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Uso de ChatGPT no ensino exige cuidado, alerta especialista

A utilização da inteligência artificial na elaboração de materiais didáticos, como pretende fazer o governo do estado de São Paulo, demanda cuidados e não pode deslocar os professores do papel central na educação. A avaliação é de Ana Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), organização da sociedade civil que promove a equidade e qualidade na educação pública brasileira.

“A inteligência artificial pode ajudar a planejar, a fazer a gestão da aprendizagem. Isso eu acredito que potencialmente pode acontecer. Mas é alguma coisa muito nova que precisa ser investigada, ser pesquisada. E o que nós não podemos esquecer, de jeito nenhum, é o papel central do professor”, destaca a pesquisadora.

A Secretaria de Educação do estado anunciou nesta semana que planeja implementar um projeto-piloto para incluir a inteligência artificial como uma das etapas do processo de “atualização e aprimoramento de aulas” digitais do terceiro bimestre dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio.

“Acho que muitas vezes comete-se um equívoco, imaginando que o professor é um simples aplicador de material didático. Nesse sentido, a decisão da Secretaria Estadual de Educação causa preocupação pelo histórico. Nós temos visto várias decisões, projetos, propostas da Secretaria de Educação de São Paulo que não consideram o papel fundamental do professor”, ressalta Altenfelder.

Ela cita a decisão da secretaria, tomada no ano passado e criticada pelos professores, de substituir os livros didáticos físicos do Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), oferecido pelo Ministério da Educação, por materiais digitais, como a exibição de slides aos alunos. Após o protesto dos docentes e a repercussão negativa da medida, a secretaria recuou e manteve os livros físicos nas salas de aula

“Eram materiais que foram feitos sem nenhuma qualidade, em detrimento dos livros didáticos que estão aí há muitos anos, que é um programa nacional, que tem um trabalho contínuo, elaborado e analisado por especialistas, professores, e que são de qualidade”, disse a pesquisadora.

Uso gradativo

Altenfelder chamou a atenção ainda para os cuidados que devem ser tomados no processo de implantação da inteligência artificial no ensino. Segundo ela, o correto seria passar a utilizar a tecnologia, como o ChatGPT, gradativamente. 

“Quando houve esse movimento dos slides, foi na rede inteira de ensino e foi de uma vez só, sem um período de teste, sem um período de experimentação. Nós sabemos que toda estratégia, toda política pública precisa de um tempo para ser aplicada, observada, e os rumos serem corrigidos”.

Papel do professor

Em nota, a secretaria de Educação disse que os professores não serão substituídos pela inteligência artificial e que a pasta planeja implementar um projeto-piloto para inclusão da tecnologia.

“As aulas que já foram produzidas por um professor curriculista e já estão em uso na rede são aprimoradas pela IA [inteligência artificial] com a inserção de novas propostas de atividades, exemplos de aplicação prática do conhecimento e informações adicionais que enriqueçam as explicações de conceitos-chave de cada aula”.

Segundo a secretaria, o conteúdo produzido será avaliado e editado por professores curriculistas em duas etapas diferentes, além de passar por revisão de direitos autorais e “intervenções de design”. “

Se essa aula estiver de acordo com os padrões pedagógicos, será disponibilizada como versão atualizada das aulas feitas em 2023”.  

Professores estaduais criticaram o projeto de uso do ChatGPT na produção de conteúdo digital. A segunda presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e deputada estadual, Professora Bebel (PT), argumenta “que as tecnologias e informação e comunicação (TICs) são ferramentas auxiliares no processo educativo e jamais podem substituir o trabalho do professor”.

Em nota, a parlamentar informou ter protocolado uma representação no Ministério Público Estadual contra a iniciativa. 

*Colaborou Dimas Soldi, da TV Brasil.

Relatório do Código Eleitoral no Senado exige quarentena para militar

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) protocolou nesta quarta-feira (20), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, seu relatório sobre o novo Código Eleitoral. Com 898 artigos, o documento consolida toda a legislação eleitoral e partidária, que hoje está dispersa em sete leis diferentes. 

“Procuramos trazer uma redação bem clara, simples, concisa e detalhada, que não dê margem, como ocorre hoje, de um juiz interpretar de um jeito e outro juiz interpretar de outro jeito”, diz Castro. 

O documento estabelece uma quarentena especial para carreiras de Estado consideradas incompatíveis com a atividade política, como juízes, membros do Ministério Público, policiais federais, rodoviários federais, policiais civis, guardas municipais, militares e policiais militares. Para concorrer a um cargo eletivo, eles deverão se afastar do seu cargo 4 anos antes do pleito. 

