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Uso de imóveis privados para tortura une civis e militares na ditadura

Uma casa discreta em um bairro residencial, um sítio usado para churrascos em fim de semana e até uma sala do complexo industrial de uma multinacional, lugares com pouco em comum, além de terem sido usados para tortura e execuções. Ao longo dos anos, pesquisadores e ativistas têm lembrado em diversos momentos que a ditadura que comandou o Brasil entre 1964 e 1985 não era apenas militar, mas foi conduzida também por tentáculos civis. Inclusive a violenta repressão contra os opositores teve participação de agentes sem vínculo direto com os quartéis.

Essas conexões ficam claras na existência de diversos pontos onde eram conduzidos interrogatórios e desaparecimentos forçados fora de qualquer estrutura militar ou governamental. Apesar de conhecidos, o caráter completamente não oficial desses imóveis em relação a estruturas públicas deixou poucas evidências para que seja possível saber exatamente quantos eram e o que se passou nesses locais.

“Esses espaços clandestinos possibilitaram uma articulação exatamente para fora das institucionalidades. E isso acho que dava mais margem para organizações paralelas atuarem nesses espaços. Ao mesmo tempo em que também criava laços de participação da sociedade civil nesses processos”, diz a historiadora e pesquisadora do Memorial da Resistência Julia Gumieri.

A existência desses locais surge em diversas investigações feitas sobre os crimes cometidos pela ditadura ao longo dos anos. A Comissão Nacional da Verdade mapeou a existência de centros de tortura em vários estados, como Rio de Janeiro, Pará e Minas Gerais.

Na comissão parlamentar de inquérito (CPI) aberta pela Câmara Municipal de São Paulo em 1990, as investigações passaram por um sítio apontado como local de tortura e execuções em Parelheiros, extremo sul paulistano.

Ossadas de presos políticos no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo – Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência

O alvo inicial dos trabalhos da CPI era a vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte paulistana, onde foram ocultados os restos mortais de opositores assassinados pela repressão. Porém, os trabalhos também investigaram a existência da Fazenda 31 de Março, na região de Marsilac, no extremo sul da capital paulista, próximo à divisa com Itanhaém e Embu-Guaçu.

Difícil identificação

Havia a suspeita de que esse teria sido o lugar para onde o dramaturgo e militante Maurício Segall, filho do pintor Lasar Segall, foi levado ao ser sequestrado pelo regime. Ao depor na Câmara Municipal, Segall não reconheceu o local pelas fotos apresentadas pelos vereadores.

“Estou olhando isto aqui e diria que não é a casa onde estive. Por duas razões: a primeira é que, mesmo vendado – isso me lembro perfeitamente – eu desci uma escadinha de onde o carro estava parado para chegar à entrada da casa. Isso me lembro na ida e na volta. Eu ia meio amparado, porque estava vendado. E aqui, me parece pelo menos, não há possibilidade de ter escada, não tem nada”, respondeu ao ver as fotos do local na investigação feita pelos vereadores em 1990, puxando da memória o que havia passado em 1970.

Escritor e ex-preso político Ivan Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo  – Arquivo Pessoal/Memorial da Resistência

A fazenda era de propriedade do empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, que morreu antes de ser ouvido pela CPI. O escritor e ex-preso político Ivan Seixas disse que o filho de um dos militares que frequentavam o sítio contou que o local também servia de ponto de confraternização para os agentes da repressão. “Tinha o filho de um milico, do capitão Enio Pimentel Silveira, que era funcionário da prefeitura. A gente pediu e ele concordou em ir [até a Fazenda 31 de Março], porque ele ia lá para churrascos. O pai dele e o [delegado Sérgio] Fleury faziam churrascos e levavam os filhos”, disse em entrevista à Agência Brasil. Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e assessor especial da Comissão Nacional da Verdade.

É provável que Segall não tenha reconhecido o local porque a equipe do delegado Sérgio Fleury o levou para outro sítio, em Arujá, na Grande São Paulo, a norte da capital. Diversos depoimentos relatam que o delegado, um dos mais conhecidos torturadores da ditadura, tinha a sua disposição uma chácara, que nunca teve localização exata identificada.

Durante o tempo que esteve preso nesse sítio, Segall presenciou a morte de Joaquim Ferreira Câmara, conhecido pelo codinome de Toledo, um dos líderes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Segundo relato de outro conhecido agente da repressão, Carlos Alberto Augusto, chamado de Carlinhos Metralha, após ser capturado no Rio de Janeiro e ficar em cativeiro em diversos locais, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, também teria passado pelo sítio usado por Fleury em Arujá.

“O sítio aparentemente tinha dois quartos, uma sala/cozinha e um banheiro. Os choques elétricos aplicados no pau-de-arara eram gerados num aparelho, acionado por manivela manual”, contou Segall em depoimento à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Também estavam presos no local Viriato Xavier de Mello Filho e Maria de Lourdes Rego Melo.

Durante a tortura, o artista viu um homem, que depois identificou como sendo Joaquim Câmara, com sintomas de um ataque cardíaco. Apesar de ter recebido atendimento médico, o líder da ALN morreu no local, o que fez com que os demais presos fossem levados de volta para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro da capital paulista.

Também pertencente ao empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, dono da transportadora Rimet e da Fazenda 31 de Março, a chamada Casa da Mooca era utilizada para manter presos durante dias opositores da ditadura. O relatório final da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo denuncia que o imóvel localizado na Rua Fernando Falcão, no bairro da Mooca, zona leste paulistana, foi colocado a serviço da repressão na década de 1970. Segundo o documento, o local também pode ter sido usado como cativeiro para Bacuri.

Lugares ainda não revelados

Sair vivo de um lugar como esse não era a regra. “Foram poucos sobreviventes desses espaços de modo geral, exatamente porque, como eles não eram parte das estruturas oficiais, o objetivo não era prender. O objetivo era recolher informações, torturar e executar, porque você não pode ter sobreviventes, testemunhas desses espaços não oficiais”, explica Julia Gumieri.

Sem registros e sem testemunhas, é possível, segundo a pesquisadora, que alguns desses locais não tenham sequer sido mencionados nas investigações feitas até agora. “Imaginando o que se perdeu de documentação não localizada e mesmo de falta de sobrevivente que os próprios colegas de militância não souberam, é muito provável que tenha existido muito mais, que seja uma camada ainda pequena que a gente sabe sobre”, acrescenta a historiadora.

 Sítio 31 de Março, onde teriam sido mortos os militantes Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana – Wikipedia

Na Fazenda 31 de Março, teriam sido mortos em 1973 os militantes da ALN Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana. Na CPI de 1990, o ex-deputado Afonso Celso, único sobrevivente conhecido do sítio, contou sobre o que passou lá. Apesar de vendado, ele se lembrava que atravessou uma linha férrea para chegar ao local. “Fui conduzido para um subterrâneo, ou uma sala subterrânea ou coisa assim, porque existiam quatro degraus. Quatro degraus, não, quatro lances de escada, e lá imediatamente me despiram e passaram a me torturar”, relatou aos vereadores.

“Eu provavelmente desmaiei ou qualquer coisa assim, das sevícias de que fui vítima. Depois acordei e vejo que me botaram já num outro tipo de tortura, que não era mais pau-de-arara”, segue a história contada por Celso. “Me puseram no que eles chamavam ‘piscina’, que era uma espécie de poço, de fundo cimentado, mas cheio de lodo. Eu pisava no lodo, e ali eles brincavam de afogamento. Me sufocavam, me afogavam”, disse na ocasião.

Fazenda em Araçariguama, na Rodovia Castelo Branco, usada para tortura e execução de opositores ao regime – Andréia Lago/Memorial da Resistência

Outros lugares só foram conhecidos por revelações dos próprios agentes da repressão, como Marival Chaves Dias do Canto, ex-sargento que atuou no Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Mesmo estando dentro de um dos maiores centros de tortura da ditadura, Chaves negou ter participado desse tipo de violência ou operações de repressão na rua. Fez revelações em diversos depoimentos, tanto a CPI da Vala de Perus, como também a Comissão Nacional da Verdade. Foi o ex-agente da repressão que identificou a Boate Querosene, em Itapevi, e o Sítio em Araçariguama como locais usados para tortura e execução de opositores ao regime.

