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Haddad diz que governo está preocupado com o custo da energia

O custo da energia representa uma das principais preocupações atuais do governo, disse nesta segunda-feira (1º) o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele reuniu-se no Palácio do Planalto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para discutir o cronograma de geração de energia a óleo e solar com os leilões de linhas de transmissão.

“Acredito que o ministro Alexandre até falou sobre esse assunto publicamente. Para que os cronogramas de geração e transmissão sejam compatíveis. A gente está envolvido porque a gente está preocupado com o custo de energia. A gente quer gerar energia barata para poder tentar equacionar esse problema que foi sendo acumulado ao longo dos anos”, declarou o ministro ao voltar do encontro.

O governo quer reduzir em 3,5% a conta de luz neste ano. Uma das medidas diz respeito ao atraso nos leilões de linhas de transmissão. Na semana passada, o primeiro leilão do tipo em 2024 levantou R$ 18,2 bilhões em investimentos.  

A Lei 14.120, de 2021, estabeleceu 48 meses para que os novos geradores de energia utilizem descontos nas tarifas. O governo quer estender o prazo em 36 meses porque a maior parte dos projetos não saiu do papel por falta de linhas de transmissão que não foram leiloadas.

De acordo com o ministro, alguns prazos não foram cumpridos porque as linhas de transmissão não tinham sido licitadas. “Já existiam autorizações, mas alguns prazos não foram cumpridos em virtude do fato de que não havia licitação das linhas de transmissão. Como esse processo foi concluído agora, você consegue abrir para ver se há manifestação de interesse. Na verdade, é aquela coisa de que os cronogramas de geração e transmissão ficaram descasados”, declarou.

A eventual prorrogação dos subsídios para usinas de energia renovável, declarou o ministro, não terá custo para o governo. “A gente está envolvido porque a gente está preocupado com o custo de energia. A gente quer gerar energia barata para poder tentar equacionar esse problema que foi sendo acumulado ao longo dos anos”, justificou Haddad.

Golpe: debate deve ir além da academia, diz responsável por arquivos

Arte/Agência Brasil

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, a diretora de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo (DPT) do Arquivo Nacional, Gabrielle Abreu, promete expandir, para além das universidades, as parcerias do projeto Memórias Reveladas, que reúne os arquivos sobre os anos de chumbo no Brasil (1964-1985), envolvendo também escolas de educação básica, meios de comunicação e movimentos sociais.  

Empossada no início deste mês, a mestre em história comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ressaltou que é comprometida com a luta pela memória sobre a ditadura civil-militar brasileira e que o período é chave para compreender o presente e o futuro do país.

“Esse é um tema muito caro para mim, é a agenda da minha vida”, revelou a historiadora. Gabrielle atuou nos últimos anos na área de Memória e Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog, organização não-governamental que leva o nome do jornalista da TV Cultura assassinado pela ditadura.

Criado em 2009, o projeto Memórias Reveladas coloca à disposição do país os arquivos que contam a história das lutas de resistência à ditadura militar durante as décadas de 1960 a 1980. A historiadora afirmou que o projeto foi esquecido pelo governo Bolsonaro e reconhece que falta pessoal, já que apenas dois servidores estão lotados no programa. Por outro lado, lembrou que o projeto virou uma Divisão, ganhando importância institucional dentro do Arquivo Nacional.

Entre as iniciativas previstas para este ano está a retomada do Prêmio Memórias Reveladas, que valoriza iniciativas que promovam a memória sobre a ditadura brasileira. A última edição do prêmio foi de 2017.

Segundo Gabrielle, o objetivo é “premiar produções acadêmicas, artigos científicos sobre a temática, mas também projetos educacionais, valorizando o que tem sido feito no chão da escola sobre esse tema, e também produtos comunicacionais”.

Devido à proximidade temporal da última ditadura, a diretora destacou que ela ainda produz efeitos no presente. “A maneira como os ditadores, os militares especialmente, conduziram esse processo faz com que hoje a gente ainda viva com muitas reverberações desse período”, avaliou.

Confira a entrevista completa:

A diretora de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo do Arquivo Nacional, Gabrielle Abreu. Foto: Ascom Arquivo Nacional

Agência Brasil: Qual a importância de revelar as memórias sobre a ditadura civil-militar (1964-1985)?
Gabrielle Abreu: É importante uma compreensão total da nossa história, enquanto nação, algo que no Brasil é muito negligenciado. Infelizmente, somos um país com pouco apreço à nossa memória, com dificuldades de conhecer a nós mesmos.

Nesse sentido, nenhum período se sobrepõe em relação a outro, mas eu acho que a história da ditadura militar brasileira acaba sendo um período muito chave para a compreensão dos acontecimentos mais recentes. Por isso, jamais, por parte da gestão do Arquivo Nacional, vai haver uma movimentação no sentido de esvaziar essa pauta dentro do órgão.