“São carreiras que não devem coexistir com a política. Se a pessoa pertence a uma dessas carreiras e quer ser política, se afasta, e estamos colocando uma quarentena de 4 anos para se candidatar”, explicou. Essa exigência somente se aplicará a partir das eleições de 2026, valendo, até lá, o prazo de desincompatibilização de 6 meses.

O relator apresentou uma nova proposta sobre as regras para o preenchimento de vagas nas eleições proporcionais. “Só participará do preenchimento das vagas o partido político que alcançar o quociente eleitoral. E o candidato só será considerado eleito se tiver pelo menos 10% do quociente eleitoral”, explica. 

Segundo ele, essa era a regra vigente antes do Código Eleitoral de 2021, quando houve uma modificação que exigia o atingimento de 80% do quociente eleitoral para os partidos e 20% para os candidatos. “A regra que já existia antes foi modificada e a modificação não foi boa, deu inclusive ação no Supremo Tribunal Federal, que foi julgada recentemente, então estamos simplificando isso”.

Segundo o relator, o novo Código Eleitoral, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados, traz regras mais claras e transparentes sobre questões como inelegibilidades e os prazos de desincompatibilização. A proposição estabelece que a inelegibilidade, em nenhuma hipótese, ultrapassará 8 anos.

Também propôs mudanças nas regras para a divulgação de pesquisas eleitorais. Segundo o novo código, os institutos de pesquisa deverão divulgar os resultados das pesquisas realizadas em pleitos anteriores, para que os eleitores possam fazer a comparação sobre os resultados obtidos. “Foi a melhor maneira que encontramos de expor essa fraude generalizada, que sabemos que existe nos institutos de pesquisas”, diz. 

Após a resolução do TSE sobre o uso de inteligência artificial nas eleições, o relator incluiu no novo Código Eleitoral um dispositivo que determina que quando esse recurso for utilizado em conteúdos de campanhas eleitorais, o material deve vir com um aviso dizendo que o conteúdo não é autêntico.

Apesar de esperar um grande número de emendas à proposta, o relator aguarda uma análise rápida. “Vamos apressar o máximo que pudermos, mas sem perder em qualidade”, diz. 

Ensino do sexto ao nono ano exige mais atenção para evitar repetência

Somente 52% dos estudantes brasileiros nascidos entre 2000 e 2005, que estão, atualmente, com idade entre 19 e 24 anos, conseguiram concluir o ensino fundamental no tempo certo e 41% deles finalizaram o ensino médio no período adequado. O dado consta do levantamento inédito “Indicador de Regularidade de Trajetórias Educacionais”, da Fundação Itaú. Ele evidencia que quase metade de crianças e jovens que hoje estão nessa faixa etária não concluíram os estudos de forma regular, tendo enfrentado, ao longo do ciclo, intercorrências como abandono, evasão ou reprovação. O estudo foi realizado em parceria com os pesquisadores Chico Soares, Izabel Costa da Fonseca, Clarissa Guimarães e Maria Teresa Gonzaga Alves.

A superintendente do Itaú Social, Patricia Mota Guedes, explicou à Agência Brasil que o levantamento traz o retrato da trajetória escolar de crianças e adolescentes nascidos entre 2000 e 2005 em um período longo, de 2007 a 2019. “E traz exatamente um problema: somente metade dos estudantes brasileiros, nesse período, concluíram o ensino fundamental na idade certa e com trajetória regular, sem ter passado por repetência, reprovação e abandono escolar”. Isso significa que quase metade deles chegou ao nono ano do ensino fundamental com trajetória irregular.

Na avaliação de Patricia Mota Guedes, o indicador expressa a gravidade do problema de trajetórias, de como é necessário monitorar mais e melhor a qualidade da permanência das crianças e adolescentes já no ensino fundamental. “E mostra também um retrato das desigualdades, de como essa experiência de repetência, reprovação e abandono marca ainda mais determinados grupos sociais.”

De acordo com o estudo, a trajetória regular entre estudantes negros (pretos + pardos) é cerca de 20% menor do que entre os brancos. Em relação aos indígenas, esse percentual se situa em torno de 40%. Os dados mostram que estudantes brancos possuem um percentual de regularidade de 62%; pardos, 46%; pretos, 41%; e indígenas, 23%.

Políticas e programas

O estudo mostra a urgência de o Brasil começar a construir políticas e programas mais voltados para a etapa do ensino fundamental, onde a repetência, reprovação e abandono começam a explodir. “São os anos finais do fundamental, do sexto ao nono ano. O estudo reforça a necessidade de a gente realmente começar a desenhar políticas e programas historicamente, do sexto ao nono ano, o antigo ginásio, o que a gente chama dos anos finais do fundamental. Porque são uma etapa esquecida pelas políticas e programas federal, estaduais e municipais.”

