Skip to content

Saiba qual foi o papel dos Estados Unidos no golpe de 1964 no Brasil

“Espero que você esteja tão feliz em relação ao Brasil quanto eu estou”, sugeriu Mann, ao telefone.

“Eu estou”, respondeu Johnson, do outro lado da linha.

“Creio que essa seja a coisa mais importante que aconteceu no hemisfério em três anos”, destacou Mann.

“Espero que eles nos deem algum crédito em vez de inferno”, devolveu Johnson.

A conversa telefônica aconteceu no dia 3 de abril de 1964. De um lado da linha estava o subsecretário de Estado para Assuntos Interamericano dos Estados Unidos, Thomas Mann. Do outro, ninguém menos que o presidente norte-americano, Lyndon Johnson.

O assunto, como dá para inferir pela data da ligação, era o golpe civil-militar que havia ocorrido poucos dias antes, no Brasil. O diálogo demonstra, ao mesmo tempo, a satisfação da administração norte-americana com a derrubada do governo de João Goulart (à esquerda, na foto) e a implícita ideia de que os EUA participaram do golpe.

Autor de um livro sobre o papel dos EUA na desestabilização do governo Jango, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Felipe Pereira Loureiro diz que é importante lembrar que, na época, o mundo vivia a Guerra Fria, um embate ideológico entre o bloco capitalista, liderado pelos norte-americanos, e o bloco comunista, capitaneado pela União Soviética, hoje extinta.

O modelo soviético tinha recentemente fincado pé na América Latina, região historicamente influenciada pelos EUA, com a Revolução Cubana, em 1959. E os norte-americanos temiam a expansão dos ideais comunistas para o resto do continente.

O destino do Brasil, maior país da América Latina, era, portanto, uma preocupação da administração norte-americana.

“O governo João Goulart era um governo que se colocava como reformista. Mas havia uma dúvida dentro do governo Kennedy, e isso vai se manter no governo Johnson, sobre até que ponto esse reformismo do governo Goulart poderia se transformar, com o tempo, em algo mais radical, que saísse do controle”, explica Loureiro.

João Goulart havia sido vice-presidente nos governos Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros e assumira a Presidência em 1961, depois da renúncia de Quadros. Apesar de ser um empresário do ramo agropecuário, Jango não era bem visto pela cúpula militar, devido a suas ligações passadas com Getúlio Vargas e a suas propostas de reformas sociais.

Goulart propunha, entre outras medidas, a reforma agrária, a subordinação de instituições financeiras a um Banco Central, a reforma tributária e a permissão do voto aos analfabetos e militares de baixa patente.

Quadros renunciou em 1961, enquanto Goulart estava em viagem oficial ao exterior. Os ministros militares não queriam que Jango assumisse a Presidência, o que gerou um impasse e um racha nas Forças Armadas. A solução foi a implantação de um regime parlamentarista no Brasil, para que o novo presidente fosse aceito.

O historiador norte-americano James Green, da Universidade Brown, coordena o projeto Opening the Archives, que busca documentar as relações entre Brasil e EUA entre as décadas de 1960 e 1980. Segundo ele, houve um erro de leitura do Departamento de Estado americano, em relação às intenções de Goulart.

“O embaixador [dos EUA no Brasil na época] Lincoln Gordon [à direita na foto] chegou em 61, justamente na transição de governo entre Jânio Quadros e João Goulart, com a missão de acompanhar, no Brasil, entre o Departamento de Estado e as pessoas que acompanham a América Latina, de que o Brasil poderia virar a próxima Cuba, de que poderia haver uma revolução socialista que levasse ao comunismo e um governo contra os Estados Unidos”, afirma Green.

Conspirações

Havia, dentro do Departamento de Estado norte-americano, a preocupação de que João Goulart se aproximasse dos comunistas e desse um golpe de Estado. “Então Lincoln Gordon tinha a clara indicação de evitar uma possível revolução socialista, uma mudança radical no governo.”

Goulart mantinha boas relações com Cuba e havia se posicionado de forma contrária ao embargo econômico ao regime de Fidel Castro. Além disso, algumas expropriações de empresas americanas no Brasil desagradaram a Washington.

A transcrição de um encontro de Gordon com Kennedy, em julho de 1962, mostra que os EUA já temiam os rumos que seriam tomados pelo governo Jango e cogitavam reduzir os poderes do presidente brasileiro ou até mesmo retirá-lo da Presidência. Também já havia planos de fortalecer o poder dos militares.

Também havia conversas para investir US$ 1 milhão nas eleições parlamentares brasileiras daquele ano, para apoiar candidatos opositores de Goulart.

Nessa mesma reunião, definiu-se que Gordon contaria com a ajuda de Vernon Walters para estabelecer uma boa relação com os militares brasileiros. Walters havia servido como homem de ligação entre as Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB) e o comando do exército americano na campanha da Itália, durante a 2ª Guerra Mundial, e seria apontado como adido militar na Embaixada dos EUA no Brasil.

“Walters foi chamado por Gordon para assessorá-lo nas relações com as Forças Armadas brasileiras. A missão de Walters era juntar as várias conspirações que já estavam fervendo dentro das Forças Armadas [brasileiras] e uni-las em uma conspiração única. Ele foi muito importante em dar unidade nas Forças Armadas brasileiras e de mostrar que os americanos iam apoiar o golpe”, afirma Green.

Pelo menos desde 1974, quando os primeiros documentos secretos foram tornados públicos, já se sabia do papel dos Estados Unidos no golpe.

“Os EUA ajudaram a orquestrar toda uma operação não declarada de desestabilização do governo João Goulart, sob a forma de financiamento da oposição nas eleições de 1962, no suporte a governadores críticos ao governo e fomentando a propaganda política oposicionista. Houve contribuição efetiva, portanto, na conspiração para derrubar o governo. Além disso, já ocorriam há anos, programas de treinamento de forças policiais e militares nos EUA, ou no Brasil, por oficiais estadunidenses”, explica a pesquisadora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Mariana Joffily.

Além de estimular manifestações contrárias a Jango, havia um plano pronto para ser executado, caso os militares brasileiros não conseguissem derrubar o presidente. Chamado de Operação Brother Sam, o plano previa o uso de apoio militar norte-americano aos golpistas para garantir que um novo regime fosse implantado.

Em 27 de março de 1964, o embaixador Lincoln Gordon enviou um telegrama a diversas autoridades americanas solicitando o envio imediato de embarcações, para garantir, aos oposicionistas de Jango, combustível e suprimentos. No mesmo documento, Gordon sugere a entrega clandestina de armas aos golpistas.

Segundo o embaixador, o golpe estava próximo de ocorrer. Documentos da Agência Central de Inteligência (CIA) americana também informam a iminência da movimentação dos militares.

