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Setor público teve déficit de R$ 249 bilhões no ano passado

O déficit primário consolidado do setor público em 2023 ficou em R$ 249,1 bilhões, o que corresponde a 2,29% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos no país). O resultado foi diretamente influenciado pela antecipação do pagamento de R$ 92,4 bilhões em precatórios no mês de dezembro. Só no último mês do ano, o déficit ficou em R$ 129,6 bilhões.

No mês, o Governo Central (Tesouro, Banco Central e Previdência Social) e os governos regionais foram deficitários em R$ 127,6 bilhões e R$ 2,9 bilhões, respectivamente. Já as empresas estatais tiveram superávit de R$ 942 milhões. Os números constam das estatísticas fiscais de dezembro de 2023, divulgadas nesta quarta-feira (7) pelo Banco Central. 

Em 2022, o resultado final do ano foi um superávit de R$ 126,0 bilhões (1,25% do PIB), enquanto o mês de setembro fechou com déficit de R$ 11,8 bilhões.

O peso dos precatórios para o resultado consolidado do setor público em 2023 decorre da decisão do governo federal em pagar os atrasados deixados pelo governo anterior.

“Esse resultado é expressão de uma decisão que o governo tomou de pagar o calote que foi dado, tanto em precatórios quanto nos governadores em relação ao ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] sobre combustíveis. Desses R$ 230 bilhões, praticamente metade é pagamento de dívida do governo anterior, que poderia ser prorrogada para 2027 e que nós achamos que não era justo com quem quer que fosse o presidente na ocasião”, disse recentemente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Juros nominais

De acordo com o relatório, os juros nominais do setor público (apropriados pelo critério de competência) ficaram em R$ 718,3 bilhões em 2023, o que corresponde a 6,61% do PIB. Em 2022, foram R$ 586,4 bilhões (5,82% do PIB).

No mês de dezembro, os juros nominais ficaram em R$ 63,9 bilhões, ante os R$ 59,0 bilhões observados em dezembro de 2022.

O resultado nominal do setor público consolidado – que inclui o resultado primário e os juros nominais apropriados – foi deficitário em R$ 967,4 bilhões (8,90% do PIB) em 2023. No ano anterior, o déficit estava em R$ 460,4 bilhões (4,57% do PIB) .

Em dezembro de 2023, o déficit nominal chegou a R$ 193,4 bilhões. No mesmo mês de 2022, ficou em R$ 70,8 bilhões.

Dívida

A Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) chegou a R$ 6,6 trilhões, o que corresponde a 60,8% do PIB. A elevação anual observada, em relação ao PIB, ficou em 4,7 pontos percentuais (p.p.).

De acordo com a autoridade monetária, o aumento decorreu, sobretudo, dos juros nominais apropriados (+6,6 p.p.), do déficit primário (+2,3 p.p.), do efeito da valorização cambial de 7,2% no ano (+0,8 p.p.), da variação da paridade da cesta de moedas que integram a dívida externa líquida (-0,6 p.p.), e do crescimento do PIB nominal (-4,1 p.p.)”.

Segundo o relatório, em dezembro, a relação entre a DLSP e o PIB aumentou 1,4 p.p., em função dos impactos do déficit primário (+1,2 p.p.), dos juros nominais apropriados (+0,6 p.p.), da valorização cambial de 1,9% no mês (+0,2 p.p.), do ajuste da cesta de moedas que integram a dívida externa líquida (-0,3 p.p.), e do crescimento do PIB nominal (-0,4 p.p.).

Já a Dívida Bruta do Governo Geral – compreendida por governo federal, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e governos estaduais e municipais – atingiu R$ 8,1 trilhões (74,3% do PIB) em 2023. A relação entre DBGG e PIB foi elevada em 2,7 p.p. Segundo o BC, o resultado decorre, sobretudo, da incorporação de juros nominais (+ 7,5 p.p.), das emissões líquidas (+0,6 p.p.), do efeito da valorização cambial acumulada no ano (-0,3 p.p.) e do crescimento do PIB nominal (-5,2 p.p.).