A superintendente do Itaú Social argumentou essa é, porém, uma etapa decisiva porque é justamente onde tem o início da adolescência; em que as crianças, aos 11, 12 anos, começam a entrar em uma fase onde vivem muitas transformações, muitas mudanças físicas, emocionais, até do ponto de vista social, da convivência. “E tudo isso muito misturado também porque, no Brasil, na maioria dos casos, quando a criança vai do quinto para o sexto ano, passa a ter mais professores, um currículo mais complexo. Os professores são especialistas que também não recebem uma formação de trabalhar com esses estudantes que estão no começo da adolescência e que transitam entre infância e adolescência”, salientou Patricia. O mesmo acontece com as equipes gestoras escolares. Por isso, acentuou a importância de se pensar em escolas que sejam mais voltadas para essas adolescências, com ênfase no começo dessa fase, do sexto ao nono ano do ensino fundamental.

Patricia argumentou que parte dos problemas de repetência, reprovação e abandono no ensino fundamental está enraizada na falta de um olhar específico, de programas e de suporte, para que essas escolas possam melhorar a qualidade da experiência desses adolescentes. Reconheceu que aqueles que sobrevivem no sistema educacional continuam para o ensino médio, onde também há problemas de abandono e evasão. O esforço do estudo foi no sentido de mapear que o problema grave já começa em uma etapa que não tem sido olhada com a devida atenção, afirmou.

Desigualdades

A pesquisa confirma o que já se imaginava: que os grupos de raça, como os negros, estão sempre em desvantagem em relação aos brancos; as meninas, em geral, estudam mais que os meninos; e que há desigualdades regionais.

Os estudantes com nível socioeconômico mais alto apresentam trajetória escolar bem melhor do que os mais vulneráveis. Enquanto 69% dos alunos do primeiro grupo apresentam trajetórias regulares, só 38% daqueles de escolas mais carentes conseguiram iniciar e finalizar o ensino fundamental na idade correta.

De acordo com a pesquisa, a regularidade é um desafio ainda maior para estudantes do sexo masculino que estudam em escolas de baixo nível socioeconômico, deficientes, negros e indígenas. Já para as meninas, a qualidade da permanência nas escolas é mais positiva. Por volta de 58% delas têm trajetórias de nove anos regulares, contra 46% entre os meninos. A diferença por sexo é acentuada em relação à categoria de muita irregularidade. Cerca de 7% das meninas têm trajetórias educacionais marcadas por muitas irregularidades, ao passo que esse percentual é de 14% para os meninos.

O estudo aponta que apenas 22% dos estudantes com deficiência têm trajetória regular, entre 2011 e 2019, contra 53% dos sem deficiência. Em torno de 56% deles apresentam percursos com muita irregularidade. A porcentagem de trajetórias com irregularidades também se destaca: cerca de 64% dos alunos com deficiência concluem o ensino fundamental com intercorrências e cerca de 14% evadem, enquanto para os sem deficiência 37% possuem trajetórias irregulares e 10% são interrompidas.

Por regiões

Patricia Mota Guedes comentou que, em algumas regiões, são percebidos esforços no sentido de reverter a cultura de reprovação, de repetência, mas ainda se tem isso no Brasil. “Já diminuiu muito; já foi muito maior. O que a gente precisa são indicadores que consigam monitorar a evolução desses padrões. Apesar das diferenças regionais, quando se olha ao longo do tempo, vê-se uma estagnação na proporção de estudantes que não conseguem ter uma trajetória regular.”

Ressaltou que é importante entender as diferenças regionais mas, também, entender que há uma estagnação, em parte porque não se teve experiências mais significativas de políticas e programas voltados para os anos finais do ensino fundamental, embora, agora, já se comece a ver, desde o ano passado para cá, mais discussão entre as redes municipais e redes estaduais, um maior interesse sobre o assunto da parte, inclusive, do governo federal, e algumas oportunidades, por exemplo, no campo da expansão da educação integral.