Em outros casos ainda existem dúvidas e lacunas. Até hoje não se sabe o local onde, em 1978, Robson Luz foi torturado e morto após ser preso acusado de roubar uma caixa de frutas. O processo relativo ao caso, que à época causou indignação e levou à formação do Movimento Negro Unificado, só foi desarquivado em 2022.

Ao analisar a documentação, a pesquisadora Renata Eleutério, do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás, diz que as informações são de que ele foi preso no 44º Distrito Policial, de Guaianases, zona leste paulistana. Porém, há indícios de que ele foi levado para outro local no período em que esteve sob poder dos policiais. “No processo, em um dos depoimentos, o rapaz indica que ele foi retirado daquela delegacia e levado para outro lugar. E aí depois foi jogado na delegacia, retirado de lá e jogado em qualquer outro canto”, revela a pesquisadora.

Não há clareza, no entanto, do local onde Luz teria recebido pancadas e choques elétricos. Mas existem diversos indícios de que alguns agentes da repressão à oposição política também atuavam na execução de presos por crimes comuns, como no caso da acusação feita contra Luz. “As estruturas e os executores estavam muito em diálogo, eventualmente eram até os mesmos, como o Esquadrão da Morte [grupo de extermínio], que era um grupo de policiais da Polícia Civil vinculados ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social]”, exemplifica Julia Gumieri.

Boate Querosene, em Itapevi, foi identificada como local de tortura por um agente da repressão  – Cacalos Garrastazu/Memorial da Resistência

Não foi identificado, porém, até o momento que as casas e sítios usados pela repressão tenham abrigado outras atividades. “Eu não posso afirmar que o Esquadrão da Morte se utilizou de um desses espaços. Mas, se o Fleury é um delegado da polícia que é ativo nos processos de extermínio, tortura, e compõe o Esquadrão da Morte, assim, eventualmente, ele pode usar o mesmo espaço”, pondera a pesquisadora.

Essa rede de imóveis sem nenhuma ligação formal com o Estado é um aprofundamento dos procedimentos ilegais e clandestinos que já aconteciam no DOI-Codi e outras instalações militares. O que só era possível devido às diversas formas de apoio de empresários ao regime, com cessão de espaços, veículos, financiamento direto e até vigilância sobre os próprios empregados. A montadora Volkswagen reconheceu que ajudou a repressão a perseguir os próprios funcionários. O ferramenteiro Lúcio Bellentani contou que foi torturado dentro do complexo industrial em São Bernardo do Campo. A empresa fez um acordo de reparação com o Ministério Público Federal.

Doutrina de guerra

A tortura não era uma novidade para as instituições brasileiras. Na ditadura de Getúlio Vargas, os opositores também eram perseguidos e presos. “Durante os outros períodos, a repressão política era uma repressão feita por órgãos oficiais. Prendia, torturava e soltava”, diz Ivan Seixas. A ditadura instaurada a partir do golpe de 1964, no entanto, incorporou uma visão de guerra contra a própria população, baseada, em grande parte, nas guerras coloniais da França na Indochina (Vietnã) e na Argélia.

“A doutrina da guerra revolucionária, como os franceses chamavam, foi um elemento-chave para preparar a organização e a estruturação dos serviços de informação brasileiros, que foram calcados nos serviços de informações franceses durante a Guerra da Argélia [1954 a 1962]”, diz o pesquisador Rodrigo Nabuco de Araújo, autor do livro Diplomates en Uniforme [Diplomatas de Farda], que trata da atuação dos militares franceses a partir dos serviços de diplomacia no Brasil entre 1956 e 1974.

O nome mais conhecido por trazer as expertises francesas para o Brasil é o general Paul Aussaresses. Antes de morrer, em 2013, o oficial reconheceu ter utilizado a tortura para combater a insurgência argelina. “Ele disse que torturou, que matou, que formou torturadores, e por isso ele acabou perdendo tudo. Ele perdeu a patente de general, perdeu o salário de aposentadoria de general. Foi um golpe muito grande que ele levou depois de ter dito tudo o que disse”, contextualiza Araújo antes de afirmar que Aussaresses não foi o principal responsável por trazer as estratégias francesas para o Brasil.

“Tem um outro que é muito mais insidioso do que o que o Aussaresses que é o Yves Boulnois”, destaca o pesquisador. Chegando ao Brasil em 1969, o coronel francês ajudou, segundo Araújo, na estruturação do DOI-Codi e esteve presente nas operações contra a guerrilha comandada por Carlos Lamarca no Vale do Ribeira. “Ele participou da organização da operação e depois da supervisão, da análise dos dados que foram colhidos durante os interrogatórios, durante as torturas”, detalha Araújo a respeito do papel estratégico de Boulnois.

O coronel chegou ao Brasil em 1969 como adido militar. Em correspondência enviada ao então ministro dos Exércitos da França, Pierre Messmer, Boulnois informava sobre os avanços na estruturação das forças da repressão brasileiras. “Com vários meses de treinamento adequado, cada unidade é, agora, capaz, independente de qual seja a missão específica, de participar de uma operação de guerrilha”, escreveu ao superior em correspondência acessada por Araújo e disponibilizada em seu livro.

 

Hierarquias paralelas

A experiência francesa de enfrentar guerrilhas em um ambiente urbano, como aconteceu na Argélia, influenciou, segundo o pesquisador, na criação da Operação Bandeirante, que reprimiu os grupos armados que lutavam contra a ditadura em São Paulo. “Os militares do 2º Exército em São Paulo se inspiraram amplamente das sessões administrativas especiais, que eram organizações civis e militares na Guerra da Argélia, para estruturar a Operação Bandeirantes e transformar essa experiência da guerra colonial francesa, na Guerra da Argélia, em algo possivelmente utilizável no Brasil”, explica Araújo.

“Se inspirou nessa centralização da informação, que é o caso francês, dessa reunião de civis e militares em um só comando, e da organização das operações, o que eles chamavam de hierarquias paralelas. Quer dizer, que você tinha uma rede de comando, uma hierarquia de comando que vem de cima para baixo, mas você tinha uma hierarquia paralela, uma organização e uma estrutura clandestina”, detalha o pesquisador.

As teorias dos militares franceses surgem também da tentativa de entender a derrota para as forças de libertação das antigas colônias. “Tinha a ver com uma negligência dos militares da dimensão política e psicológica do conflito”, diz a respeito das conclusões dos oficiais o coordenador do Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Acácio Augusto.

O papel da tortura

“Para essa teoria, a sociedade está dividida em três grupos”, explica o professor. Esse pensamento estratégico parte, segundo ele, do princípio de que há uma minoria ativa, que luta contra a dominação colonial, no caso das ex-colônias francesas, ou contra a ditadura, no caso do Brasil. Há os apoiadores dos processos de dominação e há  “uma grande maioria, que eles chamam de neutra e pacífica, e que está à mercê de ser conquistada pela causa revolucionária, que deve ser disputada pelas forças da ordem”.

Por isso, para além do enfrentamento militar, foi feito, de acordo com Augusto, um esforço para evitar que o conjunto da população simpatizasse ou apoiasse os grupos de resistência. Ao mesmo tempo, os grupos de oposição são tratados como inimigos e desumanizados. “A tortura não era um ato de barbárie, não era um excesso do regime, era a própria forma de atuação do regime, inclusive gerida cientificamente. A ideia da tortura era produzir informação”, enfatiza.

O desaparecimento dos torturados, principalmente os que nunca foram registrados em estruturas oficiais do Estado, serve, segundo Araújo, a alguns propósitos. Por um lado, evita a responsabilização e repercussão pública das mortes, enquanto, por outro desestabiliza os opositores do regime.

“É uma forma de você criar uma incerteza muito grande em torno do que aconteceu com essa pessoa e dessa forma de criar uma impunidade em torno das pessoas que cometeram esses crimes”, diz o pesquisador.