Em dezembro, a relação DBGG – PIB aumentou em 0,5 p.p., em função basicamente dos juros nominais incorporados (+0,7 p.p.), das emissões líquidas de dívida (+0,4 p.p.), e do crescimento do PIB nominal (-0,4 p.p.).

Haddad: déficit resultou de quitação de precatórios do governo passado

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o déficit nas contas públicas em 2023 resultou do pagamento de precatórios atrasados, deixados pelo governo anterior. No ano passado, o resultado ficou negativo em R$ 230,54 bilhões, só perdendo para 2020, quando o déficit atingiu R$ 743,25 bilhões por causa da pandemia de covid-19. O déficit primário representa o resultado negativo das contas do governo sem os juros da dívida pública.

“Esse resultado é expressão de uma decisão que o governo tomou de pagar o calote que foi dado, tanto em precatórios quanto nos governadores em relação ao ICMS sobre combustíveis. Desses R$ 230 bilhões, praticamente metade é pagamento de dívida do governo anterior, que poderia ser prorrogada para 2027 e que nós achamos que não era justo com quem quer que fosse o presidente na ocasião”, afirmou o ministro em entrevista na noite desta segunda-feira (29). 

A quitação dos precatórios ocorreu após um acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o Tesouro Nacional, sem o pagamento dos precatórios, as contas do Governo Central – Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central – teriam fechado o ano passado com resultado negativo de R$ 138,1 bilhões, equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e dos serviços produzidos no país). Sem o socorro financeiro de cerca de R$ 20 bilhões para estados e municípios, o déficit teria caído para R$ 117,2 bilhões, 1,1% do PIB.

Apenas em dezembro, o déficit primário somou R$ 116,15 bilhões, impulsionado pela quitação dos precatórios em atraso. Dívidas do governo com sentença judicial definitiva, os precatórios foram parcelados ou adiados após uma emenda constitucional em 2021. No ano passado, o governo quis quitar a dívida para evitar um passivo de R$ 250 bilhões no fim de 2026.

O déficit de dezembro foi o maior já registrado para o mês desde o início da série histórica, em 1997. Sem os precatórios, informou o Tesouro, o resultado negativo ficaria em R$ 23,8 bilhões. Esse valor ficaria abaixo da estimativa das instituições financeiras. Segundo a pesquisa Prisma Fiscal, divulgada todos os meses pelo Ministério da Fazenda, os analistas de mercado esperavam resultado negativo de R$ 35,5 bilhões, sem considerar o pagamento de precatórios.

 Apesar da quitação dos precatórios, o déficit ficou dentro da meta de R$ 231,5 bilhões para o Governo Central estabelecida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano passado.

Haddad acrescentou que o governo priorizou no primeiro ano “passar a régua neste legado tenebroso de desorganização das contas públicas”. 

Brasil registrou 155 assassinatos de pessoas trans no ano passado

Em 2023, houve 155 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo 145 casos de assassinatos e dez que cometeram suicídio após sofrer violências ou devido à invisibilidade trans. O número de assassinatos aumentou 10,7%, em relação a 2022, quando houve 131 casos.

Os dados são na 7ª edição do Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023  da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), divulgado nesta segunda-feira (29) no Ministério dos Direitos Humanos, como parte da programação dos 20 anos do Dia da Visibilidade Trans, celebrado anualmente em 29 de janeiro..

Em 2023, a média foi de 12 assassinatos de trans por mês, com aumento de um caso por mês, em relação ao ano anterior. De acordo com o levantamento, dos 145 homicídios ocorridos no ano passado, cinco foram cometidos contra pessoas trans defensoras de direitos humanos.

