres na política muito forte desde sempre. Não à toa que temos poucas mulheres que trilharam um caminho de sucesso, que estão aí há muito tempo. Marielle foi assassinada e seu assassinato escancarou o nível a que pode chegar a violência contra as mulheres”. 

Luta pelo voto feminino tem protagonista negra invisibilizada – Foto FGV

 Para a pesquisadora, o crime possibilitou mais atenção para a violência e as hostilidades em relação às mulheres que se colocam no mundo da política, sobretudo as mulheres negras e também as trans. “Eu acho que mais de 90 anos depois do direito ao voto feminino, obviamente muita coisa melhorou. Hoje, a gente tem cada vez mais mulheres se colocando nos espaços, participando dos partidos, das organizações políticas, das entidades sindicais, com muita luta, nunca por concessão dos homens. Mas é preciso avançar muito mais”. 

Esses avanços incluem o não cerceamento da liberdade de expressão no espaço público, nem ameaças de qualquer tipo. “Há muito caminho para construir e luta a empenhar para que, finalmente, a gente consiga estar nos espaços sem ter a presença questionada ou aviltada”.

No bloco Me Enterra na Quarta, foliões negam fim do carnaval do Rio

Há 20 anos, o Cordão do Me Enterra Na Quarta convoca os cariocas e turistas para encerrar a folia. O bloco surgiu para estimular a extensão do carnaval até a quarta-feira de cinzas. Mas, se depender da expectativas de alguns foliões, a festa ainda vai durar mais dias.

Para Lenise Fernandes, o carnaval começou na quarta. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

“Meu carnaval começou hoje. Eu estava com covid-19. Tive alta na segunda-feira, mas só tive energia para vir hoje. Para mim, é ‘me ressuscita na quarta'”, disse a professora universitária Lenise Fernandes.  

 Me Enterra na Quarta entrou na rua com muita alegria. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

No calendário católico, a quarta-feira de cinzas é o primeiro dia da Quaresma, um período de sacrifícios e privações. Embora o carnaval seja uma festa de origem pagã, durante grande parte do século passado, havia de alguma forma um certo alinhamento com a agenda religiosa. Tudo começava no sábado e se encerrava na noite de terça-feira para quarta-feira, dia que era então considerado por muitos foliões um momento para descansar e para recuperar as energias.

De uns anos para cá, no entanto, surgiram em muitas cidades opções para quem quer estender o seu carnaval para além da terça-feira. O Córdão do Me Enterra na Quarta é um dos mais tradicionais blocos da quarta-feira de cinzas do Rio de Janeiro. Em suas redes sociais, o público é convocado “para fechar o carnaval com chave de ouro”. A banda que dá o tom do cortejo executa marchinhas, maracatus, sambas, axés e forrós.

Bloco desfila nas ruas da Glória na quarta-feira de cinzas. Foto:Fernando Frazão/Agência Brasil

“É quarta-feira o carnaval acabar⁣/ Não dá não dá/ Viver sem ti, meu amor⁣/ Eu já bebi por aqui⁣/ Eu já caí por ali⁣/ Seguindo em frente/ cantando a minha dor⁣/ Dia de Cinzas, o sonho acabou/ E já não posso parar/ Mas o que hei de fazer⁣/ Me embebedar de prazer⁣/ Eu vou brincar até o sol raiar⁣”, diz o hino do bloco, composto por Laura Berredo e Jo Codeço.

Apesar de entrarem no ritmo, muitos foliões não planejam levar a composição ao pé da letra. O médico Nicolás Cuan [TEMOS FOTOS DESSE PERSONAGEM] é outro que não pretende colocar um ponto final na folia. “Carnaval no Rio? São quatro meses. Não vamos enterrar o carnaval hoje. Impossível. Amanhã podemos fazer uma pausa. Depois continuamos”.

Com nacionalidade mexicana e alemã, ele realizou intercâmbio acadêmico no Brasil e não pensou duas vezes antes de voltar ao país para o carnaval. “Vim curtir essa festa maravilhosa que não tem igual em nenhum outro lugar do mundo. Aproveitei também para fugir do frio europeu”, conta.

Foliões não querem parar. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil – Fernando Frazão/Agência Brasil

Nesta edição, pela primeira vez, o Cordão do Me Enterra Na Quarta realizou seu cortejo nos arredores da Praça Paris, no centro do Rio de Janeiro. Até então, o bloco percorria anualmente as ladeiras do bairro de Santa Teresa. Pelas redes sociais, a alteração foi anunciada e justificada.