O general francês Aussaresses, que ficou conhecido pelos cursos relacionados a tortura que promovia em Manaus, é também, segundo Araújo, protagonista de um evento que ilustra como a violência era instrumentalizada pelos colonialistas. “Ele solicitou o estádio de futebol da cidade. Ele torturou os presos em frente uns dos outros, depois matou todo mundo. Abriu uma vala comum, jogou todos os corpos ali, jogou cal quente em cima, e em cima disso ele jogou concreto armado. Quer dizer que não tem como saber quem está enterrado ali. Todos desapareceram”, conta o historiador sobre os fatos ocorridos na antiga cidade de Philippeville, atual Skikda, na Argélia.

Justiça determina saída de invasores de terra indígena no Pará

A Justiça Federal determinou a retirada de invasores da Terra Indígena (TI) Alto Rio Guamá, no nordeste do Pará. No ano passado, a terra indígena já havia passado por uma operação de desintrusão, mas líderes locais relataram que cerca de 20 famílias, que tinham saído de lá reinvadiram a área no último domingo (24).

A decisão que obriga a saída dos invasores foi tomada na terça-feira (26), acolhendo pedido do Ministério Público Federal (MPF).

A TI Alto Rio Guamá é habitada pelos povos Tembé, Timbira, Urubu-Kaapór e Guajajara. A sentença que obrigou a saída de não indígenas da TI é de 2014. Segundo o MPF, no início deste ano, começaram a circular informações falsas de que os não indígenas poderiam reinvadir a TI Alto Rio Guamá. No último fim de semana, foi novamente invadida a região conhecida como Vila Pepino, no município paraense de Nova Esperança do Piriá.

“A TI Alto Rio Guamá foi reconhecida como território indígena em 1945 e homologada em 1993. O território é de usufruto exclusivo dos povos Tembé, Ka’apor e Timbira. No entanto, não indígenas já indenizados, ou que invadiram a área após o processo de homologação, insistiam em permanecer irregularmente no território, o que motivou a operação de desintrusão em 2023”, disse o MPF.

Na decisão, a juíza federal Mariana Garcia Cunha determinou que a intimação dos não indígenas deve ser feita pela Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), com apoio operacional da Polícia Federal (PF). Além disso, a juíza ordenou que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) tome medidas imediatas para garantir a proteção territorial.

Mariana Cunha determinou ainda a apresentação de um cronograma de ações institucionais, com previsão de prazos, providências, agentes e recursos destinados à proteção territorial e à consolidação da retirada de não indígenas.

A juíza ordenou ainda que a Funai designe servidores para mediar a identificação e comunicação com os indígenas, garantindo toda a assistência para o acolhimento e direcionamento dessas populações, e mediar eventuais conflitos entre eles e os órgãos envolvidos na operação. Foi determinado também o monitoramento e ações de presença no interior da terra indígena após a realização da desintrusão, de modo a identificar possível retorno de invasores e posseiros.

A Funai deverá ainda solicitar ao Judiciário o perdimento do gado encontrado na terra indígena e disponibilizar os meios necessários para a retirada de invasores e posseiros. Todas as decisões terão que ser realizadas mediante consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas.

Caberá ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cumprir as responsabilidades assumidas no Plano Integrado de Desintrusão da TI, entre as quais, o oferecimento de cestas básicas e a realização do cadastramento e seleção das famílias não indígenas que poderão ser assentadas. O Incra terá também que identificar áreas onde poderão ser assentadas as famílias, disponibilizar apoio logístico e prever a liberação de crédito para instalação delas.

Na sentença, a magistrada estabeleceu deu 10 dias para que tanto a Funai quanto o Incra apresentem as informações e ações que devem ser postas em prática.

“Cabe à Funai evitar novas invasões e agir para repeli-las e cabe ao Incra possibilitar a participação dos antigos invasores no programa de reforma agrária. No caso, não se observa a atuação da Funai, visto que a invasões retornaram. Tampouco o Incra cumpriu sua responsabilidade, pois não concluiu o processo de alocação dessas pessoas no programa de reforma agrária, o que teria atenuado o conflito no local, considerando que os atuais invasores já eram ocupantes da área e dependem da terra para garantia do sustento, precisando de outro local para que possam trabalhar”, enfatizou a juíza Mariana Cunha.

Recomendações

O MPF pediu informações à Funai e ao Ministério dos Povos Indígenas sobre as providências tomadas de imediato para conter a situação e solicitou a apresentação de um plano de proteção e consolidação da desintrusão do território indígena, além de ter feito recomendações ao governo do Pará.

Ao governador Helder Barbalho e ao secretário de Segurança do estado, Ualame Machado, foi pedido que requeiram a permanência da Força Nacional de Segurança Pública na área, sob a coordenação da Funai e da Superintendência da Polícia Federal no Pará.

“Pelo período mínimo de 180 dias, sob revisão periódica, para garantir a vida, integridade e segurança das comunidades indígenas da TI Alto Rio Guamá, nas atividades e nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em caráter episódico e planejado, de modo a evitar situações de violências e obstar os riscos de reocupações do território tradicional”, recomendou o MPF.

Em nota, o Incra disse à Agência Brasil que, em 2023,  pesquisou e disponibilizou aos órgãos envolvidos informações sobre a terra indígena e seu entorno, tais como: assentamentos de reforma agrária; glebas públicas federais; processos minerários; parcelas de regularização fundiária; imóveis privados certificados; Cadastro Ambiental Rural; pontos de aldeias indígenas; malha rodoviária; hidrografia; ramais de acesso; pontos de escolas públicas; embargos ambientais e uso do solo a partir da plataforma Mapbiomas. Segundo o órgão , tais informações auxiliaram na elaboração do plano de desintrusão.

“O Incra pretende aproveitar eventuais lotes vagos em assentamentos do entorno para as famílias aptas ao Programa Nacional de Reforma Agrária”, informou o instituto. Segundo o Incra, a seleção das famílias para ingresso no plano é um processo composto por fases distintas, que da identificação e estudo de áreas até a publicação de editais com prazos de inscrição, processamento das inscrições, recursos, classificação e homologação.

Funai

Em nota, a Funai informou que, após a desintrusão, em julho do ano passado, foi deflagrada a Etapa de Manutenção, sob sua coordenação e com apoio da Força Nacional, com ações permanentes de monitoramento territorial. Essa etapa incluiu ações voltadas ao desfazimento de estruturas remanescentes de ocupações irregulares, com condução de invasores, apreensão de armamentos e apetrechos usados por invasores para práticas ilegais de caça e coleta.

Segundo a Funai, foram instaladas porteiras para evitar a entrada de invasores e placas para identificação de limites da TI.

Especificamente sobre a invasão nas regiões do Pepino e Pedão, nos dias 24 e 25 deste mês, a nota diz que a equipe da Funai que está no local atuou, junto ao efetivo da Força Nacional, “qualificando a situação e mediando contato com invasores”.

“A Coordenação de Fiscalização da Funai articulou reunião conjunta para alinhamento das medidas a serem adotadas pelo Ministério dos Povos Indígenas, pela Polícia Federal, Força Nacional de Segurança Pública e Funai. Foi estabelecido um planejamento para cumprimento da sentença. Na data de hoje (28), um dos pontos invadidos (Pedão) já havia sido desocupado voluntariamente,” concluiu.

A Agência Brasil também entrou em contato com o Ministério dos Povos Indígenas, mas ainda não obteve retorno.

Cacique Raoni recebe honraria de Macron e pede demarcações a Lula

O cacique Raoni Metuktire, líder do povo kayapó e um dos representantes indígenas mais reconhecidos internacionalmente, foi condecorado, nesta terça-feira (26), em Belém, com a ordem do cavaleiro da Legião de Honra da França. Entregue pelo presidente francês, Emmanuel Macron, a medalha é a maior honraria concedida pela França aos seus cidadãos e a estrangeiros que se destacam por suas atividades no cenário global.

A Legião de Honra foi criada por Napoleão Bonaparte em 1802 para premiar méritos militares e civis reconhecidos pela República Francesa. O evento, que ocorreu na Ilha do Combu, uma das maiores da capital paraense, marcou o primeiro dia da visita oficial de Macron ao Brasil, que segue até a próxima quinta-feira (28), em uma extensa agenda de compromissos em diferentes cidades brasileiras.