No ano passado, também foram registradas pelo menos 69 tentativas de homicídio – 66 contra travestis e mulheres trans, além de três homens trans/pessoas transmasculinas (aqueles que, ao nascer, foram designadas como sendo do sexo feminino, mas se identificam com o gênero masculino).

Segundo a Antra, a publicação do dossiê tem o objetivo de contribuir para a erradicação da transfobia, da travestifobia, do transfeminicídio e de outras violências diretas e indiretas contra a população trans no país. A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, afirma que as trocas de informações pretendem assegurar o direito à vida de pessoas trans. “O dossiê lança luz sobre o problema sistemático que acontece no Brasil, e a gente precisa assumir o compromisso para garantir que a população trans pare de ser assassinada, temos esse desafio”, diz Bruna, que é responsável pela coordenação e análise de dados para produção do dossiê.

A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, destaca aumento de crimes contra pessoas trans em 2023 – José Cruz/Arquivo/Agência Brasil

 

Em entrevista à Agência Brasil e à Rádio Nacional, Bruna Benevides questionou o por quê de, mesmo com a redução de 4,09% de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) (40.464 casos, em 2023, no Brasil), os atos violentos contra pessoas trans estarem na contramão e crescerem no último ano. “Chama muito a nossa atenção pelo fato de que os homicídios diminuíram no contexto geral na sociedade brasileira, em 2023. Então, isso acende um alerta de que a comunidade trans continua sendo assassinada.”

O dossiê da Antra menciona também o monitoramento internacional feito pelo Trans Murder Monitoring (TMM), que analisa relatórios de homicídios de pessoas trans e com diversidade de gênero, em todo o planeta, desde 2008. O documento assinala o Brasil como o país que mais mata pessoas trans no mundo, pelo 15º ano consecutivo.

Na divulgação mais recente do TMM, em novembro de 2023, pelo Dia Internacional da Memória Transgênero, foram contabilizados mundialmente 321 assassinatos, registrados entre outubro de 2022 e setembro de 2023. Pelo menos 100 deles foram no Brasil (31% do total).

Localidade dos assassinatos

O dossiê informa que, no ano passado, São Paulo foi o estado em que mais ocorreram assassinatos de pessoas trans, com 19 casos, o que representa aumento de 73%, em relação a 2022. No Rio de Janeiro, o número de assassinatos dobrou de 8, em 2022, para 16, em 2023 e saiu da quinta posição para a segunda no ranking de homicídios contra este grupo.

Os estados do Ceará, com 2 casos, do Paraná, com 12, e Paraná, com 12, ocupam, respectivamente, a terceira, quarta e quinta posições. A Antra não encontrou casos de assassinatos, em 2023, nos estados do Acre, de Roraima, Santa Catarina, Sergipe e do Tocantins, mas pode haver subnotificação.

A maior concentração de assassinatos foi observada na Região Sudeste (37% dos casos); seguida pelo Nordeste (36%); Sul (10% dos assassinatos); Norte (9%); e a região Centro-Oeste (7%).

Os crimes ocorrem majoritariamente em locais públicos (60%), principalmente, em via pública, em ruas desertas. Dos 40% restantes, em locais privados, a residência da vítima aparece com o local onde mais houve casos, além de motéis, unidades de saúde e ainda residências de terceiros.

A maior parte dos assassinatos ocorreu no período noturno, com 62% dos casos brasileiros.

Em 2023, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil também identificou 5 assassinatos de travestis/mulheres transexuais brasileiras no exterior, sendo 2, na Itália; 2, na Espanha; e 1, no Paraguai.

Perfil

Dentre as 145 pessoas trans assassinadas no ano passado, 34 casos não tinham informações sobre a idade das vítimas. Se considerados apenas os 111 casos com identificação da idade, 90 das vítimas tinham entre 13 e 39 anos, o que representa 81% do total. A idade média das vítimas foi de 30,4 anos. A mais jovem trans assassinada no ano passado foi uma adolescente de 13 anos. “Quando vemos determinadas bandeiras falando de proteção das infâncias, sempre questionamos quais são as infâncias que estão sendo protegidas no país?”, reflete Bruna.