“Havia um temor muito grande de que comunistas pudessem ter se infiltrado em postos estratégicos na Petrobras e que, sem combustível, tanques, caminhões, veículos militares não teriam como circular pelo país. Então, havia uma preocupação muito grande com o petróleo. Portanto, há uma promessa efetiva da embaixada norte-americana às principais lideranças golpistas, de apoio logístico, sobretudo petróleo”, explica o professor Felipe Loureiro.

O pesquisador ressalta que a chegada de uma força naval também teria um efeito psicológico, ainda que ela não atacasse necessariamente as facções resistentes ao golpe. Os americanos, àquela altura, esperavam uma dissidência nas Forças Armadas e, portanto, uma guerra civil.

No dia 31 de março, um telegrama enviado pelo secretário de Estado norte-americano Dean Rusk a Gordon informava sobre a mobilização de um navio-tanque, de um porta-aviões, quatro destroieres, além de 110 toneladas de armas, dez aviões de carga e seis caças.

As forças golpistas brasileiras, chamadas de “forças amigas” por Gordon, acabaram colocando seu plano em movimento naquele mesmo dia, com a mobilização de tropas em um quartel de Juiz de Fora (MG) pelo general Olímpio Mourão Filho.

Na tarde de 31 de março, o subsecretário de Estado dos EUA, George Ball, e Thomas Mann ligaram para o presidente Lyndon Johnson e falaram sobre o golpe em andamento em Minas Gerais. Eles reforçaram a necessidade de garantir apoio logístico aos golpistas, mas ainda se mostravam indecisos sobre que rumo a revolta contra Goulart tomaria.

“Penso que devemos dar todos os passos que pudermos, estar preparados para fazer tudo o que for necessário, tal como fizemos no Panamá, se isso for viável”, orientou Lyndon Johnson.

Novo governo

No dia 1º, parte da ajuda americana já estava a caminho do Brasil. Naquele dia, o golpe ganharia força com o passar das horas e, à noite, Jango deixaria Brasília rumo a Porto Alegre. Os EUA ainda se mantinham cautelosos, evitando se expor para não dar, a Jango, um pretexto “anti-yankee” para angariar apoio.

No dia 2 de abril, a força naval continuava a caminho do Brasil, devido ao receio de que o deputado federal Leonel Brizola, cunhado de Jango, liderasse uma resistência no Rio Grande do Sul e que as refinarias como a Reduc (Duque de Caxias) permanecessem controladas pelos “commies” (gíria americana para comunistas).

O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, havia assumido a presidência da República temporariamente, depois de o Senado ter declarado vacância do cargo, mesmo com Jango ainda em território nacional. Os EUA esperavam que o Congresso ou a Suprema Corte brasileiros legitimassem a autoridade de Mazzilli, por isso ainda se mantinham cautelosos em reconhecer o novo governo.

A transcrição de um encontro do Conselho de Segurança Nacional norte-americano, ao meio-dia de 2 de abril, mostra um Lyndon Johnson preocupado com a situação de Mazzilli, já que ele ainda possuía minoria no Congresso para reconhecê-lo como presidente.

O secretário de Estado Dean Rusk responde, então, que o embaixador Gordon estava usando os recursos à sua disposição para encorajar os deputados brasileiros a reconhecer Mazzilli como presidente da República.

Mais tarde, chegam informações, incorretas, de que Jango havia deixado o Brasil rumo ao Uruguai. Naquele mesmo dia, mesmo sem ter a certeza de que Goulart havia saído do Brasil ou de que os deputados votaram a favor de Mazzilli, os norte-americanos decidiram reconhecer o governo dos golpistas, sob orientação do embaixador Gordon.

Lyndon Johnson então autoriza o envio de um telegrama em que ele deseja sucesso a Mazzilli e parabeniza a “comunidade brasileira” por resolver as dificuldades políticas e econômicas que o Brasil “vinha enfrentando” de acordo com “a democracia constitucional e sem conflitos civis”. A Operação Brother Sam, portanto, não chega a ser colocada em prática, e os navios retornam ao porto no Caribe.

Golpe sem EUA

A historiadora Mariana Jofilly diz que é difícil afirmar se o golpe ocorreria mesmo sem o apoio dos EUA, mas afirma que receber o aval de uma grande potência foi importante para que os golpistas levassem, à frente, seu plano de derrubar Jango.

“Não foi apenas o Brasil que se certificou do apoio dos EUA antes de partir para a derrubada de um presidente democraticamente eleito. Isso aconteceu também no Chile e na Argentina. Na época, fazia parte da agenda golpista a obtenção do apoio dos EUA. A garantia de que o novo governo seria reconhecido e legitimado pela grande potência e que o novo poder instituído seguiria recebendo financiamento estadunidense não era um item do qual se pudesse abrir mão”, pondera Mariana Joffily.

James Green diz que os brasileiros seriam capazes de derrubar Jango mesmo sem o apoio dos EUA e que outros golpes de Estado já haviam ocorrido no Brasil antes de 1964, mesmo sem a ajuda norte-americana.

 “Os brasileiros são muito capazes de dar golpes de Estado. Pode-se dizer que havia americanos envolvidos [no golpe de 1964], mas a questão principal foram as Forças Armadas brasileiras e a elite brasileira, que queriam manter controle sobre a situação político-social que estava fugindo de seu controle. O apoio americano deu mais determinação, foi fundamental para a luz verde”, afirma o brasilianista.

Receita alerta para golpe do falso aplicativo do Imposto de Renda

O contribuinte deve ficar atento no período de entrega da Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física. Criminosos estão aproveitando o momento para dar golpes por meio de falsos aplicativos.

O Centro de Prevenção, Tratamento e Resposta a Incidentes Cibernéticos de Governo (CTIR Gov) identificou a atividade de fraudadores e emitiu um alerta. Estelionatários induzem o contribuinte a baixar e a instalar aplicativos falsos de preenchimento da declaração nas lojas para dispositivos móveis, como Google Play Store e App Store.

Segundo a Receita Federal, os aplicativos são muito parecidos com o original da Receita, inclusive reproduzindo a logomarca. Quem usa a versão dos golpistas acaba tendo os dados roubados, como nome completo, número de documentos e dados financeiros.

Para evitar cair em um desses golpes, a Receita Federal recomenda que o cidadão baixe somente o aplicativo disponível no site oficial do Imposto de Renda, na internet. Quem quiser preencher a declaração por dispositivos móveis deve baixar o aplicativo oficial, disponível neste link para Android e neste para o sistema iOS.

A Receita também reforça que não envia informações por e-mail ou mensagens de texto, pedindo a correção de erros na declaração. Essa se tornou outra prática comum dos estelionatários.