O presidente da França, Emmanuel Macron, condecora o líder indígena Raoni, na Ilha do Combu, em Belém (PA). Foto: Ricardo Stuckert / PR

“Caro Raoni, esse momento é dedicado a você. Várias vezes você foi à França e eu me comprometi a vir aqui na sua floresta, estar junto com os seus. Essa floresta, que é tão cobiçada, mas que você sempre lutou para defendê-la durante décadas. O presidente Lula e eu, hoje, fazemos causa comum com um de nossos amigos”, disse Macron em discurso antes de entregar a medalha ao cacique.

Em seu pronunciamento, falado no idioma kayapó e traduzido por um parente, Raoni cobrou ações do governo brasileiro para evitar ameaças ao desmatamento, e pediu que o governo bloqueie o projeto de construção da Ferrogrão. Com 933 quilômetros (km) de extensão, o projeto, ao custo de R$ 12 bilhões, prevê uma ferrovia que ligará Sinop, em Mato Grosso, ao porto paraense de Miritituba. A obra cruzaria áreas de preservação permanente e terras indígenas, onde vivem aproximadamente 2,6 mil pessoas.

Projeto de ferrovia

“Presidente Lula, me escuta, eu subi com você na posse, na rampa [do Palácio do Planalto], e eu quero pedir que vocês não aprovem o projeto de construção da ferrovia de Sinop a Miritituba, mais conhecido como Ferrogrão”, afirmou. “Sempre defendi que não pode ter desmatamento, não consigo aceitar garimpo. Então, presidente, quero pedir novamente que você trabalhe para que não haja mais desmatamento e também que você precisa demarcar as terras indígenas”, continuou o cacique, que ainda pediu que o governo amplie o orçamento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão federal responsável pela demarcação de terras das populações originárias.

Raoni falou sobre os interesses econômicos na extração dos recursos naturais, que pode inviabilizar a vida no planeta. “Eu nunca concordei com desmatamento, com extração de madeira, de minério e de ouro, e fico preocupado que o homem branco continue fazendo esse tipo de atividade. Fico preocupado que se esse trabalho continuar, podemos ter problemas sérios no mundo”.

Já o presidente Lula afirmou, em discurso, que o Brasil é um país em construção e que a luta pelo direito dos povos indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais ainda não foi resolvida. O presidente criticou os setores contrários às demarcações de terras indígenas no país e afirmou que seus governos foram os que mais ampliaram a destinação de terras aos povos originários.  

“É importante lembrar que os conservadores brasileiros, os latifundiários brasileiros, aqueles que são contra a participação do povo, costumam dizer que o povo indígena já tem muita terra no Brasil, que tem 14% do território nacional. Todos os dias eles falam isso. O que eles não percebem é que os indígenas têm 14% demarcada hoje, mas quando os portugueses chegaram aqui, em 1500, eles tinham 8,5 milhões de quilômetros quadrados, era tudo deles. Então, o fato de terem 14% legalizados é pouco diante do que eles precisam ter para viver, manter a sua cultura e o seu jeito de viver. Eu tenho certeza absoluta que o nosso governo é o que mais demarcou terra indígena e vai continuar demarcando terras indígenas e parques nacionais, para evitarmos o desmatamento”.  

Também estiveram presentes na comitiva as ministras dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e do Meio Ambiente, Marina Silva, além da presidente da Funai, Joênia Wapichana, do governador do Pará, Helder Barbalho, e diversas lideranças indígenas, incluindo Davi Kopenawa, xamã e líder dos yanomamis.

“Todo o trabalho que os povos indígenas fazem não é uma agenda localizada, é uma agenda global, uma agenda climática, em defesa das florestas tropicais e do bem-viver no planeta. É um pacto pelo futuro, um pacto pela vida”, destacou a ministra Sônia Guajajara.

Unidade de conservação binacional

O presidente Emmanuel Macron destacou, em uma fala ao final do encontro, que os dois governos têm planos de construir uma unidade de conservação binacional que se estenderia entre o Brasil e a Guiana Francesa (território ultramarino francês que faz fronteira com o Amapá), tornando-se um centro de referência em pesquisas científicas com vistas ao desenvolvimento sustentável. De acordo com o francês, serão investidos US$ 2 bilhões por ambos os países.  

Por meio de uma declaração intitulada “Chamado Brasil-França à ambição climática de Paris a Belém e além”, os países manifestaram o compromisso conjunto de combate ao desmatamento, proteção da Amazônia, restauração e gestão sustentável de florestas tropicais, e desenvolvimento da bioeconomia, incluindo “mecanismos inovadores de financiamento”.

Na chegada a Belém, Lula e Macron foram, em um barco da Marinha, para a Ilha do Combu, na margem sul do Rio Guamá. O trajeto incluiu a travessia do rio e a navegação por uma área de igarapés, onde os dois líderes puderam ter contato com a Floresta Amazônica preservada.

Antes da reunião com indígenas, eles ainda acompanharam um exemplo de produção artesanal de cacau e chocolate na região. A ideia, segundo o Palácio do Itamaraty, foi mostrar ao presidente francês a complexidade da questão amazônica e as alternativas de desenvolvimento econômico sustentável que existem.

Na próxima etapa da viagem, Lula e Macron inauguram, na manhã desta quarta-feira (27), o novo submarino brasileiro construído no Complexo Naval de Itaguaí, por meio de um acordo de cooperação tecnológica com a França. 

Demarcação para Avá-canoeiro é reparação histórica, diz antropóloga

A decisão da Justiça Federal que estabelece prazo de 15 meses para conclusão da demarcação da Terra Indígena (TI) Taego Ãwa, do povo Avá-canoeiro do Araguaia, representa uma reparação histórica das violações sofridas por este povo. A avaliação é da antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues, responsável pelo relatório que identificou e delimitou a TI. A etnia tem sido vítima de deslocamentos forçados ao longo da história. Atualmente, os cerca de 40 sobreviventes ainda vivem fora do território tradicional.

“É um dos casos mais graves de violência genocídica, que tem destaque no relatório da Comissão Nacional da Verdade, está lá com destaque o caso dos Avá-canoeiro do Araguaia. Na época dos governos militares, chegou à beira da extinção, chegaram a ser cinco pessoas e foram removidas para a terra dos seus antigos inimigos, onde sofreram todo tipo de marginalização”, lamentou a antropóloga, destacando que a decisão judicial foi um passo importante para se fazer justiça em prol da etnia.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) reverteu decisão da Justiça Federal de Gurupi (TO) que havia reduzido em cerca de 30% a TI Taego Ãwa. Essa fatia de quase um terço do território tinha sido reservada para assentados da reforma agrária e fazendeiros que atualmente estão sobrepostos à TI. A decisão do TRF1, que ocorreu no fim do mês passado, teve assinatura do acórdão no último dia 15.

O território está em processo de demarcação há mais de dez anos, no entanto, a decisão judicial determinou prazo de 15 meses para que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) conclua a ação, a fim de que o grupo possa retornar à região, de onde foram capturados e expulsos durante a ditadura militar.

A antropóloga ressalta que a decisão anterior, proferida em 2022, além da diminuição em quase um terço das terras, havia retirado também o acesso da TI Taego Ãwa ao rio Javaés, que é o principal rio da região, dá passagem a outras comunidades indígenas e é o principal meio para navegação e pescaria. “Eles haviam ficado com 70%, a maior parte de áreas inundáveis. A melhor parte da área foi retirada, então foi uma decisão considerada absurda”, disse.

O juiz relator do caso, Emmanuel Mascena de Medeiros, escreveu ainda que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), juntamente com a Funai, deve fazer a desintrusão das terras, reassentar as pessoas do Projeto de Assentamento Caracol diretamente afetados pela formação da TI Taego Ãwa e o pagamento de benfeitorias estabelecidas no território.

O relatório de identificação e delimitação da terra indígena, com cerca de 29 mil hectares, foi publicado pela Funai em 2012 e, em 2016 o Ministério da Justiça publicou a portaria declaratória reconhecendo-a como terra de ocupação tradicional do povo indígena Avá-canoeiro. A TI Taego Ãwa está localizada na região do médio curso do Rio Araguaia, no Tocantins. O território fica localizado à margem direita do Rio Javaés, a leste da Ilha do Bananal.