Sobre o contexto social em que viviam as vítimas, a prostituição é a fonte de renda mais frequente. O estudo chama a atenção para o fato 57% dos assassinados serem de travestis e mulheres trans que atuam como profissionais do sexo, consideradas mais expostas à violência direta, mais estigmatizadas e marginalizadas. “Buscamos, não apenas proporcionar condições seguras para o exercício dessa atividade, mas também criar oportunidades para aquelas que desejam buscar outras formas de emprego ou geração de renda”, propõe o dossiê.

No último ano, dentre os casos de homicídios em que foi possível identificar a raça da vítima, a Antra observou que, pelo menos, 72% das vítimas eram pessoas trans negras (pretas e pardas).

O estudo indica também que uma pessoa trans, que não fez modificações corporais e não expressa sua inconformidade de gênero claramente, não está exposta às mesmas violências que as demais,”porque não confronta a sociedade cisgênero” (quando a identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento).

“É possível afirmar que tanto a raça quanto a identidade de gênero são fatores de risco de morte para a população trans negra. Sobretudo considerando que são as pessoas trans negras as que menos acessam as tecnologias de gênero, seja por meio da transição social, física, hormonal ou cirúrgica e, por consequência, acabam sendo muito mais facilmente sendo lidas a partir do olhar da cisgeneridade e da patrulha de gênero, como alguém que não pertenceria ao gênero que expressa”, diz o estudo.

Quanto à identidade de gênero, aumentou 4,6% o número de travestis e mulheres trans assassinadas em 2023, na comparação com 2022. Das 145 vítimas de assassinatos localizadas e consideradas na pesquisa, 136 eram travestis/mulheres trans. Já homens trans e pessoas transmasculinas são minoria em crimes de assassinatos: 9 casos.

Perfil dos suspeitos

A maior parte dos suspeitos, em geral, não costumam ter relação direta, social ou afetiva com a vítima, aponta o Dossiê de 2023.

Entre os casos em que os suspeitos foram efetivamente reconhecidos, 11 tinham algum vínculo afetivo com a vítima, como namorado, ex ou marido. Outros 12 casos ocorreram em contextos de programas sexuais contratados pelos suspeitos. Em diversos casos, a pesquisa identificou a narrativa em que os suspeitos tentaram transferir a responsabilidade ou justificar o assassinato, sob alegação de legítima defesa.

Violência e crueldades

O dossiê divulga também dados sobre os meios usados para cometer o assassinato, como tiro, facada, espancamento, estrangulamento, apedrejamento e outros.

Os casos ocorrem em sua maioria (54%) com uso excessivo de violência e requintes de crueldade.

Dos 122 casos com informações, 56 (46%) foram cometidos por armas de fogo; 29 (24%) por arma branca; 12 (10%) por espancamento, apedrejamento, asfixia e/ou estrangulamento e 25 (20%) de outros meios, como pauladas, degolamento e corpos carbonizados. Houve, ainda, 24 casos de clara execução, com número elevado de tiros ou a queima-roupa ou de alto número de perfurações por objeto cortante.

Antigênero

O dossiê conclui que a permanência das violências contra a comunidade trans faz parte de um projeto político conservador, que, de acordo com a Antra, tornou-se preocupante para as pautas de interesse desse grupo no Congresso Nacional.

Bruna Benevides, rebate o que considera ser um ambiente social e político hostil que tem como alvo as pessoas trans, devido à existência de uma pauta antigênero. “Em 2023, foram mais de 300 projetos de lei que pretendiam institucionalizar a transfobia, no âmbito da Câmara Legislativa Federal. Temos preocupação porque os acenos que esses representantes, que esses políticos e figuras públicas fazem, é que as nossas vidas não importam, o aceno que fala para a juventude é que não há um futuro para elas existirem”, lamenta Bruna.