A Declaração do Imposto de Renda 2024 deve ser feita até as 23h59min59s de 31 de maio. Até lá, a Receita Federal espera receber 43 milhões de declarações. Até as 15h46 desta quarta-feira (10), 12.904.537 contribuintes tinham enviado o documento. Isso representa 30% do total esperado para este ano.

60 anos do golpe: como Estados Unidos apoiaram os militares

“Espero que você esteja tão feliz em relação ao Brasil quanto eu estou”, sugeriu Thomas Mann, ao telefone.
 
“Eu estou”, respondeu  Lyndon  Johnson, do outro lado da linha.
 
“Creio que essa seja a coisa mais importante que aconteceu no hemisfério em três anos”, destacou Mann.
 
“Espero que eles nos deem algum crédito em vez de inferno”, devolveu Johnson.
 
A conversa telefônica aconteceu no dia 3 de abril de 1964. De um lado da linha estava o subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos dos Estados Unidos, Thomas Mann. Do outro, ninguém menos que o presidente norte-americano, Lyndon Johnson.

O assunto, como dá para inferir pela data em que ocorreu a ligação, era o golpe civil-militar que havia ocorrido poucos dias antes, no Brasil. O diálogo demonstra, ao mesmo tempo, a satisfação da administração norte-americana com a derrubada do governo de João Goulart e a implícita ideia de que os EUA participaram do golpe.

Autor de um livro sobre o papel dos EUA na desestabilização do governo Jango, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Felipe Pereira Loureiro lembra que, na época, o mundo vivia a Guerra Fria, um embate ideológico entre o bloco capitalista, liderado pelos norte-americanos, e o bloco comunista, capitaneado pela União Soviética, hoje extinta.

O modelo soviético tinha recentemente fincado pé na América Latina, região historicamente influenciada pelos Estados Unidos, através da revolução cubana, em 1959. E os norte-americanos temiam a expansão dos ideais comunistas para o resto do continente. 

O destino do Brasil, maior país da América Latina, era, portanto, uma preocupação da administração norte-americana.

“O governo João Goulart era um governo que se colocava como reformista. Mas havia uma dúvida dentro do governo Kennedy, e isso vai se manter no governo Johnson, sobre até que ponto esse reformismo do governo Goulart poderia se transformar, com o tempo, em algo mais radical, que saísse do controle”, explica Loureiro.

João Goulart havia sido vice-presidente nos governos Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros e assumiu a presidência em 1961, depois da renúncia de Quadros. Apesar de ser um empresário do ramo agropecuário, Jango não era bem visto pela cúpula militar, devido a suas ligações passadas com Getúlio Vargas e a suas propostas de reformas sociais.

Goulart propunha, entre outras medidas, a reforma agrária, a subordinação de instituições financeiras a um Banco Central, a reforma tributária e a permissão do voto aos analfabetos e militares de baixa patente.

Quadros renunciou em 1961, enquanto Goulart estava em viagem oficial ao exterior. Os ministros militares não queriam que Jango assumisse a presidência, o que gerou um impasse e um racha nas Forças Armadas. A solução foi a implantação de um regime parlamentarista no Brasil, para que o novo presidente fosse aceito.

O historiador norte-americano James Green, da Universidade Brown, coordena o projeto Opening the Archives, que busca documentar as relações entre Brasil e EUA entre as décadas de 60 e 80. Segundo ele, houve um erro de leitura do Departamento de Estado americano em relação às intenções de Goulart.

60 anos do golpe: Jango (a direita) e o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon – Foto: Arquivo Nacional

“O embaixador [dos EUA no Brasil na época] Lincoln Gordon chegou em 61, justamente na transição de governo entre Jânio Quadros e João Goulart, com a missão de acompanhar, no Brasil, entre o Departamento de Estado e as pessoas que acompanham a América Latina, de que o Brasil poderia ser a próxima Cuba, de que poderia haver uma revolução socialista que levasse ao comunismo e um governo contra os Estados Unidos”, afirma Green.

Havia, dentro do Departamento de Estado norte-americano, uma preocupação que João Goulart se aproximasse dos comunistas e desse um golpe de Estado. “Então Lincoln Gordon tinha a clara indicação de evitar uma possível revolução socialista, uma mudança radical no governo”.

Goulart mantinha boas relações com Cuba e havia se posicionado de forma contrária ao embargo econômico ao regime de Fidel Castro. Além disso, algumas expropriações de empresas americanas no Brasil desagradaram a Washington.

A transcrição de um encontro de Gordon com Kennedy, em julho de 1962, mostra que os EUA já temiam os rumos que seriam tomados pelo governo Jango e cogitavam reduzir os poderes do presidente brasileiro ou até mesmo retirá-lo da presidência. Também já havia planos de fortalecer o poder dos militares. Havia conversas para investir US$ 1 milhão nas eleições parlamentares brasileiras daquele ano para apoiar candidatos opositores de Goulart.

Nessa mesma reunião, definiu-se que Gordon contaria com a ajuda de Vernon Walters para estabelecer uma boa relação com os militares brasileiros. Walters havia servido como homem de ligação entre as Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB) e o Comando do Exército americano na campanha da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, e seria apontado como adido militar na embaixada dos EUA no Brasil.

“Walters foi chamado por Gordon para assessorá-lo nas relações com as Forças Armadas brasileiras. A missão de Walters era juntar as várias conspirações que já estavam fervendo dentro das Forças Armadas [brasileiras] e uni-las em uma conspiração única. Ele foi muito importante em dar unidade nas Forças Armadas brasileiras e de mostrar que os americanos iam apoiar o golpe”, afirma Green.

Pelo menos desde 1974, quando os primeiros documentos secretos foram tornados públicos, já se sabia do papel dos Estados Unidos no golpe.

“Os EUA ajudaram a orquestrar toda uma operação não declarada de desestabilização do governo João Goulart, sob a forma de financiamento da oposição nas eleições de 1962, no suporte a governadores críticos ao governo e fomentando a propaganda política oposicionista. Houve contribuição efetiva, portanto, na conspiração para derrubar o governo. Além disso, já ocorriam, há anos, programas de treinamento de forças policiais e militares nos EUA, ou no Brasil, por oficiais estadunidenses”, explica a pesquisadora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Mariana Joffily.

Além de estimular manifestações contrárias a Jango, havia um plano pronto para ser executado, caso os militares brasileiros não conseguissem derrubar o presidente. Chamado de operação Brother Sam, o plano previa o uso de apoio militar norte-americano aos golpistas para garantir que um novo regime fosse implantado.

Em 27 de março de 1964, o embaixador Lincoln Gordon enviou um telegrama a diversas autoridades americanas solicitando o envio imediato de embarcações, para garantir, aos oposicionistas de Jango, combustível e suprimentos. No mesmo documento, Gordon sugere a entrega clandestina de armas aos golpistas.