Patricia analisou que se o país está caminhando para um processo de ampliação da jornada escolar e se esse esforço for voltado para desenvolver escolas atraentes para os adolescentes e que apoiem os professores, os gestores escolares, sobre como trabalhar, esse é um ponto positivo. Defendeu que devem ser dadas condições para que professores e gestores possam desenvolver trabalhos efetivos que acolham esses estudantes, com currículos dinâmicos, diferentes articulações, inclusive fora da escola, espaços de interesse, de arte, de cultura, de esporte na cidade, de projetos que mobilizem o protagonismo dos adolescentes. “Esse aprendizado, o “mão na massa”, que é tão importante na fase de início da adolescência; assim, a gente vai conseguir avançar”. O segredo, segundo Patricia, é olhar para o problema, mas não para ficar paralisado; e, sim, entender que é preciso monitorar ao longo do tempo e começar a pensar em estratégias mais intencionais, para essa etapa do sexto ao nono ano, em que questões de repetência, exclusão e abandono se intensificam.

Dados

Os municípios do Norte, Nordeste e Sul retratam circunstâncias distintas em relação ao Sudeste. Na região Sudeste, os municípios paulistas apresentam uma média de estudantes com trajetórias regulares de 62%. Já em Minas Gerais, a média é 66% em relação ao número de estudantes com trajetórias regulares, superior à média do Brasil.

Na região Sul, o estado do Paraná possui as maiores proporções de trajetórias regulares, acima de 70%, e o Rio Grande do Sul, na extensão sulgrandense (também conhecida como Serras de Sudeste), evidencia média de 40% de trajetórias educacionais regulares.

Na região Centro-Oeste, observam-se áreas com médias mais altas de estudantes com trajetórias regulares, especialmente no Distrito Federal (57%) e no Mato Grosso (70%). Na região Nordeste, o Ceará se destaca como o estado com os melhores resultados na regularidade do percurso educacional, com 65% de média. Na região Norte, grande parte das cidades apresenta média de trajetória regular abaixo de 40% na jornada de nove anos. O Pará, por exemplo, tem 81% dos seus 144 municípios com um percentual abaixo de 40%.

Proposta

A proposta da Fundação Itaú com esse levantamento é que o indicador possa ser utilizado com frequência. Patricia destacou que a pesquisa se baseia no Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do governo federal. “A gente tem condições, enquanto país, de monitorar a evolução desses dados. E, também, porque ele traz um retrato que, muitas vezes, somente o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) não consegue dar. Esse índice traz desempenho de língua portuguesa e matemática e fluxo escolar de dois em dois anos. Mas é uma fotografia no final do ciclo e não acompanha a trajetória. Daí, muitos adolescentes ficam para trás e o desafio que eles vivem sequer é ilustrado na fotografia do Ideb. Eles não aparecem. O acompanhamento da trajetória é muito importante”, assegurou a superintendente do Itaú Social.

Na avaliação da Fundação Itaú, os dados levantados pelo “Indicador de Regularidade de Trajetórias Educacionais” podem ser utilizados para incentivar também o debate sobre o novo Plano Nacional de Educação do decênio 2024-2034.

COP28 traz avanços, mas crise climática exige medidas mais duras

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28), realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, trouxe avanços globais, mas também deixou a desejar por não ter estabelecido metas mais rígidas para enfrentar a crise climática. Essa é a análise de organizações ligadas ao meio ambiente que acompanharam a conferência, ocorrida entre 30 de novembro e 13 de dezembro.  

Após uma maratona de negociações, a COP28 aprovou um acordo histórico para promover a transição energética, reduzindo o uso de combustíveis fósseis. É a primeira vez na história das conferências das Nações Unidas dedicadas ao clima que um documento final dos trabalhos reflete a transição dos combustíveis fósseis para fontes energéticas alternativas. 

Para a Fundação SOS Mata Atlântica, que participou da Conferência, o evento trouxe avanços importantes, mas ainda aquém do necessário para a garantia de um futuro climático seguro.  

“A eliminação dos combustíveis fósseis foi um tema central. O texto final, assinado pelos quase 200 países que participam da Convenção-Quadro do Clima da ONU, ainda não é firme o suficiente para garantir isso no prazo necessário, mas coloca a questão no centro da agenda internacional. Ainda não atingimos o devido grau de ambição, porém já temos desenhado um mapa do caminho para conversar sobre isso”, avaliou, em nota, o diretor-executivo da Fundação, Luís Fernando Guedes Pinto.  

A porta-voz do Greenpeace Brasil, Luiza Lima, concorda. Para ela, seria necessário o texto falasse sobre a eliminação de fato dos combustíveis fósseis. No entanto, a decisão final da COP28 traz um importante avanço, que é a menção a necessidade de fazer uma transição energética. “Isso é relevante porque é colocar os combustíveis fósseis no centro do debate, algo que nunca havia acontecido nas 27 conferências do clima anteriores”, diz.  

Luiza Lima ressalta, no entanto, que o documento final ainda não é suficiente para conter o aquecimento global em 1,5 grau Celsius (°C), que é meta recomendada por cientistas.  