No entanto, diante da estagnação do processo, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação civil pública, em 2018, contra a União, a Funai e o Incra, para que fosse finalizada a demarcação. O MPF apontou que limitações materiais, financeiras e de pessoal não legitimam o retardo no processo demarcatório, acrescentando “que o controle judicial pleiteado na presente ação pública visa corrigir vício de ilegalidade na atuação do órgão indigenista”. A decisão do TRF1 é uma resposta à ação do MPF.

Após a ação, houve levantamento fundiário pela Funai e a terra foi demarcada fisicamente. Segundo a antropóloga, falta a desintrusão do território, retorno dos Avá-canoeiro e homologação pelo presidente da República.

Assentados do Incra

Em entrevista à Agência Brasil, o procurador regional da República, Felício Pontes Jr., representante do MPF no processo, ressaltou que a desintrusão é uma das grandes dificuldades em casos como este.

“Esse é o ponto mais difícil, avisar as pessoas que estão lá que elas não poderiam estar. Quando se tem clientes da reforma agrária, que também são pessoas que devem ser defendidas pelo Ministério Público Federal, tem que fazer isso com base em muita negociação”, relatou.

“Nós já avisamos para que eles não fiquem preocupados, que eles não iriam sair e ficar na beira da estrada, nós não fazemos isso. Nós temos um compromisso em não fazer a desintrusão antes que isso seja negociado. Normalmente o Incra faz a disponibilidade da terra, mas a gente exige também que eles aceitem a terra, porque eles conhecem, sabem se a terra pode ser produtiva ou não”, explicou o promotor.

A sobreposição de assentamentos da reforma agrária com territórios que vieram a ser reconhecidos como tradicionais não é particularidade da TI Taego Ãwa. “Nós temos vários casos em que isso aconteceu. Nós acabamos de ter a desintrusão no Alto Rio Guamá, que era um assentamento do Incra. Nesses casos, a gente negocia com o Incra e com os assentados. Nós defendemos os sem terra também, assim como defendemos os indígenas”, contou o promotor.

Patrícia Rodrigues aponta que o grupo de reassentados, na ocasião, também foi vítima de erro histórico do estado brasileiro, já que foram transferidos de uma terra indígena localizada na Ilha do Bananal para outro território considerado tradicional, de onde terão que ser removidos novamente. “Desejamos que eles sejam reassentados num lugar digno, onde eles possam desenvolver as suas atividades com dignidade e justiça também.”

A antropóloga conta que, na década de 1990, o Incra adquiriu áreas na região da Mata Azul, local onde os Avá-canoeiro foram contatados forçadamente na ditadura militar, para o reassentamento de famílias que ocupavam áreas protegidas na Ilha do Bananal.

“Apesar de estarem morando na aldeia dos Javaé, os Avá-canoeiro continuaram caçando, coletando nessa área da Mata Azul, que é do outro lado do rio. A Funai ignorou sumariamente que ali era uma terra indígena, que o povo continuava frequentando aquele lugar”, afirmou Patrícia. Segundo ela, quando fizeram a identificação da terra indígena, o assentamento do Incra ocupava metade da área total demarcada.

A região da Mata Azul  foi a última morada dos Avá-canoeiro do Araguaia, onde seus mortos foram enterrados e onde se deu o contato com outros povos. Ela enfatizou que os indígenas conheciam ainda cada centímetro do território, quando foi feita a identificação das terras. “Apesar dos desmatamentos que estão sendo feitos, eles conhecem cada árvore, cada lugar que tem ali dentro dessa terra indígena, mas estão fora dessa terra até hoje, até hoje eles estão morando na terra do Javaé, aguardando o momento de voltar”, disse Patrícia Rodrigues.

Para o procurador Pontes, os Avá-canoeiro do Araguaia não têm ainda seus direitos garantidos pelo estado brasileiro. “Enquanto eles não estiverem na terra deles, é um estado constante de violação de direitos fundamentais.”

História dos Avá-canoeiro

Estima-se que a população dos Avá-Canoeiro, no século XVIII, era de 4 mil pessoas. Patrícia Rodrigues relata que o grupo foi se refugiando ao longo da história, a partir da colonização portuguesa, e que resistiram ao contato externo.

“Eles eram um povo guerreiro e ficaram conhecidos na literatura como o povo do Brasil central que mais resistiu à colonização. Eles nunca aceitaram o contato pacífico. Houve um primeiro momento de embates fortes com os colonizadores, no século XVIII até meados do século XIX, e a partir de então, como eles foram massacrados, eles se dividiram em dois grupos de refugiados”, contou.

Parte do grupo que vivia nas cabeceiras do Rio Tocantins se deslocou para a região do médio Rio Araguaia, onde passou a disputar o mesmo território com os Karajá e Javaé, que já habitavam a região há séculos. Com isso, houve a separação dos Avá-canoeiro em dois grupos, do Rio Araguaia e do Rio Tocantins. O deslocamento dos Avá-canoeiro do Araguaia para o território, especialmente, dos Javaé gerou conflitos e disputas entre eles, o que também resultou em mortes de ambos os lados, segundo memória oral citada por Patrícia.

Na primeira metade do século XX, houve massacres de aldeias inteiras dos Avá-Canoeiro do Araguaia, incêndios e perseguição, por parte de novos invasores de terras. Isso levou a mais deslocamentos, até que chegaram à localização da Fazenda Canuanã, região da Mata Azul. 

Depois de massacres e deslocamentos forçados em sua história, o grupo chegou a 14 sobreviventes nos anos 1960, habitando um local chamado de Mata Azul. O local estava inserido no latifúndio Fazenda Canuanã, de propriedade da família Pazzanese, de São Paulo. Quando houve o contato forçado pela Funai em 1973, depois de reclamações de fazendeiros, eram 11 indígenas nos acampamentos da etnia.

“Foi nesse período [década de 1970] que o governo militar determinou o contato forçado com os Avá-Canoeiro. A Funai chegou ao local atirando e soltando fogos de artifício. Uma menina chamada Typyire foi baleada, falecendo dias depois na mata”, diz a ação do MPF. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reafirmou que, sob o regime autoritário da ditadura militar, a Funai protagonizou um contato forçado que resultou em um quase extermínio dos Avá-Canoeiro.

“A equipe [da Funai] entrou atirando nesse acampamento, essa é a memória oral dos Avá-canoeiros. Eles conseguiram capturar seis pessoas, porque o grande líder do grupo se entregou quando a mulher dele foi capturada com uma criança”, contou Patrícia. Os outros cinco fugiram, incluindo uma menina que foi baleada e morreu dias depois.

Os capturados foram levados para a sede da Fazenda Canuanã, onde eles foram expostos à visitação pública, situação que foi registrada em fotos na época. Aqueles que tinham fugido, foram contatados seis meses depois e, junto aos outros seis, o grupo ficou sob supervisão da Funai, que colocou os Javaé – inimigos tradicionais dos Avá-canoeiro do Araguaia – como supervisores desse acampamento.

“Relatos tanto dos Javaé como dos Avá-canoeiro e dos moradores regionais é de que as pessoas vieram de vários lugares para ver os ‘índios presos’, assim que eles falavam, ‘os índios pelados’, me falaram desse jeito. E esses Avá capturados ficaram lá numa casa, num cercado, sendo observados por gente que vinha de todo lugar”, lembrou a antropóloga. Os indígenas foram expostos também à contaminação de vírus, para os quais eles não tinham imunidade, o que a antropóloga aponta como outra negligência da Funai.

Um dos capturados morreu três meses depois do contato forçado de pneumonia. “Ele foi levado para Goiânia, morreu lá e nunca devolveram o corpo para os seus parentes. Agora, dois anos atrás, nós conseguimos encontrar um documento que fala onde ele foi internado, a causa da morte dele, onde ele foi enterrado como um lavrador. Nem como indígena foi enterrado”, contou.

Sobreviventes

Por fim, o grupo restante foi transferido, ainda na década de 70, para uma aldeia dos Javaé, onde passaram a viver uma situação de marginalidade. Pouco tempo depois dessa transferência, alguns morreram e os Avá-canoeiro ficaram reduzidos a cinco pessoas apenas.