“O motivo da decisão para a mudança foi, em primeiro lugar, a segurança dos foliões. As estreitas ladeiras já não comportavam mais a maravilhosa multidão que nos acompanha. Em segundo, o tamanho da nossa banda. Com mais de 150 integrantes, para conseguirmos manter a unidade do som, precisamos de um local mais amplo. O lugar escolhido não podia ser melhor. O arco de árvores centenárias, o enorme jardim da Praça Paris, as três pistas fechadas que possibilitarão, pela primeira vez, termos uma ala destinada às pessoas com deficiência, crianças e idosos”, iinformou o bloco.

Confira os blocos de carnaval do Rio de Janeiro nesta terça-feira (13)

 

Na terça-feira de Carnaval (13), multidões de foliões são esperados nos blocos que desfilam no centro e nas zonas sul, norte e oeste da cidade do Rio de Janeiro. A previsão da Riotur é de que até 5 milhões de pessoas aproveitem o carnaval de 2024 na capital fluminense.

Entre os destaques estão o Fervo da Lud, que desfila a partir das 7h, no centro, e a Orquestra Voadora, marcada para 13h, na Glória.

>> Confira a lista de blocos oficiais do carnaval de rua do Rio de Janeiro nesta terça (13):

Fervo Da Lud
Horário: 7h
Local: Centro

Bloco Das Carmelitas
Horário: 8h
Local: Santa Teresa

Vagalume O Verde
Horário: 8h
Local: Jardim Botânico

Bagunça Meu Coreto
Horário: 9h
Local: Flamengo

Bloco Vamo Et
Horário: 9h
Local: Glória

Clube Do Samba
Horário: 9h
Local: Copacabana

Bloco Batuke De Batom
Horário: 10h
Local: Zumbi

Bloco Cachorro Cansado
Horário: 10h
Local: Flamengo

Grbc Cardosão De Laranjeiras
Horário: 10h
Local: Laranjeiras

Grêmio Recreativo Bloco Carnavalesco Arrastão Da Barra De Guaratiba
Horário: 10h
Local: Barra De Guaratiba

Bloco A Rocha Da Gávea
Horário: 11h
Local: Gávea

Cheiro Na Testa
Horário: 11h
Local: Santa Teresa

10 E Music
Horário: 12h
Local: Recreio Dos Bandeirantes

Alô, Produção!
Horário: 13h
Local: Glória

Bloco Carnavalesco Panela Dos Batuqueiros
Horário: 13h
Local: Bangu

Bloco Carnavalesco Tudo Nosso
Horário: 13h
Local: Engenho De Dentro

Bloco Samba De Caboclo
Horário: 13h
Local: Padre Miguel

Orquestra Voadora
Horário: 13h
Local: Glória

Rio Maracatu
Horário: 13h
Local: Centro

Banda Do Peru Pelado
Horário: 14h
Local: Copacabana

Coroinha
Horário: 14h
Local: Pedra De Guaratiba

Grb Caciquinho De Inhoaiba
Horário: 14h
Local: Inhoaíba

Gremio Recreativo Empurra Que Pega Do Leblon
Horário: 14h
Local: Leblon

Hora Certa
Horário: 14h
Local: Realengo

Se Me Der, Eu Como!
Horário: 14h
Local: Rio Comprido

Banda Da Amizade
Horário: 15h
Local: Centro

Banda Da Saens Pena
Horário: 15h
Local: Tijuca

Bloco Carnavalesco Mulheres Da Vila
Horário: 15h
Local: Vila Isabel

Bloco Carnavalesco Teimosos Do Maracanã
Horário: 15h
Local: Maracanã

Bloco Do Limão Do Picareta
Horário: 15h
Local: Honório Gurgel

G.R.B.C. Arrasta Sepetiba
Horário: 15h
Local: Sepetiba

Grêmio Recreativo Bloco Carnavalesco Embalo De Santa Teresa
Horário: 15h
Local: Santa Teresa

Grêmio Recreativo Cultural E Carnavalesco Dragões Da Riachuelo
Horário: 15h
Local: Centro

Largo Do Machado, Mas Não Largo Do Copo
Horário: 15h
Local: Catete

Sereias Da Guanabara
Horário: 15h
Local: Flamengo

Último Gole
Horário: 15h
Local: Gávea

A Banda Do Largo Da Segunda Feira
Horário: 16h
Local: Tijuca

Acadêmicos Do Engenho De Dentro
Horário: 16h
Local: Engenho De Dentro

Associação Carnavalesca Banda Das Quengas
Horário: 16h
Local: Centro

Banda De Ipanema
Horário: 16h
Local: Ipanema

Bloco Bonecas Deslumbradas De Olaria
Horário: 16h
Local: Olaria

Bloco Da Sorveteria
Horário: 16h
Local: Pedra De Guaratiba

Bloco Do Galho
Horário: 16h
Local: Guaratiba

Bloco Do Limão De Jardim América Do Rio De Janeiro
Horário: 16h
Local: Jardim América