Subnotificação e impunidade

A Antra aponta ainda a ausência de dados e a dificuldade de acesso a registros de violência LGBTfóbica, somada à subnotificação de casos deste tipo, que prejudica a realização de pesquisas.

Segundo a associação, que não existem referências demográficas sobre a população trans brasileira que possibilitem o cálculo da proporção por habitantes, dos casos de violência contra esse público no Brasil. O que se torna um grande desafio na produção de estatísticas, ressalta Bruna.  “O aumento [do número de assassinatos] simboliza também um chamado urgente para que os órgãos de segurança pública em todos os âmbitos: federal, municipal e estadual, se comprometam a ter dados, porque este é o primeiro ponto. O Estado brasileiro não produz dados sobre violência, sobretudo, o assassinato contra a comunidade trans. E a sociedade civil tem que produzi-los”, acrescenta.

A associação destaca ainda a ausência de ações de enfrentamento da violência contra pessoas LGBTQIA+ por parte do Estado brasileiro; a falta de rigor nas investigações policiais de casos de transfobia; a constante ausência, precariedade e fragilidade de dados usada para ocultar ou simular uma diminuição dos casos, na realidade, contribuem para impunidade, que favorece novos assassinatos e gera insegurança na população trans.

“Ficou como um resquício da ditadura [militar] em relação à comunidade trans. Algumas narrativas nos colocam como inimigas. Então, as pessoas trans não vão confiar na segurança pública, que é uma potencial violadora de seus direitos, de sua própria segurança. Então, além de sofrer toda essa violência, as pessoas não se sentem seguras”, constata Bruna Benevides.

Evento 

O dossiê foi apresentado nesta segunda-feira (29) em cerimônia em homenagem aos 20 anos da Visibilidade Trans, promovida pelo  Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).  A atividade aconteceu no âmbito da campanha do MDHC alusiva aos 20 anos da visibilidade trans. 

“Esse dossiê é um pedido de socorro para que nós possamos definitivamente enfrentar e erradicar a transfobia e os assassinatos contra a nossa comunidade”, disse a secretária de articulação política da Antra, Bruna Benevides. 

Durante o evento, a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, disse que a meta do governo é entregar uma política nacional dos direitos das pessoas LGBTQIA+. “Ainda é a semente do que a gente quer, que essa política continue promovendo acesso, dignidade, respeito e autonomia para a nossa população que é tão vulnerabilizada e tão atacada”. 

Para o ministro Silvio Almeida, as questões relacionadas aos direitos das pessoas LGBTQIA+ se desdobram em questões de interesse nacional. “Se falarmos em políticas de saúde, educação, trabalho, emprego e renda e segurança pública sem falar das pessoas trans, não estamos falando de nenhuma dessas políticas da maneira que elas devem ser faladas. Não existirá cidadania, democracia e desenvolvimento econômico no Brasil se as pessoas LGBTQIA+ não poderem exercer seus direitos”, disse. 

O MDHC também entregou o Troféu Fernanda Benvenutty para iniciativas de promoção da conquista de direitos e à formulação de políticas voltadas à cidadania e à dignidade das pessoas trans ao longo dos últimos 20 anos.

Brasília(DF), 29/01/2024 – O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida participa da comemoração dos 20 anos do Dia Nacional da Visibilidade Trans. Foto:Wilson Dias/Agência Brasil 

Brasil registrou 145 assassinatos de pessoas trans no ano passado

Em 2023, houve 155 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo 145 casos de assassinatos e dez que cometeram suicídio após sofrer violências ou devido à invisibilidade trans. O número de assassinatos aumentou 10,7%, em relação a 2022, quando houve 131 casos.

Os dados são na 7ª edição do Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023  da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), divulgado nesta segunda-feira (29) no Ministério dos Direitos Humanos, como parte da programação dos 20 anos do Dia da Visibilidade Trans, celebrado anualmente em 29 de janeiro..