“Foi um grande marco na vida deles, eles dividem a história entre antes e depois do contato, o momento em que eles foram capturados [pela Funai]. Antes, eles eram fugitivos, mas pelo menos tinham a autonomia deles. E, depois, passaram a viver como marginalizados na aldeia dos seus antigos inimigos”, pontuou Patrícia.

Os Avá-canoeiro do Araguaia sobreviveram graças a uniões interétnicas. Hoje são mais de 40 pessoas, após casamentos e uniões com as etnias Javaé, Karajá e Tuxá. Segundo a antropóloga, a maioria do grupo atualmente são filhos dessas uniões. Há apenas uma sobrevivente do episódio em que houve o contato forçado, na década de 1970.

O grupo aguarda pelo reconhecimento e desintrusão da Terra Indígena Taego Ãwa e, segundo confirma a ação do MPF, ainda vivem dispersos em territórios dos Javaé e Karajá. O MPF ressalta que a imprescindibilidade das terras indígenas para a sobrevivência física e cultural dos índios já foi inclusive objeto de reconhecimento expresso por parte do Supremo Tribunal Federal.

Patrícia ressalta a importância do processo de demarcação para reverter a invisibilidade deste grupo. “Desde que a gente começou esse trabalho com a identificação da terra, eles estão vivendo um processo também de reafirmação, de busca de revitalização da língua, de inserção no movimento indígena, de participar dos debates políticos. Porque, até então, eles estavam absolutamente à margem de tudo, eles tinham esse desejo de voltar para o seu território, mas não eram ouvidos.”

Em relação a Terra Indígena Taego Ãwa, o Incra informou que aguarda a análise do inteiro teor do acórdão para definir as ações que adotará e que atuará em parceria com a Funai nessa questão.

A Agência Brasil entrou em contato com a Funai e aguarda posicionamento.

Lula e Macron visitam floresta e conversam com indígenas em Belém

Em sua primeira visita oficial ao Brasil, o presidente da França, Emmanuel Macron, desembarca nesta terça-feira (26) em Belém, onde será recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ambos cumprirão extensa agenda bilateral ao longo dos próximos dias no país, com temas na área de meio ambiente, defesa, reforma dos organismos multilaterais, entre outros.

Macron segue no Brasil até quinta-feira (28) e visitará ainda as cidades de Itaguaí (RJ), São Paulo e Brasília. “Uma visita de três dias para um chefe de Estado não é usual. Isso é um indicativo da importância da relação entre Brasil e França, do intercâmbio e do interesse profundo em diversas áreas”, avaliou a embaixadora Maria Luísa Escorel, secretária de Europa e América do Norte do Ministério das Relações Exteriores, em conversa com jornalistas na última semana.

Na capital paraense, os dois presidentes se encontram por volta das 15h30 desta terça e seguem, em barco da Marinha, para a Ilha do Combu, na margem sul do Rio Guamá, onde acompanharão a produção artesanal e sustentável do cacau em região de floresta. A ideia, segundo o Palácio do Itamaraty, é que Lula possa mostrar ao presidente Macron a complexidade da questão amazônica e as alternativas de desenvolvimento econômico sustentável que existem. Além disso, o presidente brasileiro quer mostrar ao líder francês o fato de a Amazônia não ser apenas uma grande área de floresta, mas um local que abriga imensa população, com cerca de 25 milhões de habitantes, e que depende da própria floresta para a sua sobrevivência. Eles também terão encontro reservado com representantes indígenas. Na ocasião, está prevista a entrega, pelo presidente francês, de uma condecoração ao líder indígena da etnia Kayapó e expoente mundial da causa indígena, Raoni Metuktire.

Submarino

De Belém, ainda hoje, Lula e Macron seguirão para o Rio de Janeiro, onde pernoitam. Na quarta-feira (27), eles partem de helicóptero do Forte de Copacabana para o município de Itaguaí (RJ), onde vão inaugurar o terceiro submarino construído no Complexo Naval da Marinha, a partir de Programa de Submarinos, fruto de um acordo de cooperação entre os governos do Brasil e da França. O programa prevê, ao todo, a construção de cinco submarinos, sendo o último previsto para ser entregue em alguns anos, um equipamento de propulsão nuclear. Além de discutir a continuidade da parceria, Lula e Macron deverão tratar de um programa para produção de helicópteros militares e energia nuclear de uso civil.

Reunião e jantar

Após a agenda no Rio, o presidente Lula retorna a Brasília, enquanto Macron viaja para São Paulo, onde cumprirá outra etapa de sua visita ao Brasil. Na capital paulista, o presidente francês participará do Fórum Econômico Brasil-França, ainda na quarta-feira (27), na sede da Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Cerca de 50 empresários franceses estarão presentes. Os dois países registraram fluxo comercial de US$ 8,4 bilhões em 2023, sendo US$ 2,9 bilhões de exportações e US$ 5,5 bilhões de importações. 

Na pauta de exportações brasileiras para França, predominam produtos como farelo de soja, óleos brutos e petróleo, celulose e minério de ferro. Do lado francês, os principais produtos importados pelo Brasil são motores e máquina, aeronaves e produtos da indústria de transformação.

Segundo dados do Banco Central, a França é o terceiro maior investidor no Brasil, com mais de US$ 38 bilhões. Além disso, há cerca 860 empresas francesas atuando no Brasil, com geração de 500 mil empregos. O encontro empresarial contará com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin.

Após o encontro empresarial, Macron deverá participar de um jantar com artistas e personalidades da cultura brasileira, incluindo o cantor e compositor Chico Buarque. Não está descartada a possibilidade de o presidente francês caminhar a pé pela Avenida Paulista e visitar o Museu de Arte de São Paulo (Masp). A agenda ainda prevê encontro com integrantes da comunidade francesa no Brasil e inauguração de uma unidade do laboratório Pasteur na Universidade de São Paulo (USP). O presidente francês passa a noite de quarta-feira na capital paulista e, no dia seguinte, embarca para a última etapa da viagem, que é a visita de Estado a Brasília.

Visita de Estado

Na capital federal, Macron será recebido com honras de chefe de Estado e se reunirá com Lula no Palácio do Planalto. O encontro terá ênfase em temas bilaterais e globais, além de culturais – já que 2025 marca os 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países. Temas como reforma das instituições multilaterais, incluindo assento permanente do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas, além das guerras na Ucrânia e em Gaza devem ser abordados por ambos. A situação política na Venezuela e a crise humanitária no Haiti são outros assuntos que deverão ser tratados.

Cerca de 30 atos poderão ser assinados por Lula e Macron, em diversas áreas. Após essa etapa da reunião, os dois presidentes farão uma declaração à imprensa. Em seguida, participam de almoço no Itamaraty. Emmanuel Macron ainda deverá ser recebido no Congresso Nacional pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Mercosul-UE

Um tema espinhoso entre Brasil e França, que deverá ser evitado durante a visita de Macron, é o das negociações em torno do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Isso porque o presidente francês declarou, no fim do ano passado, sua oposição ao fechamento do acordo.

“Esse não é o assunto desta visita. Houve uma pausa nas negociações por causa das eleições no Parlamento Europeu. O foco é a relação estratégica bilateral entre esses dois países. O foco são as convergências, não as divergências”, observou a embaixadora Maria Luísa Escorel, do Itamaraty.

Malária: Saúde capacita técnicos para atuação em distritos indígenas

A Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) realiza nesta segunda-feira (11) a Oficina de Microplanejamento das Ações para Controle e Eliminação da Malária nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).  O objetivo, segundo a pasta, é capacitar técnicos para a vigilância da malária em 25 DSEIs classificados como prioritários. 

São eles: Araguaia, Tocantins, Xavante, Xingu, Maranhão, Cuiabá, Vilhena, Kaiapó do Mato Grosso, Altamira, Alto Rio Purus, Guamá-Tocantins, Alto Rio Juruá, Manaus, Kaiapó do Pará, Amapá e Norte do Pará, Alto Rio Solimões, Leste de Roraima, Médio Rio Purus, Porto Velho, Vale do Javari, Médio Rio Solimões e Afluentes, Rio Tapajós, Parintins, Alto Rio Negro e Yanomami.