Bloco Do Uh
Horário: 16h
Local: Copacabana

Bloco Enxota Que Eu Vou
Horário: 16h
Local: Centro

Bloco Gambá Cheiroso
Horário: 16h
Local: Jacarepaguá

Bloco Tribo Cacuia
Horário: 16h
Local: Cacuia

Cata Latas Do Grajaú
Horário: 16h
Local: Grajaú

Meu Bem Volto Já
Horário: 16h
Local: Copacabana

Associação Bloco Carnavalesco Cornos E Simpatizantes
Horário: 17h
Local: Manguinhos

Block’n Roll
Horário: 17h
Local: Ribeira

Foliões Do Verdun
Horário: 17h
Local: Grajaú

Boêmios De Sepetiba
Horário: 18h
Local: Sepetiba

Bloco Turma Do Copo
Horário: 20h
Local: Ilha De Paquetá

Mudanças climáticas e sociais são tema de bloco em Copacabana

O bloco carnavalesco Virtual, integrante da Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Teresa e Centro da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (Sebastiana), concentra às 8h dessa segunda-feira (12) na Avenida Atlântica número 1, no Leme, e segue até a Praça Almirante Júlio Noronha.

O tema deste ano é Insanidade Virtual, baseado na música Virtual Insanity, da banda britânica de funk e acid jazz Jamiroquai, formada em 1992 e liderada pelo cantor Jay Kay. A música fala sobre o mundo na era digital e as mudanças da natureza, as mudanças climáticas. “As transformações na forma de se relacionar, os efeitos das novas condições climáticas e sociais são o tema deste ano”, disse à Agência Brasil o atual diretor do bloco, Lula Jardim. Destacou que “o calor dos últimos tempos tem tornado até mesmo brincar carnaval um ato de insanidade.”

O bloco é constituído por 80 integrantes. Foi criado pelo pai de Lula Jardim, Jorge Wanderley, e um coletivo de amigos em 2000 que, naquela época, queriam fazer um bloco via internet. “Naquele momento, o máximo que havia eram e-mails. O bloco não conseguiu se realizar do ponto de vista virtual, mas foi se consolidando ao longo do tempo, enquanto o grupo de amigos que produzia anualmente o bloco ia tentando criar temas ligados às transformações sociais e da contemporaneidade”, explicou Lula Jardim. Ele assumiu a direção do bloco em 2011, com amigos.

Foliões

 

Bloco Virtual desfila no Leme a história da criação do mundo – Fernando Frazão/Agência Brasil

O Virtual atrai grande número de foliões. “Chegamos a atrair 20 mil pessoas em alguns anos. Mas isso é variado. Hoje, deve estar girando em torno de 7 mil a 8 mil pessoas”. Esse não é um bloco de samba enredo. Sua tradição é tocar ritmos de carnaval brasileiros. “A gente toca frevo, maracatu, olodum, Música Popular Brasileira (MPB), samba, marchinhas. É uma diversidade. A gente tenta passar por todos os carnavais possíveis do Brasil”.

A banda tem sopros e percussão “e tem também uma bela Comissão de Frente, integrada por meninas e meninos”, além de dançarinos e pernas de pau, destacou Lula Jardim. Como se trata de um espaço de inovação, a agremiação incorpora canções autorais de seus colaboradores, ao mesmo tempo que adapta ritmos excêntricos ao clima carnavalesco, como música clássica, ‘reggae’ e forró. No repertório irreverente figuram compositores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Luiz Gonzaga, Capiba, Moacir Santos, Timbalada, Brahms, entre outros nomes.

O bloco já desfilou por diferentes partes da cidade do Rio de Janeiro, como praia de Ipanema, Lagoa e, agora, está no Leme. O Virtual continua aberto a sugestões e contribuições vindas da internet, como defendia a ideia original.

Arte

Bloco Virtual desfila no Leme a história da criação do mundo – Fernando Frazão/Agência Brasil

A arte usada na camiseta 2024 do bloco Virtual foi feita por inteligência artificial (IA), com ajuda do designer Zeh Fernandes (@_zehfernandes). A orientação foi criar uma ilustração para a camiseta do bloco que mesclasse o espírito da música Virtual Insanity do Jamiroquai com um toque do estilo de arte abstrata de Wassily Kandinsky, artista plástico russo, introdutor da abstração no campo das artes visuais. A imagem transmite um mundo futurista, onde a tecnologia domina sobre os elementos naturais, utilizando cores vivas e brilhantes. O fundo dinâmico simboliza a mistura contínua, porém caótica, de realidade e virtualidade.