Em 2023, a média foi de 12 assassinatos de trans por mês, com aumento de um caso por mês, em relação ao ano anterior. De acordo com o levantamento, dos 145 homicídios ocorridos no ano passado, cinco foram cometidos contra pessoas trans defensoras de direitos humanos.

No ano passado, também foram registradas pelo menos 69 tentativas de homicídio – 66 contra travestis e mulheres trans, além de três homens trans/pessoas transmasculinas (aqueles que, ao nascer, foram designadas como sendo do sexo feminino, mas se identificam com o gênero masculino).

Segundo a Antra, a publicação do dossiê tem o objetivo de contribuir para a erradicação da transfobia, da travestifobia, do transfeminicídio e de outras violências diretas e indiretas contra a população trans no país. A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, afirma que as trocas de informações pretendem assegurar o direito à vida de pessoas trans. “O dossiê lança luz sobre o problema sistemático que acontece no Brasil, e a gente precisa assumir o compromisso para garantir que a população trans pare de ser assassinada, temos esse desafio”, diz Bruna, que é responsável pela coordenação e análise de dados para produção do dossiê.

A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, destaca aumento de crimes contra pessoas trans em 2023 – José Cruz/Arquivo/Agência Brasil

 

Em entrevista à Agência Brasil e à Rádio Nacional, Bruna Benevides questionou o por quê de, mesmo com a redução de 4,09% de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) (40.464 casos, em 2023, no Brasil), os atos violentos contra pessoas trans estarem na contramão e crescerem no último ano. “Chama muito a nossa atenção pelo fato de que os homicídios diminuíram no contexto geral na sociedade brasileira, em 2023. Então, isso acende um alerta de que a comunidade trans continua sendo assassinada.”

O dossiê da Antra menciona também o monitoramento internacional feito pelo Trans Murder Monitoring (TMM), que analisa relatórios de homicídios de pessoas trans e com diversidade de gênero, em todo o planeta, desde 2008. O documento assinala o Brasil como o país que mais mata pessoas trans no mundo, pelo 15º ano consecutivo.

Na divulgação mais recente do TMM, em novembro de 2023, pelo Dia Internacional da Memória Transgênero, foram contabilizados mundialmente 321 assassinatos, registrados entre outubro de 2022 e setembro de 2023. Pelo menos 100 deles foram no Brasil (31% do total).

Localidade dos assassinatos

O dossiê informa que, no ano passado, São Paulo foi o estado em que mais ocorreram assassinatos de pessoas trans, com 19 casos, o que representa aumento de 73%, em relação a 2022. No Rio de Janeiro, o número de assassinatos dobrou de 8, em 2022, para 16, em 2023 e saiu da quinta posição para a segunda no ranking de homicídios contra este grupo.

Os estados do Ceará, com 2 casos, do Paraná, com 12, e Paraná, com 12, ocupam, respectivamente, a terceira, quarta e quinta posições. A Antra não encontrou casos de assassinatos, em 2023, nos estados do Acre, de Roraima, Santa Catarina, Sergipe e do Tocantins, mas pode haver subnotificação.

A maior concentração de assassinatos foi observada na Região Sudeste (37% dos casos); seguida pelo Nordeste (36%); Sul (10% dos assassinatos); Norte (9%); e a região Centro-Oeste (7%).

Os crimes ocorrem majoritariamente em locais públicos (60%), principalmente, em via pública, em ruas desertas. Dos 40% restantes, em locais privados, a residência da vítima aparece com o local onde mais houve casos, além de motéis, unidades de saúde e ainda residências de terceiros.

A maior parte dos assassinatos ocorreu no período noturno, com 62% dos casos brasileiros.

Em 2023, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil também identificou 5 assassinatos de travestis/mulheres transexuais brasileiras no exterior, sendo 2, na Itália; 2, na Espanha; e 1, no Paraguai.