60 anos do Golpe – João Goulart e Lincoln Gordon. Foto: Arquivo Nacional

Segundo o embaixador, o golpe estava próximo de ocorrer. Documentos da Agência Central de Inteligência (CIA) americana também informam a iminência da movimentação dos militares.

“Havia um temor muito grande de que comunistas pudessem ter se infiltrado em postos estratégicos na Petrobras e que, sem combustível, tanques, caminhões, veículos militares não teriam como circular pelo país. Então, havia uma preocupação muito grande com o petróleo. Portanto, há uma promessa efetiva da embaixada norte-americana às principais lideranças golpistas, de apoio logístico, sobretudo petróleo”, explica Felipe Loureiro.

O pesquisador ressalta que a chegada de uma força naval também teria um efeito psicológico, ainda que ela não atacasse necessariamente as facções resistentes ao golpe. Os americanos, àquela altura, esperavam uma dissidência nas Forças Armadas e, portanto, uma guerra civil.

No dia 31 de março, um telegrama enviado pelo secretário de Estado norte-americano Dean Rusk a Gordon informava sobre a mobilização de um navio-tanque, de um porta-aviões, quatro destroieres, além de 110 toneladas de armas, dez aviões de carga e seis caças.

As forças golpistas brasileiras, chamadas de “forças amigas” por Gordon, acabaram colocando seu plano em movimento naquele mesmo dia, com a mobilização de tropas em um quartel de Juiz de Fora (MG) pelo general Olímpio Mourão Filho.

Na tarde de 31 de março, o subsecretário de Estado dos EUA, George Ball, e Thomas Mann ligaram para o presidente Lyndon Johnson, e falaram sobre o golpe em andamento em Minas Gerais. Eles reforçaram a necessidade de garantir apoio logístico aos golpistas, mas ainda se mostravam indecisos, sob que rumo a revolta contra Goulart tomaria.

“Penso que devemos dar todos os passos que pudermos, estar preparados para fazer tudo o que for necessário, tal como fizemos no Panamá, se isso for viável”, Lyndon Johnson orientou.

Novo Governo

No dia 1º, parte da ajuda americana já estava a caminho do Brasil. Naquele dia, o golpe ganharia força com o passar das horas e, à noite, Jango deixaria Brasília rumo a Porto Alegre. Os EUA ainda se mantinham cautelosos, evitando se expor para não dar, a Jango, um pretexto “anti-yankee” para angariar apoio.

No dia 2 de abril, a força naval continuava a caminho do Brasil, devido ao receio de que o deputado federal Leonel Brizola, cunhado de Jango, liderasse uma resistência no Rio Grande do Sul e que as refinarias como a Reduc (Duque de Caxias) permanecessem controladas pelos “commies” (gíria americana para “comunistas”).

O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, havia assumido a presidência da República temporariamente, depois de o Senado ter declarado a vacância do cargo, mesmo com Jango ainda em território nacional. Os EUA esperavam que o Congresso ou a Suprema Corte brasileiros legitimassem a autoridade de Mazzilli, por isso ainda se mantinham cautelosos em reconhecer o novo governo.

A transcrição de um encontro do Conselho de Segurança Nacional norte-americano, ao meio-dia de 2 de abril, mostra um Lyndon Johnson preocupado com a situação de Mazzilli, já que ele ainda possuía minoria no Congresso para reconhecê-lo como presidente.

O secretário de Estado Dean Rusk responde, então, que o embaixador Gordon estava usando os recursos à sua disposição para encorajar os deputados brasileiros a reconhecer Mazzilli como presidente da República.

Mais tarde, chegam informações, incorretas, de que Jango havia deixado o Brasil rumo ao Uruguai. Naquele mesmo dia, mesmo sem ter a certeza de que Goulart havia saído do Brasil ou os deputados votarem a favor de Mazzilli, os norte-americanos decidiram reconhecer o governo dos golpistas, sob orientação do embaixador Gordon.

Lyndon Johnson então autoriza o envio de um telegrama em que ele deseja sucesso a Mazzilli e parabeniza a “comunidade brasileira” por resolver as dificuldades políticas e econômicas que o Brasil “vinha enfrentando” de acordo com “a democracia constitucional e sem conflitos civis”. A operação Brother Sam, portanto, não chega a ser colocada em prática e os navios retornam ao porto, no Caribe.

Golpe sem EUA

A historiadora Mariana Jofilly diz que é difícil afirmar se o golpe ocorreria mesmo sem o apoio dos EUA, mas afirma que receber o aval de uma grande potência foi importante para que os golpistas levassem, à frente, seu plano de derrubar Jango.

“Não foi apenas o Brasil que se certificou do apoio dos EUA antes de partir para a derrubada de um presidente democraticamente eleito. Isso aconteceu também no Chile e na Argentina. Na época, fazia parte da agenda golpista a obtenção do apoio dos EUA. A garantia de que o novo governo seria reconhecido e legitimado pela grande potência e que o novo poder instituído seguiria recebendo financiamento estadunidense não era um item do qual se pudesse abrir mão”, pondera Mariana Joffily.

James Green diz que os brasileiros seriam capazes de derrubar Jango mesmo sem o apoio dos EUA e que outros golpes de Estado já haviam ocorrido no Brasil antes de 1964, mesmo sem a ajuda norte-americana.

“Os brasileiros são muito capazes de dar golpes de Estado. Pode-se dizer que haviam americanos envolvidos [no golpe de 64], mas a questão principal foram as Forças Armadas brasileiras e a elite brasileira, que queriam manter controle sobre a situação político-social que estava fugindo de seu controle. O apoio americano deu mais determinação, foi fundamental para a luz verde”, afirma o brasilianista.

Procurada pela Agência Brasil, a Embaixada dos Estados Unidos, por meio da assessoria de imprensa, afirmou que o presidente norte-americano Joe Biden tem expressado, publicamente e em conversas privadas, o apoio do país às instituições democráticas brasileiras, incluindo “o sistema eleitoral, a transferência pacífica de poder e a autoridade civil sobre as Forças Armadas”. 

“Ambas as nações reconhecem a importância de se posicionar contra o extremismo político, a violência, o discurso de ódio e a desinformação que possam prosperar em sociedades democráticas”, destacou a representação diplomática norte-americana.  

Em junho de 2014, Joe Biden, então vice-presidente na gestão Barack Obama, entregou ao governo brasileiro 43 documentos produzidos por autoridades norte-americanas entre os anos de 1967 e 1977. Os relatórios detalham informações sobre censura, tortura e assassinatos cometidos pelo regime militar no Brasil.