A oficina segue até a próxima quarta-feira (13) e é direcionada às chefias das divisões de Atenção à Saúde Indígena (Diasis), os pontos focais e os técnicos da vigilância da malária dos DSEIs de região endêmica. O seminário será ofertado em duas turmas, uma com 50 e outra com 40 participantes.

A doença

A malária é uma doença infecciosa febril aguda, cujos agentes causadores são protozoários do gênero Plasmodium transmitidos por mosquitos antropofílicos Anopheles. As manifestações clínicas mais comuns são calafrios, febre e sudorese acompanhados por cefaleia, mialgia, náuseas e vômitos.

“É importante destacar que gestantes, crianças e primoinfectados estão sujeitos à maior gravidade e devem ser acompanhados preferencialmente por um médico e que o protozoário Plasmodium falciparum é o responsável pela maioria dos casos letais”, reforçou o ministério, por meio de nota.

Em relação ao vetor, entre as 400 espécies de mosquitos do gênero Anopheles, 60 estão presentes no Brasil e 11 possuem importância epidemiológica na transmissão da malária. O principal deles, o An. Darlingi, tem ampla distribuição no território brasileiro – só não é encontrado no sertão nordestino, no Rio Grande do Sul e em altitude acima de mil metros.

Indígenas

Dados da pasta apontam que o risco de adoecer por malária entre povos indígenas é duas vezes maior que entre os não indígenas na região amazônica. “Além disso, as condições de acesso e outros fatores socioculturais dificultam o diagnóstico adequado e a supervisão do tratamento, o que pode contribuir para o aumento no número de casos e a mudança do perfil epidemiológico da doença nessa população.”

Entre 2018 e 2020, houve um aumento de 38,2% no número de casos da doença registrados em áreas indígenas. Entre os 34 distritos indígenas, 21 possuem casos registrados de malária em seus territórios em 2022 e quatro estão na área endêmica. Também foi registrado aumento no número de casos da doença nos DSEIs Yanomami, Alto Rio Negro, Rio Tapajós, Médio Rio Solimões e Afluentes e Vale do Javari.

Luta ambiental não é só nossa, diz diretor indígena do Somos Guardiões

Com o anúncio da pandemia da covid-19, no início de 2020, Edivan Guajajara se viu diante do maior desafio da vida. Ele colaborava com dois diretores estadunidenses (Chelsea Greene e Rob Grobman) em um documentário sobre defensores da floresta fazia 3 meses. Edivan havia sido chamado primeiro para ajudar na logística e na tradução para o tupi durante as entrevistas. Como era interessado pelas imagens, virou câmera. A pandemia fez com que os estrangeiros precisassem voltar aos Estados Unidos. A pedido deles, Edivan continuou com as filmagens e foi nomeado diretor. Criou até o nome Somos Guardiões. O longa de 1 hora e 20 minutos de duração estreia neste domingo (28), na Netflix, para toda a América Latina. “Estou emocionado. Queremos mostrar que a luta não é só nossa”, diz Edivan, hoje com 36 anos de idade.

A história de Edivan com a imagem foi de encantamento principalmente desde 2015. Ele se viu encantado pelas imagens que aprendeu a registrar com o celular. Quando, em 2017, fazia parte do Coletivo Mídia Índia, teve o sonho, junto a outros comunicadores indígenas, de dar mais visibilidade à luta do seu povo. Ele, que é da aldeia Zutiwa, na Terra Araribóia, no Maranhão, já pensava em garantir luz à luta pela proteção territorial e na defesa ambiental. 

Ele explica que o documentário destaca as histórias dos guardiões indígenas e líderes que lutam pela proteção da Amazônia, e também a relação com madeireiros e agricultores da região. Edivan considera que os protagonistas são a líder indígena Puyr Tembé e o guardião florestal Marçal Guajajara na luta para proteger seus territórios do desmatamento. 

“Tratamos de mudanças climáticas, a invasão dos territórios, políticas públicas e também das empresas multimilionárias que fornecem e apoiam grandes destruições. Então, é um filme que fala de muitas coisas muito importantes”. 

O filme, que ganhou a adesão de nomes como Leonardo di Caprio como produtor executivo, já foi o vencedor em três festivais internacionais de cinema como melhor documentário.

“Os diretores americanos decidiram me nomear como diretor porque o prazo estava acabando. Foi uma responsabilidade muito grande naquele momento, porque o filme não podia parar”, recorda. 

É o primeiro filme profissional de Edivan, que se encerrou no ano passado. Os diretores estrangeiros retornaram próximo ao final da montagem. “O filme retrata a vida dos povos indígenas como os primeiros protetores dos seus territórios. Só que a proteção dos territórios que os indígenas fazem não é só para eles. É uma proteção que serve para toda a humanidade. O sentido do filme é que todos nós devemos ser guardiões”, diz.

As gravações principalmente ocorreram em dois territórios, no Arariboia, no Maranhão, e no Alto do Rio Guamá, no Pará. Há outras imagens realizadas em outros lugares, mas que foram mantidas em sigilo para não criar risco aos personagens. “A humanidade é culpada por certas coisas estarem acontecendo hoje em dia, como o aquecimento global, o desmatamento e essas queimadas descontroladas”.

Protagonistas

Cena do Filme Somos Guardiões – Foto: Guardiões/Divulgação

Ele entende que o filme pode ser importante para conscientização e educação. Ficou orgulhoso de contar a história, por exemplo, de Marçal Guajajara, guardião da floresta do território indígena Arariboia. “Ele é um protetor do território que faz monitoramento e fiscalização para tentar, de alguma forma, expulsar os invasores e os caçadores. Ele é um guardião da floresta”. 

Em relação à ativista Puyr Tembé, o cineasta destaca que ela saiu do seu território para defender os povos indígenas na cidade. “Ela ficou nos dois espaços, que é na cidade e na aldeia, fazendo essa defesa. Nós acompanhamos eles por muito tempo”.

A câmera ficava ligada o tempo inteiro. O diretor pedia que as pessoas esquecessem que havia filmagem. “A gente acompanhava o dia a dia deles normalmente. Nada de ficção. Foi tudo acontecendo”, revela. 

Ele tem dúvidas para elencar qual a cena que mais o impactou, mas entende que a parte final do filme é muito emocionante. “A gente espera que as pessoas se sintam sensibilizadas para as causas indígenas e que podemos lutar juntos. A gente está fazendo nosso trabalho”, avalia. 

Edivan Guajajara está feliz com o lançamento do primeiro filme, e já pensa no próximo. “Sou o primeiro indígena que tem um filme na Netflix e essa visibilidade é importante. O meu povo está muito feliz de estar mostrando o trabalho mundo afora. Não há preço nenhum que possa pagar por essa felicidade que a gente está sentindo agora”.

Incêndios florestais no Havaí foram o desastre natural mais dispendioso de 2023

2 de janeiro de 2024

 

Carros queimados em Lahaina, Havaí

A ONG Christian Aid (Ajuda Cristã) fez um levantamento das catástrofes naturais mais dispendiosas em 2023 e colocou os incêndios florestais no Havaí de agosto passado como o evento mais caro do ano. Segundo a organização, o custo médio do desastres é superior a US$ 4.000 por pessoa. Os ciclones que atingiram Guam em maio ficaram em 2º lugar, com um custo de e 1.500 dólares per capita.

“As inundações, os ciclones e as secas mataram e deslocaram milhões de pessoas em locais que pouco têm para causar a crise climática”, escreve a Ajuda em seu portal, chamando a situação de “injustiça dupla”.

Nushrat Chowdhury, Conselheiro de Política de Justiça Climática da Christian Aid em Bangladesh, declarou que os países mais ricos devem ajudar de forma rápida aqueles que mais precisam e os exortou a adotarem medidas para combater as emissões de gases que causam o efeito estufa. “Os custos de perdas e danos ascendem a centenas de milhares de milhões de dólares anualmente, apenas nos países em desenvolvimento. As nações ricas devem comprometer o dinheiro novo e adicional necessário para garantir que o Fundo para Perdas e Danos acordado na COP28 possa levar rapidamente ajuda àqueles que mais precisam”, disse, adicionando que “os governos precisam urgentemente tomar mais medidas a nível nacional e internacional, para reduzir as emissões e adaptar-se aos efeitos das alterações climáticas”.