Perfil

Dentre as 145 pessoas trans assassinadas no ano passado, 34 casos não tinham informações sobre a idade das vítimas. Se considerados apenas os 111 casos com identificação da idade, 90 das vítimas tinham entre 13 e 39 anos, o que representa 81% do total. A idade média das vítimas foi de 30,4 anos. A mais jovem trans assassinada no ano passado foi uma adolescente de 13 anos. “Quando vemos determinadas bandeiras falando de proteção das infâncias, sempre questionamos quais são as infâncias que estão sendo protegidas no país?”, reflete Bruna.

Sobre o contexto social em que viviam as vítimas, a prostituição é a fonte de renda mais frequente. O estudo chama a atenção para o fato 57% dos assassinados serem de travestis e mulheres trans que atuam como profissionais do sexo, consideradas mais expostas à violência direta, mais estigmatizadas e marginalizadas. “Buscamos, não apenas proporcionar condições seguras para o exercício dessa atividade, mas também criar oportunidades para aquelas que desejam buscar outras formas de emprego ou geração de renda”, propõe o dossiê.

No último ano, dentre os casos de homicídios em que foi possível identificar a raça da vítima, a Antra observou que, pelo menos, 72% das vítimas eram pessoas trans negras (pretas e pardas).

O estudo indica também que uma pessoa trans, que não fez modificações corporais e não expressa sua inconformidade de gênero claramente, não está exposta às mesmas violências que as demais,”porque não confronta a sociedade cisgênero” (quando a identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento).

“É possível afirmar que tanto a raça quanto a identidade de gênero são fatores de risco de morte para a população trans negra. Sobretudo considerando que são as pessoas trans negras as que menos acessam as tecnologias de gênero, seja por meio da transição social, física, hormonal ou cirúrgica e, por consequência, acabam sendo muito mais facilmente sendo lidas a partir do olhar da cisgeneridade e da patrulha de gênero, como alguém que não pertenceria ao gênero que expressa”, diz o estudo.

Quanto à identidade de gênero, aumentou 4,6% o número de travestis e mulheres trans assassinadas em 2023, na comparação com 2022. Das 145 vítimas de assassinatos localizadas e consideradas na pesquisa, 136 eram travestis/mulheres trans. Já homens trans e pessoas transmasculinas são minoria em crimes de assassinatos: 9 casos.

Perfil dos suspeitos

A maior parte dos suspeitos, em geral, não costumam ter relação direta, social ou afetiva com a vítima, aponta o Dossiê de 2023.

Entre os casos em que os suspeitos foram efetivamente reconhecidos, 11 tinham algum vínculo afetivo com a vítima, como namorado, ex ou marido. Outros 12 casos ocorreram em contextos de programas sexuais contratados pelos suspeitos. Em diversos casos, a pesquisa identificou a narrativa em que os suspeitos tentaram transferir a responsabilidade ou justificar o assassinato, sob alegação de legítima defesa.

Violência e crueldades

O dossiê divulga também dados sobre os meios usados para cometer o assassinato, como tiro, facada, espancamento, estrangulamento, apedrejamento e outros.

Os casos ocorrem em sua maioria (54%) com uso excessivo de violência e requintes de crueldade.

Dos 122 casos com informações, 56 (46%) foram cometidos por armas de fogo; 29 (24%) por arma branca; 12 (10%) por espancamento, apedrejamento, asfixia e/ou estrangulamento e 25 (20%) de outros meios, como pauladas, degolamento e corpos carbonizados. Houve, ainda, 24 casos de clara execução, com número elevado de tiros ou a queima-roupa ou de alto número de perfurações por objeto cortante.

Antigênero

O dossiê conclui que a permanência das violências contra a comunidade trans faz parte de um projeto político conservador, que, de acordo com a Antra, tornou-se preocupante para as pautas de interesse desse grupo no Congresso Nacional.