MPF pede que União mude nome de quartel que homenageia golpe militar

Uma ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) para que a União seja condenada a modificar o nome da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha, localizada em Juiz de Fora (MG), hoje denominada Brigada 31 de Março. O nome faz referência à data em que as tropas de Minas Gerais foram mobilizadas e deflagraram o golpe militar de 1964. Entre os pedidos estão a revogação dos atos que disponham sobre a homenagem, bem como supressão da denominação de sites e documentos oficiais, com a consequente remoção do monumento onde está inscrita a data das dependências do Exército, no prazo de até 30 dias.

A ação pede que a União seja condenada a suprimir, no prazo de 30 dias, a expressão “Revolução democrática”, ou expressões equivalentes que enalteçam o golpe militar, de sites e de qualquer documento oficial, para se referir ao histórico de atuação da brigada, no que diz respeito aos atos que levaram ao golpe militar de 1964.

Um inquérito civil foi instaurado após a publicação de notícias no jornal Folha de São Paulo, no dia 23 de março, informando que na antiga sede da 4ª Região Militar há um letreiro em homenagem ao 31 de março, local e data da mobilização das tropas do general Olympio Mourão Filho que deram início ao golpe militar no Brasil.

Segundo o MPF,  no próprio site da brigada consta a autodenominação “Brigada 31 de março”. Segundo a ação, a placa no local é ostensiva e facilmente perceptível, inclusive em imagens obtidas em sites de busca. O site e uma revista eletrônica publicada pela própria brigada apresentam uma justificativa para o nome usado, na qual afirmam que a unidade “desempenhou um papel decisivo e corajoso na eclosão da revolução democrática, que motivou o recebimento da denominação histórica de ‘Brigada 31 de março”, estabelecida pela Portaria Ministerial nº 1642, de 7 de novembro de 1974.

Golpe

O MPF garante ainda ser fato notório que “o regime de exceção instaurado, de forma sistemática e como política de Estado, assassinou, ocultou cadáveres, torturou, estuprou, sequestrou, silenciou, censurou, perseguiu, prendeu de forma arbitrária, massacrou povos indígenas, suprimiu direitos políticos e outros direitos fundamentais, fechou o Congresso Nacional, cassou parlamentares, manietou o Poder Judiciário, aposentou compulsoriamente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e se manteve, assim, por mais de duas décadas no poder.”

Para os procuradores da República Francisco de Assis Floriano e Thiago Cunha de Almeida, autores da ação, é evidente que não se tratou de uma “revolução democrática”. Segundo eles, manter a denominação “Brigada 31 de Março”, em reverência ao golpe militar, é incompatível com a Constituição e com o projeto Constituinte de um Estado Democrático de Direito.

A sociedade brasileira tem o direito de conhecer a verdade e de construir a sua memória. Isto inclui, por óbvio, o esclarecimento sobre o caráter inconstitucional e criminoso do golpe de Estado ocorrido em 1964. “O apagamento da violência é repetição da violência”, justificam os procuradores na ação.

Norma

A ação também sustenta que um ato normativo do próprio Ministério da Defesa, expedido pelo Comandante do Exército, que regula o procedimento para denominação de locais e instalações sob sua administração desautoriza a designação de “Brigada 31 de Março” conferida para a 4ª Brigada em Juiz de Fora.

A norma determina que se utilize nomes de vultos incontestes da história do Brasil, personagens consagrados regional ou nacionalmente, cuja avaliação esteja isenta de quaisquer influências de ordem passional e, finalmente, proíbe a aprovação de nomes de personalidades vivas e/ou ações (feitos), locais, datas e tradições controvertidos.

“A denominação, a divulgação de sua justificativa, e o monumento erguido são, portanto, contrários à ordem jurídica e, por isso, devem ser combatidos e os danos imateriais por eles causados devem ser reparados”, sustentam os procuradores.

Reflexos

A ação avalia que, 60 anos após o golpe militar, vivemos em uma época em que parcela da população sai às ruas clamando por intervenção militar, uma época em que centenas de pessoas, articuladas com setores da sociedade, públicos e privados, se sentiram encorajadas a praticarem atos golpistas no dia 8 de janeiro de 2023; uma época em que o Supremo Tribunal Federal se vê obrigado a afirmar, no julgamento de uma ação direta, que o art. 142 da Constituição não autoriza a intervenção militar, que as Forças Armadas não constituem um poder moderador.

Para os procuradores, não faltariam exemplos para constatar que a herança da ditadura não apenas sobrevive, como também é transmitida às novas gerações, deixando profundas marcas na vida do país. Mais do que nunca, é necessária a adoção de medidas que, para além de remoção do ilícito, promovam a memória e previnam, assim, a repetição das violações ao regime democrático.

Barroso relembra golpe de 64 e defende democracia

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, relembrou nesta quarta-feira (3) os 60 anos do golpe militar de 1964 e defendeu a democracia no país.

Em um breve discurso feito na abertura de sessão de julgamentos desta tarde, Barroso afirmou que o dia 1º de abril de 1964 tratou-se “inequivocamente” de um golpe que levou o Brasil a 21 anos de ditadura.

“Esse é o nome que se dá em ciência política e em teoria constitucional à destituição do presidente por um mecanismo que não seja o previsto na Constituição”, afirmou.

O ministro também disse que é preciso valorizar a democracia constitucional no Brasil.

“A democracia pode ser um regime político mais complexo porque exige negociações e concessões, ao passo que, no autoritarismo, é possível impor soluções de cima para baixo. Quem viveu processos autoritários sabe que, no fim do dia, os resultados são piores a um custo muito maior”, completou.

A Agência Brasil publicou reportagens especiais sobre o golpe de 64.

Programas de entrevistas da TV Brasil debatem 60 anos do golpe militar

Para marcar os 60 anos do golpe militar de 1964, a TV Brasil exibe nesta terça-feira (2) duas atrações inéditas com personalidades que são referências no tema. As conversas com o historiador Jair Krischke, no DR com Demori, e com a jornalista e escritora Denise Assis, no Trilha de Letras, vão ao ar às 21h30 e às 22h30, respectivamente.

Durante a edição especial temática do DR com Demori, o jornalista e apresentador bate um papo com Jair Krischke, especialista em direitos humanos conhecido como “o caçador de torturadores”. Ele criou uma rede de pesquisadores e informantes que colaborou para esclarecer mortes, desaparecimentos e sequestros ocorridos entre 1960 e 1980. Estima-se que o historiador tenha ajudado a salvar 2 mil pessoas dos diversos regimes militares em toda a América Latina.