Segundo a Ajuda, o dinheiro deve ajudar na emissão de alertas precoces, na construção de infraestrutura e residências melhores e como garantia para quando as “coisas saem mal”. A ONG cita o exemplo do ciclone Freddy no Malawi, onde mais de 650 mil pessoas foram deslocadas e muitas delas perderam seus lares. Falando para a organização, Mofolo Chikaonda, uma viúva de 69 anos e natural do sul do Malawi, explicou: “o pior impacto negativo do ciclone Freddy que nunca esquecerei em toda a minha vida é a destruição da única casa que lutamos para construir”.

 
 

Festival exibe filme sobre retirada de não indígenas de TI no Pará

Coordenada pelo governo federal, a megaoperação que resultou na retirada de ocupantes ilegais da Terra Indígena (TI) Alto Rio Guamá, no Pará, foi retratada em documentário exibido na tarde desta quinta-feira (14) no Festival Brasil É Terra Indígena, em Brasília.

O filme Desintrusão na TI Alto Rio Guamá foi produzido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em parceria com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom).

O documentário aborda o processo de reocupação de terras pelos povos do Alto Rio Guamá, no nordeste do Pará, neste ano. A obra conta o processo de negociação para a saída dos ocupantes ilegais com relatos de múltiplas vozes, entre indígenas, pequenos agricultores, desmatadores e agentes do Estado, como servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

TI Alto Rio Guamá

Segundo informações da Secom, a Terra Indígena Alto Rio Guamá foi reconhecida pelo Estado brasileiro em 1945. A homologação ocorreu em 1993. O território é de usufruto exclusivo dos povos Tembé, Ka’apor e Timbira. No entanto, cerca de 1,5 mil invasores permaneceram na região até 2023.

A desintrusão (termo que significa retirada de intrusos) da TI, que tem 280 mil hectares, atendeu a uma decisão da Justiça Federal, após pedido do Ministério Público Federal no Pará. A permanência de não indígenas na área demarcada representava uma ameaça à integridade dos povos originários, além de provocar uma série de danos ao meio ambiente, como a destruição de florestas.

A operação foi coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência da República. Com a negociação envolvendo representantes de vários órgãos do governo federal, não foi necessário fazer a retirada compulsória dos não indígenas. As famílias deixaram voluntariamente a TI e foram apoiadas com cestas básicas, transporte e cadastramento em programas sociais. A devolução da terra indígena aos povos originários aconteceu em maio.

“A terra já está regularizada, já está homologada, e nós então temos a caracterização de uma invasão mesmo da terra indígena. Então, é nosso dever retirar esses não indígenas de dentro, para que a gente possa garantir a posse plena pelos povos indígenas”, destacou a diretora de Proteção Territorial da Funai, Maria Janete Albuquerque de Carvalho, presente ao evento de lançamento do documentário, realizado no auditório do Museu Nacional da República.

A diretora do documentário, Lorena Veras, que também participou do evento, disse que os povos indígenas não podem ser tutelados, porque “falam por si”.

A secretária executiva da Secretaria-Geral da Presidência da República, Maria Fernanda Ramos Coelho, também destacou a importância do processo de retomada da TI. 

“Para ter a sustentabilidade ambiental , para que a gente possa combater a fome e  a pobreza, isso passa também para que a gente tenha as terras que são dos indígenas, que são os seus legítimos donos, que tenha esse processo de retomada”, disse. 

Para Eunice Kerexu, secretária nacional de Direitos Territoriais Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, a ideia é que a partir de agora todos os processos de desintrusão ocorram de forma mais simples e seguindo a lei.

“A ocupação do território pelos povos indígenas através das escolas, da implementação de postos de saúde, outras implementações de políticas públicas dentro do território que possam trazer a gestão desse território, a autonomia e a posse plena, que a gente quer chegar nesse contexto”, disse.

*Colaborou Bruna Saniele, repórter da TV Brasil

Festival debate papel dos povos indígenas nas questões climáticas

O Festival Brasil é Terra Indígena, Iniciado nesta quarta-feira (13) em Brasília, sediou uma série de debates e celebrou a importância dos povos originários para o Brasil e para o mundo. Entre os temas levantados, esteve em destaque a preservação das florestas.

Mesa de debate”Questões climáticas, o que é isso? Participantes, da esquerda para direita: mediadora, Jozileia Kaingang, Suliete Baré, Conceição Amorim e Beka Munduruku- Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Na mesa Questões Climáticas, o que é isso?, nesta quinta-feira (14), a mediadora, secretária substituta de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do Ministério dos Povos indígenas, Joziléia Kaingang, apresentou dados divulgados pelas Nações Unidas que mostram o tamanho da importância dos povos originários. “As populações indígenas representam 5% da população do planeta e é responsável pela manutenção de 80% da biodiversidade”, pontuou a secretária. “Nós, povos indígenas, somos responsáveis por frear o aquecimento global”, acrescentou.

o deputado distrital Max Maciel (PSOL-DF) defendeu que as forças de quem preserva e de quem prejudica são desproporcionais. “Enquanto o agronegócio tem muitas isenções e apoios financeiros bilionários, vemos extrema dificuldade até para pagarmos a passagem para alguém participar de um debate como este”, resumiu. A mediação do debate ficou a cargo da secretária substituta de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do Ministério dos Povos indígenas, Joziléia Kaingang, que iniciou a mesa apresentando dados

Deputado Max Maciel fala da dificuldade que os indígenas têm para defender os interesses ambientais  – Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Impacto

Comunicadora da Mídia Indígena e integrante do Coletivo Daje Kapap Eypi, Beka Munduruku disse que, mesmo com todo o esforço por preservar suas terras, o povo munduruku do Tapajós tem visto cada vez mais seu território ser afetado por alagamentos e destruição.

“Falamos muito em proteger a Amazônia e a floresta, mas pouco em proteger os indígenas e o território de nossa futura geração. Tanto nossas aldeias como nossos territórios sagrados. Isso afeta o meu futuro e o dos demais jovens”, disse a munduruku.

A coordenadora Geral de Enfrentamento à Crise Climática do Ministério dos Povos Indígenas, Suliete Baré, acrescentou que praticamente todos os territórios indígenas já estão com problemas por conta das mudanças climáticas. “Somos os que mais protegem nossos territórios. Mas somos também os mais afetados. Seja pelas secas, seja pelas enchentes fora de época”, alertou.

Suliete Baré destaca que praticamente todos os territórios indígenas já foram impactados pelas mudanças climáticas- Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Padre Josimo, Conceição Amorim,  enfatiza que só quem mora perto das comunidades indígenas sabe o que se passa por nelas, “para enfrentar os desmatadores”.

Mobilizações

Conceição Amorim, que também é assistente social e professora no Maranhão, explica que são muitas as frentes de desmatamento e de empreendimentos prejudiciais à floresta e ao meio ambiente. “Era para ter milhões de pessoas contra decisões como a de explorar petróleo na Amazônia”, ressaltou, referindo-se ao leilão feito esta semana pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para 38 blocos exploratórios de 11 bacias sedimentares, inclusive na região amazônica.

Assistente social e professora, Conceição Amorim, participa da mesa de debate Questões climáticas, o que é isso? – Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

“Se não houver grandes mobilizações de impacto e de enfrentamento político – e, por meio delas, darmos o nome a quem destrói o planeta –, nós não vamos avançar. Precisamos desmascarar o agronegócio e os empreendimentos que fazem isso. É uma luta desproporcional, pelo tamanho que esses grandes empreendimentos têm. Há, no Brasil, mais bois do que gente”, acrescentou.

Ao final do debate, Max Maciel disse perceber, nas pessoas “cansaço por tantas lutas, tantos lutos, tantas plenárias e falas”. 

Filme

O festival apresentará hoje o filme Desintrusão na TI Alto Rio Guamá, produzido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A trama retrata todo o processo de negociação para a saída dos ocupantes ilegais deste território indígena, com base em relatos de agentes do Estado, indígenas e não indígenas – entre eles, pequenos agricultores e grandes desmatadores.

Após o lançamento no festival, o filme, de 36 minutos, ficará disponível nos canais do YouTube da Secretaria de Comunicação (SECOM) da Presidência da República e da EBC.