Bruna Benevides, rebate o que considera ser um ambiente social e político hostil que tem como alvo as pessoas trans, devido à existência de uma pauta antigênero. “Em 2023, foram mais de 300 projetos de lei que pretendiam institucionalizar a transfobia, no âmbito da Câmara Legislativa Federal. Temos preocupação porque os acenos que esses representantes, que esses políticos e figuras públicas fazem, é que as nossas vidas não importam, o aceno que fala para a juventude é que não há um futuro para elas existirem”, lamenta Bruna.

Subnotificação e impunidade

A Antra aponta ainda a ausência de dados e a dificuldade de acesso a registros de violência LGBTfóbica, somada à subnotificação de casos deste tipo, que prejudica a realização de pesquisas.

Segundo a associação, que não existem referências demográficas sobre a população trans brasileira que possibilitem o cálculo da proporção por habitantes, dos casos de violência contra esse público no Brasil. O que se torna um grande desafio na produção de estatísticas, ressalta Bruna.  “O aumento [do número de assassinatos] simboliza também um chamado urgente para que os órgãos de segurança pública em todos os âmbitos: federal, municipal e estadual, se comprometam a ter dados, porque este é o primeiro ponto. O Estado brasileiro não produz dados sobre violência, sobretudo, o assassinato contra a comunidade trans. E a sociedade civil tem que produzi-los”, acrescenta.

A associação destaca ainda a ausência de ações de enfrentamento da violência contra pessoas LGBTQIA+ por parte do Estado brasileiro; a falta de rigor nas investigações policiais de casos de transfobia; a constante ausência, precariedade e fragilidade de dados usada para ocultar ou simular uma diminuição dos casos, na realidade, contribuem para impunidade, que favorece novos assassinatos e gera insegurança na população trans.

“Ficou como um resquício da ditadura [militar] em relação à comunidade trans. Algumas narrativas nos colocam como inimigas. Então, as pessoas trans não vão confiar na segurança pública, que é uma potencial violadora de seus direitos, de sua própria segurança. Então, além de sofrer toda essa violência, as pessoas não se sentem seguras”, constata Bruna Benevides.

Evento 

O dossiê foi apresentado nesta segunda-feira (29) em cerimônia em homenagem aos 20 anos da Visibilidade Trans, promovida pelo  Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).  A atividade aconteceu no âmbito da campanha do MDHC alusiva aos 20 anos da visibilidade trans. 

“Esse dossiê é um pedido de socorro para que nós possamos definitivamente enfrentar e erradicar a transfobia e os assassinatos contra a nossa comunidade”, disse a secretária de articulação política da Antra, Bruna Benevides. 

Durante o evento, a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, disse que a meta do governo é entregar uma política nacional dos direitos das pessoas LGBTQIA+. “Ainda é a semente do que a gente quer, que essa política continue promovendo acesso, dignidade, respeito e autonomia para a nossa população que é tão vulnerabilizada e tão atacada”. 

Para o ministro Silvio Almeida, as questões relacionadas aos direitos das pessoas LGBTQIA+ se desdobram em questões de interesse nacional. “Se falarmos em políticas de saúde, educação, trabalho, emprego e renda e segurança pública sem falar das pessoas trans, não estamos falando de nenhuma dessas políticas da maneira que elas devem ser faladas. Não existirá cidadania, democracia e desenvolvimento econômico no Brasil se as pessoas LGBTQIA+ não poderem exercer seus direitos”, disse. 

O MDHC também entregou o Troféu Fernanda Benvenutty para iniciativas de promoção da conquista de direitos e à formulação de políticas voltadas à cidadania e à dignidade das pessoas trans ao longo dos últimos 20 anos.

Brasília(DF), 29/01/2024 – O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida participa da comemoração dos 20 anos do Dia Nacional da Visibilidade Trans. Foto:Wilson Dias/Agência Brasil 

* Colaborou Sabrina Craide