Livros que dão samba: as histórias que vão agitar a Sapucaí em 2024

 

Uma boa história pode ser contada em diferentes formas, linguagens e ritmos. Nos livros, ela se desenvolve de forma mais lenta, minuciosa e costuma agitar mais os olhos e pensamentos. Quando transmitida por meio da música, principalmente em um samba-enredo, vem em frases curtas, rimadas e movimenta todo o corpo num compasso rápido. É esse tipo de experiência sensorial e intelectual que pode ser esperada de quem acompanhar os desfiles da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, no carnaval deste ano. Pelo menos cinco escolas se inspiraram em obras da literatura na hora de montar as composições.

O escritor Alberto Mussa vai ser um dos autores privilegiados por ter um livro dele como referência no Sambódromo. Apaixonado por carnaval, ele foi criado em uma família que sempre teve laços fortes com as agremiações cariocas.

O tio, conhecido como Didi, foi compositor da União da Ilha e do Salgueiro. Escreveu sambas populares como É Hoje e O Amanhã. O escritor torce para as duas agremiações desde pequeno, mas vai acrescentar uma terceira torcida em 2024 para a Grande Rio, escola de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro, que tem o livro dele, Meu destino é ser onça, lançado em 2009, como principal referência do samba-enredo. 

“Fiquei felicíssimo. Talvez seja o maior prêmio da minha carreira de escritor. Algumas obras literárias viraram enredo e deram origem a sambas antológicos. Como Macunaíma, Os Sertões, A invenção de Orfeu. Há uma série de clássicos da literatura brasileira que figuraram nesse universo e, de repente, me ver dentro desse rol, é um orgulho muito grande, uma felicidade enorme”, disse Mussa. 

O livro do escritor parte de registros da cultura tupinambá feitos pelo frade André Thevet, em 1550, e outras fontes dos séculos 16 e 17 para reconstituir o que teria sido o texto original de uma narrativa indígena. Ele conta que ficou satisfeito ao ver as ideias do livro transportadas para o enredo de samba. 

“Eu achei muito bem feito. O samba evidentemente não vai dar conta do livro todo. E o enredo também não é apenas sobre o livro. Ele vai além. Eles ampliaram essa visão da onça, extrapolaram o universo tupinambá e trouxeram outras culturas originárias da América do Sul. E tiveram uma solução muito inteligente no enredo. No início, fala do mito de criação do mundo. O final do samba é exatamente o fim do livro, que é a possibilidade de destruição final, quando a onça come a lua”. 

Para Mussa, o número expressivo de escolas de samba que usaram livros como fontes dos enredos deste ano reforça que o carnaval sempre esteve preocupado em trazer discussões sociais importantes para a Avenida. A festa é folia, diversão, mas também um espaço de conhecimento. 

“Se a gente pensar bem, historicamente figuras emblemáticas, que hoje são símbolos nacionais vão aparecer nos sambas. Caso do Zumbi dos Palmares, no Salgueiro em 1960, a Teresa de Benguela, mulher escravizada com vida de rebelião e contestação, que era desconhecida e virou enredo da Viradouro nos anos 90. Esse espaço das escolas de samba sempre foi de vanguarda, de muita discussão sobre a cultura popular e povos brasileiros de origem não europeia que sempre ficaram relegados e considerados culturalmente inferiores”, diz o escritor. 

Outros enredos 

Outras escolas de samba encontraram inspiração na literatura. A Portela tem o enredo baseado no livro Um defeito de cor, lançado em 2006 pela escritora Ana Maria Gonçalves. A obra conta a saga de Kehinde, mulher negra que é sequestrada no Reino do Daomé, atual Benin, na África, quando tinha oito anos de idade, e trazida para a Bahia, onde é escravizada. 

A partir dessa história individual, são tratados temas importantes como a exploração de africanos e descendentes na diáspora, assim como processos de luta e resistência durante oito décadas no Brasil. A protagonista, Kehinde, é inspirada em Luísa Mahin, que teria sido mãe do poeta Luís Gama e participado da célebre Revolta dos Malês, movimento liderado por escravizados muçulmanos a favor da abolição. 

A queda do céu, livro do yanomami Davi Kopenawa e do antropólogo Bruce Alberts, é a principal referência para o desfile do Salgueiro. A partir dele, a escola construiu um samba dedicado a exaltar a mitologia yanomami e defender a Amazônia. O enredo é apresentado pelo título Hutukara, que na língua yanomami significa “o céu original a partir do qual se formou a terra”. 