Gaúcho de Porto Alegre, Jair Krischke é presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MDJH) e um reconhecido militante, com importante atuação durante a ditadura militar no Brasil – período em que, inclusive, fundou o MJDH. Além disso, desde os anos 1960, atua no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

 Jornalista e escritora Denise Assis é a convidada do Trilha de Letras desta terça-feira (2) – Frame/TV Brasil

Em seguida, no Trilha de Letras, a apresentadora Eliana Alves Cruz conduz a entrevista com Denise Assis. A convidada fala de suas experiências nas comissões Nacional da Verdade e Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, nas quais atuou como pesquisadora e conseguiu testemunhos que ajudaram a desvendar casos sem solução desde a redemocratização.

Denise conta ainda como sua obra literária segue intrinsecamente ligada às pesquisas sobre o tema, com destaque para Imaculada, ficção histórica livremente baseada na trajetória da freira Maurina Borges da Silveira, a única religiosa presa e torturada pelo regime militar. No romance, a prisão, tortura e posterior exílio funcionam como elementos de um mistério: por que a Igreja se empenhou em colocar o mais rápido possível a irmã Imaculada em uma lista de prisioneiros políticos a serem trocados por um embaixador sequestrado e, assim, garantir sua saída para o México?

Mestre em comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Denise trabalhou em grandes veículos de imprensa como O Globo, Jornal do Brasil, Veja, Isto É e O Dia. Além de Imaculada, é autora de Propaganda e Cinema a Serviço do Golpe – 1962/1964 e Claudio Guerra: Matar e Queimar.

Sobre o DR com Demori

O programa Dando a Real com Leandro Demori, ou simplesmente DR com Demori, traz personalidades para um papo mais íntimo e direto, na tela da TV Brasil. Já passaram pela mesa nomes como o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, a deputada federal Erika Hilton, o psicólogo Alexandre Coimbra e o fundador da banda Pink Floyd, Roger Waters.

A atração vai ao ar às terças-feiras, às 21h30. DR com Demori tem janela alternativa aos sábados, às 19h30, e aos domingos, às 22h30. Disponível no app TV Brasil Play, a produção ainda é veiculada pela Rádio Nacional e pela Rádio MEC na terça, às 23h.

Sobre o Trilha de Letras

O Trilha de Letras busca debater os temas mais atuais discutidos pela sociedade por meio da literatura. A cada edição, o programa recebe um convidado diferente. A atração foi idealizada, em 2016, pela jornalista Emília Ferraz, atual diretora do programa que entrou no ar em abril de 2017. Nesta temporada, os episódios foram gravados na BiblioMaison, biblioteca do consulado da França no Rio de Janeiro.

A TV Brasil já produziu três temporadas do programa e recebeu mais de 200 convidados nacionais e estrangeiros. A jornalista, escritora e roteirista Eliana Alves Cruz está à frente da quarta temporada, que também ganha uma versão na Rádio MEC e está disponível em formato podcast.

A produção exibida pelo canal público, às terças, às 22h30, tem horário alternativo aos sábados, às 18h30. O Trilha de Letras ainda vai ao ar nas madrugadas de terça para quarta, na telinha. Já na programação da Rádio MEC, o conteúdo é apresentado às quartas, às 23h.

Cordão da Mentira descomemora golpe de 64 nas ruas de São Paulo

Em seu 12º ano, o Cordão da Mentira descomemorou nesta segunda-feira (1º) os 60 anos do golpe de 1964 e também a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. O cordão carnavalesco, que sempre desfila no dia da mentira, escolheu em 2024 o tema: De Golpe em Golpe: Tá lá um Corpo Estendido no Chão.

De Golpe em Golpe: tá lá um corpo estendido no chão foi o tema do desfile de 2024 do Cordão da Mentira. – Paulo Pinto/Agência Brasil

O grupo deu início ao desfile em frente ao prédio do Centro Universitário Maria Antônia, da Universidade de São Paulo (USP), local em que, em 1968, ocorreu a chamada Batalha da Maria Antônia, envolvendo alunos da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e integrantes do Comando de Caça aos Comunistas, infiltrados na Universidade Mackenzie.

Segundo um dos membros do bloco, o cineasta Thiago Mendonça, o cordão pretende chamar a atenção não só ao passado autoritário brasileiro, mas também à atual violência de Estado, presente no cotidiano das periferias das grandes cidades.

Ato carnavalesco reúne artistas, militantes e movimentos sociais, na rua Maria Antoni. – Paulo Pinto/Agência Brasil

“Estamos pensando nessas heranças de 1964 que estão aqui no presente, principalmente nas periferias e em todos os lugares onde uma certa forma de ditadura segue presente. Os esquadrões da morte viraram regra. Hoje você tem muito mais desaparecidos forçados do que você tinha na ditadura. Só no Rio de Janeiro você tem 50 mil nos últimos dez anos”, destaca.

Mendonça ressalta que a comissão de frente do bloco tradicionalmente é formada por grupos de mães de vítimas de violência de Estado, como as Mães de Maio e as Mães de Manguinhos.

“O que queremos mostrar é que a gente vive nas periferias do Brasil um estado de exceção. Um estado de exceção permanente.”

Para Jade Percassi, da coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o bloco tem a importante missão de dar visibilidade às recorrentes ameaças que a democracia brasileira tem sofrido nos últimos anos. “A gente está falando de um quase golpe há um ano, no 8 de janeiro, mas a gente está falando de um golpe real contra a presidenta Dilma [Rousseff] em 2016, e de outros tantos golpes perpetrados contra a democracia. Em que pese ela ter um monte de defeitos, é a que a gente tem e a gente vai lutar por ela”.

Radioagência Nacional lança o podcast Golpe de 64: Perdas e Danos

No dia 1° de abril, o Brasil foi tomado de assalto: um golpe cívico-militar derrubou um presidente eleito pelo voto popular, com a aprovação de parte do Congresso Nacional.

Começa aí um processo de perseguição que calou parlamentares, líderes populares, sindicalistas, artistas, intelectuais, militares progressistas. Mas o que seria do Brasil sem os 21 anos de ditadura, se a democracia não tivesse sido interrompida no país?

No dia em que o golpe completa 60 anos, a Radioagência Nacional lança o podcast Golpe de 64: Perdas e Danos. São, ao todo, seis capítulos de cerca de 30 minutos cada. O segundo episódio vai ao ar no dia 11 de abril. A partir de então, a série será publicada semanalmente, sempre às quintas-feiras.

A primeira temporada, Futuro Interrompido, mostra a movimentação política da época e destrincha as principais Reformas Estruturais de Base de João Goulart. Estas propostas foram apresentadas no ato promovido pelos movimentos rurais, sindicais e estudantil no dia 13 de março de 1964, no icônico comício que reuniu 200 mil pessoas na Central do Brasil.