Para diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio e membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil, Beto Mesquista, a COP28 superou as expectativas. Por ser realizada em um país cuja economia depende do petróleo não se esperava que houvesse avanços, ainda que tímidos, em relação aos combustíveis fósseis. “Isso mostra para a gente que, muitas vezes, as instâncias formais da ONU, as conferências das partes com certeza estão mais lentas do que é necessário, do que a urgência das mudanças climáticas exigem, mas podem sim, pouco a pouco, ir avançando, por isso não vale desistir desse caminho”.  

O diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Guimarães, publicou um relato da COP nas redes sociais. Segundo ele, justamente por ter sido realizada em um país produtor de petróleo, a conferência foi importante porque atraiu outros países produtores de petróleo, além de empresas de petróleo, de carvão e de energia para a discussão. 

“Infelizmente, apesar de muita discussão, a gente ainda está com uma certa indefinição sobre a rota, o caminho para a redução dos combustíveis fósseis”, diz e acrescenta: “por um lado negativo, a gente não chegou a conclusões sobre a rota de redução do uso dos combustíveis fósseis, mas por outro lado, a gente trouxe para a discussão países, empresas e setores interessados nesse debate, acho que esse foi um ganho”.  

Fundo Climático  

Outro avanço citado pelos especialistas foi a criação do Fundo Climático de Perdas e Danos. Segundo o diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, os recursos ainda são tímidos, mas é um marco para os países que já estão sofrendo ou vão sofrer com as mudanças climáticas.  

A criação do fundo para recuperar os estragos causados pela crise climática foi anunciado no primeiro dia da COP28, após 30 anos de cobranças para criação de reserva financeira para compensar as nações mais vulneráveis às mudanças climáticas. A criação desse mecanismo foi determinada na última COP, no Egito, em 2022.  

O Fundo recebeu doações voluntárias de países como Japão, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Alemanha que somam US$ 420 milhões. Ele ficará hospedado no Banco Mundial e será administrado por um conselho formado por 26 membros, sendo 12 de países desenvolvidos e 14 de países pobres ou emergentes 

Protagonismo brasileiro 

Em relação à participação brasileira na conferência, de acordo com Guedes Pinto, da Fundação SOS Mata Atlântica, a COP28 assinalou o retorno do país a uma posição de destaque nas discussões socioambientais globais. “O Brasil mostrou que pode ter influência nesse processo e, mais do que isso, tem propostas a apresentar, como o mecanismo inovador para a conservação de florestas em todo o planeta sugerido pelo governo federal”, disse.  

Lima, do Greenpeace Brasil, diz ainda que, para cumprir o que o país vem defendendo, de ser exemplo, serão necessárias medidas para que as metas definidas impactem internamente. “A gente não pode imaginar que seja possível a gente também fazer uma transição justa de combustíveis fosseis ampliando a exploração de petróleo em áreas sensíveis como a da Amazônia. São coisas incongruentes, são ambivalências, ambiguidades que o governo não vai poder se furtar a debater”, defende.  

Já Mesquita, do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil, reforça que o país que quer assumir o protagonismo e liderar pelo exemplo, como o Brasil mostrou querer, terá que tomar decisões sobretudo em relação ao uso de combustíveis fósseis. Segundo ele, o país já tem mostrado resultado em questões como a redução do desmatamento, mas agora precisará também avançar em outras áreas.  

“Precisa tomar uma decisão de qual caminho tomar, se quer seguir na trilha de combustíveis fósseis, ser um dos últimos países a abandonar, se vai continuar investindo bilhões em novas áreas de exploração de petróleo ou vai aproveitar as vantagens competitivas que tem, como em energia lima, biocombustível”, ressalta.   

Cumprimento das metas  

A partir do que foi acordado, os países terão até 2025 para apresentar os novos planos nacionais e cumprir as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês). As NDCs são elaboradas de acordo com as realidades de cada localidade. A NDC atualizada do Brasil em 2023 estabelece redução de emissões em 48% até 2025, e 53% até 2030, em relação a 2005.  

“Os países vão ter que fazer uma lição de casa muito mais completa, muito mais setorializada e, para o Brasil, isso vai significar não só a necessidade de ter um processo muito claro e transparente de construção disso, mas para atrair investimento para que isso se torne realidade. A gente tem tradição no Brasil de dar boas metas e depois não conseguir implementá-las. Não pode seguir essa tradição de forma alguma”, defende a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell.  

Em 2024, a COP 29, será realizada no Azerbaijão. Em 2025, o Brasil sediará a COP30, que será realizada em Belém.