Temas como o aquecimento global e o desmatamento também vão ser abordados. Assim como a história de mais de mil anos dos yanomami na maior Terra Indígena (TI) do país, ao norte do Brasil e sul da Venezuela, nos estados do Amazonas e Roraima, nas bacias do Rio Negro e do Rio Branco. 

A Porto da Pedra, de São Gonçalo, vai apresentar o desfile sobre intitulado Lunário Perpétuo: A Profética do Saber Popular. A referência é ao almanaque do período medieval, escrito na Espanha por volta do século 14, que chega 200 anos depois ao Brasil. E passa a servir de guia para a medicina, agricultura e pecuária locais. Além de circular pelas classes mais ricas, passa a ter algum alcance entre os mais pobres, principalmente no Nordeste. 

A Imperatriz Leopoldinense, campeã do carnaval em 2023, vai trazer para a Avenida o enredo Com a sorte virada pra lua segundo o testamento da cigana Esmeralda. A letra é baseada em um cordel escrito há mais de 100 anos pelo poeta paraibano Leandro Gomes de Barros. Na história, uma mulher cigana deixa um testamento, que serve como um manual da sorte para indicar o destino das pessoas, interpretar sonhos, decifrar a astrologia e o futuro.

Veja os blocos que saem no Rio nesta segunda-feira

 

Na segunda-feira de Carnaval, multidões de foliões são esperados nos blocos que desfilam no centro e em bairros das zonas Sul, Norte e Oeste da cidade. A previsão da Riotur é que até 5 milhões de pessoas aproveitem o carnaval de 2024 na capital fluminense.

Entre os destaques de hoje (12), estão o Sargento Pimenta, que desfila a partir das 8h, na Glória, e o bloco infantil Largo Do Machadinho, Mas Não Largo Do Suquinho, marcado para as 9h, no Catete.

Confira a lista de blocos oficiais do carnaval de rua do Rio de Janeiro nesta segunda:

Bloco Corre Atrás – 7h (Leblon)

Bloco Do Sargento Pimenta – 8h (Glória)

Bloco Exagerado – 8h (Centro)

Bloco Traz A Caçamba – 8h (Centro)

Que Pena Amor – 8h (Centro)

Vem Cá Minha Flor – 8h (Centro)

Virtual – 8h (Leme)

Banda Polvo Da Ilha – 9h (Ribeira)

Bloco Infanto Juvenil Largo Do Machadinho, Mas Não Largo Do Suquinho – 9h (Catete)

Bloco Da Insanarj – 10h (Centro)

Carvalho Em Pé – 10h (Botafogo)

Dinossauros Nacionais – 10h (Centro)

Banda Clube Nobre Do Bairro Peixoto – 11h (Copacabana)

Banda Inimigos Da Bebida– 11h (Cocotá)

Bloco Seca Copo – 12h (Pitangueiras)

Universibloco – 12h (São Cristóvão)

Grbc Boêmios Da Madrugada – 13h (Tijuca)

Vem Delícia – 13h (Centro)

Acabou Amor – 14h (Tauá)

Bloco Carnavalesco Tudo Bom – 14h (Bangu)

Bloco Das Divas – 14h (Recreio Dos Bandeirantes)

Bloco Peru Sadio – 14h (Leme)

Comuna Que Pariu! – 14h (Centro)

Banda Do Riviera – 15h (Barra Da Tijuca)

B.C. Ciganas Feiticeiras De Olaria – 15h (Olaria)

Bloco Carnavalesco Vermelho E Preto E Coirmãos – 15h (Padre Miguel)

Bloco Papo De Cachaça – 15h (Méier)

Grcbc Engata No Centro – 15h (Centro)

Associação Carnavalesca Infiéis – 16h (Centro)

Banda Cabeça De Chave Da Rua Duvivier – 16h (Copacabana)

Banda Da Inválidos – 16h (Centro)

Bloco Balanço Do Jamelão – 16h (Grajaú)

Bloco Balanço Do Pinto – 16h (Tijuca)

Bloco Da Treta – 16h (Centro)

Bloco Flor De Lis – 16h (Centro)

Bloco Regos Barros – 16h (Santo Cristo)

Estica Do Flamengo – 16h (Flamengo)

U Amo Cerveja – 16h (Centro)

G.R.B.C. Aconteceu – 16h (Santa Teresa)

Bloco Da Colonia – 17h (Ilha De Paquetá)

Tigre Do Coqueiro – 17h (Pedra De Guaratiba)