“Nós estávamos lá no meio do povo panfletando, gritando palavra de ordem, aquelas coisas. Eu tinha 20 anos. A gente esperava dar força, fortalecer o governo João Goulart para ele conseguir implantar as reformas de base, principalmente a reforma agrária”, conta Iara Cruz, jornalista e diretora da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), uma das testemunhas da história ouvidas pela série.

As Reformas Estruturais de Base eram um pacote de medidas para tentar enfrentar problemas crônicos do Brasil que tinha, à época, 80 milhões de habitantes. Naquele momento, quatro em cada dez brasileiros viviam na zona rural. O analfabetismo afetava 40% da população brasileira —que, por conta disso, não tinha direito a voto.

O primeiro episódio, que estreia na noite desta segunda-feira, 1º de abril, lança luz sobre os dias que antecederam o golpe e as propostas de políticas públicas que estavam em debate naquele momento e serviram de estopim para que a direita se unisse e interrompesse o processo democrático.

Nos episódios seguintes, vamos mostrar como o país já vinha a beira de um golpe desde 1954 e quem era Jango, taxado de comunista em campanhas de fake news encabeçadas pela elite reacionária, o empresariado e a imprensa da época, com o suporte do governo norte-americano.

Do terceiro episódio em diante, a série se debruça sobre as principais reformas estruturais propostas por Jango. Caso da reforma agrária, por exemplo, que focava nas propriedades rurais localizadas perto de rodovias e ferrovias federais, açudes e estruturas de irrigação construídas com recursos públicos.

As reformas educacional, tributária, habitacional e as mudanças no setor energético serão detalhadas para que o ouvinte possa conhecer o projeto de país e imaginar o futuro que seria interrompido.

O podcast Golpe de 64: Perdas e Danos pode ser ouvido a partir da noite desta segunda-feira no site da Radioagência Nacional e nas principais plataformas de podcasts. Surdos e ensurdecidos terão à disposição uma versão com libras no YouTube da Rádio Nacional.

A série é uma produção da Radioagência Nacional, idealizada e realizada pelas jornalistas Eliane Gonçalves e Sumaia Villela.

Caminhada em São Paulo lembra golpe militar e faz homenagem às vítimas

Uma caminhada em São Paulo lembrou os 60 anos do golpe que instaurou a ditadura civil-militar no Brasil. Chamada de Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado, o ato teve início na antiga sede do Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na Rua Tutóia, na Vila Mariana.

“Esse é um ato que relembra os 60 anos da malfadada ditadura. Estamos em frente a um dos mais importantes centros de repressão da ditadura militar brasileira que é a antiga sede do DOI-Codi, onde as Forças Armadas, associada à sociedade civil de São Paulo, torturaram milhares de pessoas no fundo desse prédio e onde dezenas de companheiros e companheiras foram assassinados”, disse Henrique Olita, membro do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores (PT).

Foi nesse lugar que o ex-deputado estadual e presidente da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, Adriano Diogo, ficou preso por 90 dias durante a ditadura militar. “Fiquei 90 dias aqui. Fiquei 90 dias em uma cela solitária bebendo água de boi”, relembrou ele hoje, em entrevista à Agência Brasil. “Aqui é uma casa de morte”, reforçou.

Também foi no DOI-Codi que Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, foi presa, torturada e estuprada. “Fui presa política aqui no DOI-Codi entre 1972 e 1973. Aqui fui torturada e estuprada. Minha família toda foi sequestrada e trazida aqui para o DOI-Codi. Minha filha, Janaína, tinha cinco anos de idade [na época] e meu filho tinha quatro anos. 

Os 60 anos do golpe militar de 1964 não tem como serem esquecidos. Esse é um passado que está muito presente ainda. São feridas que não cicatrizaram e que continuam sangrando nos dias de hoje. O Brasil continua ameaçado de golpes e de violência do Estado”, disse ela. “As novas gerações precisam conhecer isso para se fortalecer e para investir mais na construção da democracia brasileira”, acrescentou.

São Paulo (SP) 31/03/2024 – Ato 60 Anos do Golpe de 64 na frente do DOI-CODI em São Paulo. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

 

Memória

Nesta quarta edição da caminhada, os manifestantes reforçaram a necessidade da memória, adotando como tema a frase: “Para que Não se Esqueça, Para que Não Continue Acontecendo”. E lembraram que as populações periféricas seguem sofrendo com a violência policial, mesmo nos dias atuais. 

“Temos um passivo que não é só a questão de memória ou de reverenciar aquelas pessoas que deram o melhor da sua vida pela luta da liberdade do Brasil e dos direitos do povo. A ditadura militar deixou uma série de passivos [no país]. Mesmo com o remendo de Constituinte de 1988, a estrutura de repressão no Brasil não se alterou. Temos uma Polícia Militar – que deveria ser uma Polícia Civil – totalmente militarizada e que tem feito o que estamos assistindo hoje, como essa operação policial no litoral de São Paulo [Operações Verão e Escudo] onde mais de 50 pessoas foram assassinadas. Essa é a maior chacina da polícia depois do caso do Carandiru. Isso é absurdo. Esse é um dos passivos da ditadura, que temos que superar”, disse Olita, em entrevista à Agência Brasil.

Participaram do ato deste domingo na capital paulista personalidades como o ex-deputado José Genoíno, o deputado estadual Eduardo Suplicy e a deputada federal Luiza Erundina. 

“O 8 de janeiro de 2023 tem a ver com 2016 [impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff], que foi um golpe. E esses dois [eventos] têm a ver com 1964 porque a transição da ditadura para a democracia se deu num pacto pelo alto, num pacto das elites que não mexeu com as estruturas de poder. Eu estava na Constituinte (de 1988) e vivi isso”, disse Genoíno, à Agência Brasil.

Para Erundina, lembrar os 60 anos do golpe é importante para que a população “nunca se esqueça daquilo que brasileiros e brasileiras passaram”.Segundo ela, o Brasil ainda não reparou e nem fez justiça sobre o que aconteceu nesse período. 

“Não vamos esquecer [o que aconteceu]. Vamos continuar cobrando, exigindo e levando às novas gerações a realidade sobre aquele tempo para que eles também nos ajudem a continuar essa luta. Não podemos permitir que os crimes da ditadura fiquem impunes, como os desaparecimentos forçados de mais de 4 mil brasileiros. Enquanto isso não for passado a limpo, a ditadura não acaba. Temos que continuar lutando por essa causa e não admitir que isso seja esquecido porque o esquecimento pode levar a riscos de outras ditaduras”.

A caminhada teve como destino o Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos, no Parque Ibirapuera.

DOI-Codi

O DOI-Codi foi uma agência de repressão política subordinada ao Exército. Neste local, os inimigos da ditadura foram encarcerados, torturados e mortos. Estima-se que por ali passaram mais de 7 mil presos políticos, quase todos torturados. Desses, pelo menos 50 deixaram o local já sem vida.

Atualmente, neste endereço funciona o 36° Distrito Policial, da Polícia Civil. É neste lugar também que ultimamente tem sido realizada uma pesquisa arqueológica para aprofundar os conhecimentos sobre o prédio e também identificar as pessoas que passaram pelo local. Há também uma proposta de ressignificar esse espaço, transformando-o no Memorial da Luta pela Justiça.

“Aqui foram assassinadas, pelo Ustra [comandante do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra], mais de 50 militantes políticos”, falou Amelinha. “Aqui precisa ser um centro de memória e de defesa dos direitos humanos. A memória e o direito à verdade são direitos humanos. Aqui tem que ter um museu, um memorial e cursos de direitos humanos. Essa delegacia não deveria mais existir aqui porque essas paredes estão manchadas de sangue dos nossos companheiros”, acrescentou.

A caminhada de hoje foi organizada pelo Movimento Vozes do Silêncio, representado pelo Instituto Vladimir Herzog, e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política, com apoio de diversas instituições.

Ministros usam redes sociais para lembrar 60 anos do golpe de 64

Arte/Agência Brasil

Ao menos sete ministros de Estado usaram as redes sociais neste domingo (31) para fazer referência aos 60 anos do golpe militar de 1964, que instaurou no país a ditadura que duraria 21 anos.

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, fez uma publicação na rede X (antigo Twitter) com o título “Por que ditadura nunca mais?”. Como resposta para a pergunta, ele citou desejos de um país “social e economicamente desenvolvido”, “soberano, que não se curve a interesses opostos aos do povo brasileiro”, “institucional e culturalmente democrático”, “em que a verdade e a justiça prevaleçam sobre a mentira e a violência”, “livre da tortura e do autoritarismo” e “sem milícias e grupos de extermínio”.

Silvio Almeida terminou a publicação lembrando uma frase do deputado Ulysses Guimarães – que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de 1988: “É preciso ter ódio e nojo da ditadura”.

A frase de Ulysses também foi lembrada em postagem do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta. Ele publicou a imagem de uma blusa branca com a inscrição estilizada “ódio e nojo à ditadura”.

“Ditadura Nunca Mais!! A esperança e a coragem derrotaram o ódio, a intolerância e o autoritarismo. Defender a democracia é um desafio que se renova todos os dias”, escreveu.            

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, também usou o portal X para prestar solidariedade às vítimas do regime de exceção.

“Neste 31 de março de 2024 faço minha homenagem a todas as pessoas presas, torturadas ou que tiveram seus filhos desaparecidos e mortos na ditadura militar. Que o golpe instalado há exatos 60 anos nunca mais volte a acontecer e não seja jamais esquecido”.

Desejar que uma ditadura nunca volte a acontecer foi teor também de mensagem postada pelo ministro da Educação, Camilo Santana.

“Lembramos e repudiamos a ditadura militar, para que ela nunca mais se repita. A mancha deixada por toda dor causada jamais se apagará. Viva a democracia, que tem para nós um valor inestimável”, escreveu.

Torturados

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, lembrou nominalmente algumas das vítimas do período que desrespeitou os direitos humanos por mais de duas décadas.

“Minha homenagem a todos que perderam a vida e a liberdade, em razão da ruptura da democracia no dia 31 de março de 1964, que levou o país a um período de trevas. Minha homenagem a Rubens Paiva, Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho, que lutaram pela democracia no Brasil”.

Herzog era jornalista; Rubens Paiva, engenheiro; e Manoel Fiel Filho, metalúrgico. Todos foram torturados e mortos pelo regime militar na década de 70.

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, pediu reflexões sobre um processo de reparação do Estado em relação ao que aconteceu contra povos indígenas durante a ditadura.

“Sabemos que a luta sempre foi uma constante para os povos indígenas, mas há 60 anos o golpe dava início a um dos períodos mais duros do nosso país. A ditadura promoveu um genocídio dos nossos povos e também de nossa cultura. Milhares de indígenas foram assassinados e muitos mitos construídos entre militares para justificar um extermínio – muitos discursos perversos que até hoje são utilizados para tentar refutar nosso direito constitucional ao território”, escreveu.

“Precisamos refletir sobre um processo de reparação do Estado. Esse é um debate necessário para o conjunto da sociedade. Só avançaremos com o fortalecimento da democracia e da Justiça”, completou.

O ministro na Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, publicou a notória fotografia da ex-presidente Dilma Rousseff, então presa política com 22 anos, durante um interrogatório numa auditoria militar na década de 70.

Com o título “Democracia sempre!!!”, Messias escreveu: “minha homenagem nesta data é na pessoa de uma mulher que consagrou sua vida à defesa da Democracia, @dilmabr. Que a Luz da Democracia prevaleça, sempre. Essa é a causa que nos move”.

Dilma Rousseff usou o perfil dela no X para defender que “manter a memória e a verdade histórica sobre o golpe militar que ocorreu no Brasil há 60 anos, em 31 de março de 1964, é crucial para assegurar que essa tragédia não se repita, como quase ocorreu recentemente, em 8 de janeiro de 2023”.

“No passado, como agora, a História não apaga os sinais de traição à democracia e nem limpa da consciência nacional os atos de perversidade daqueles que exilaram e mancharam de sangue, tortura e morte a vida brasileira durante 21 anos. Tampouco resgata aqueles que apoiaram o ataque às instituições, à democracia e aos ideais de uma sociedade mais justa e menos desigual. Ditadura nunca mais!”, complementou.

Democracia

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, sem citar a ditadura, associou a Páscoa, comemorada neste domingo, à democracia.

“31 de março de 2024: um dia para celebrar a Páscoa, a ressurreição, os bons sentimentos de renovação e esperança, e também para lembrar do que nunca podemos esquecer: de como a democracia é valiosa e a nossa liberdade, nossos direitos e garantias fundamentais são a essência de uma vida verdadeiramente digna nesse país. Feliz Páscoa, democracia sempre!”.

O marco de 60 anos do golpe militar não foi lembrado com eventos oficiais por parte do governo federal. No fim de fevereiro, em entrevista à RedeTV, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou que a ruptura institucional “já faz parte da história”. “Já causou o sofrimento que causou. O povo já conquistou o direito de democratizar esse país. Os generais que estão hoje no poder eram crianças naquele tempo. Alguns acho que não tinham nem nascido ainda naquele tempo”, disse.

“O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, remoendo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações, porque tem gente desaparecida ainda, porque tem gente que pode se apurar. Mas eu, sinceramente, eu não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país pra frente”, acrescentou o presidente.