Tal como outros períodos históricos, é um período chave para uma compreensão do nosso presente, porque há muitas continuidades, muitos desdobramentos desse período. É um período chave para uma compreensão do presente e até mesmo do futuro.

Agência Brasil: Como é essa conexão da ditadura com o presente e o futuro?
Gabrielle Abreu: Não dá para abrir mão de uma reflexão crítica sobre o passado. E isso a partir de qualquer período histórico. Se a gente for pensar a linha do tempo histórico, a ditadura ocorreu muito recentemente. Dada essa proximidade temporal, a gente ainda vai viver certos efeitos dela.

A ditadura militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985 tinha um elemento muito específico se comparado aos outros regimes autoritários que ocorreram em países vizinhos ao Brasil no mesmo período. Aqui se tentou mascarar o caráter ditatorial e dar certa legitimidade ao regime.

As ditaduras não se sustentam só com repressão e violência. Parece paradoxal, mas existia também a construção de um conjunto de valores, de ideologias, que foram pensadas para dar musculatura a esse regime e fez com que ele vigorasse por tanto tempo, por 21 anos. A maneira como os ditadores, os militares especialmente, conduziram esse processo faz com que hoje a gente ainda viva com muitas reverberações desse período.

Agência Brasil: Você assumiu recentemente a Diretoria responsável pelo Memórias Reveladas. Quais novas ações e medidas serão tomadas para fortalecer esse projeto?
Gabrielle Abreu: O que está sendo pensado para o Memórias Reveladas já vinham sendo pensadas antes da minha chegada, obviamente, mas ganham um novo fôlego a partir da minha aproximação.

No finalzinho do ano passado, houve uma reestruturação e o Memórias Reveladas passou a ser uma divisão dentro da estrutura do Arquivo Nacional. Ele é reposicionado também na Diretoria de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo (DTP), diretamente vinculada ao gabinete dessa diretoria, o que também fortalece institucionalmente o programa.

Nesse ano, temos os 15 anos de Memórias Reveladas no dia 13 de maio. Nosso intuito é que a gente possa reverberar as ações da divisão ao longo de todo o ano, pautando a memória da ditadura militar brasileira, a reflexão e o conhecimento das lutas por direitos e como os arquivos se relacionam com o fortalecimento democrático. A gente tem a previsão de realizar a 5ª edição do Prêmio Memórias Reveladas de maneira renovada, agregando a multiplicidade dos segmentos que têm refletido sobre o tema. O Prêmio, nos últimos anos, esteve focado em produções acadêmicas monográficas. A gente sabe que a universidade é um palco muito importante para esse tema. Isso é um fato. Mas existem outros setores, outros segmentos que também estão tratando da ditadura de forma muito central.

Eu estou falando das escolas, dos veículos de comunicação, da sociedade organizada, dos movimentos sociais, dos movimentos de vítimas do período. A gente quer colocar o Prêmio na rua dando conta dessa multiplicidade de vozes e formatos, especialmente nas escolas, na educação básica, em como podemos fortalecer esse tema nos currículos, por exemplo.

O Prêmio Memórias Reveladas vai premiar produções acadêmicas, artigos científicos sobre a temática, mas também projetos educacionais, valorizando o que tem sido feito no chão da escola sobre esse tema, e também produtos comunicacionais.

Prêmio de Pesquisa Memórias Reveladas, por Arquivo Nacional

Agência Brasil: Os servidores do Arquivo Nacional têm reclamado da falta de estrutura para tocar o projeto, que teria sido abandonado pela gestão anterior, que era simpática à ditadura no Brasil. Apesar de você não estar na área no ano passado, mas caso já tenha sido possível se atualizar, como estava a situação do projeto e como recuperar ele?
Gabrielle Abreu: Quando a atual gestão do Arquivo Nacional assumiu o órgão, o que ocorreu foi um grande susto em relação ao estado que se encontrava o Memórias Reveladas. É como se o Memórias Reveladas sequer existisse. Ele não estava visível na estrutura regimental do Arquivo Nacional.

Agora, o Memórias Reveladas aparece no regimento, ganha nova musculatura, se tornando uma divisão. Com a minha aproximação, a gente começa a fazer uma movimentação interna de recomposição dessa equipe. Hoje, apenas dois servidores estão dedicados às atividades do Memórias Reveladas. Isso é muito pouco. Desde o meu 1º dia no órgão, trabalho para reforçar o expediente do Memórias Reveladas.

Agência Brasil: Nessa semana, um estudo inédito do pesquisador da UnB e ex-preso político Gilney Viana apontou 1.654 camponeses assassinados pela ditadura. O número é muito superior ao identificado pela Comissão Nacional da Verdade, que é de 434 vítimas fatais. Como o Memórias Reveladas dialoga com essas pesquisas feitas por particulares?
Gabrielle Abreu: Essa pesquisa do Gilney, essas novas estatísticas, só mostra o quanto esse ainda é um tema muito vivo e dinâmico. É muito importante que nós estejamos próximos da rede de pesquisadores que lidam com essa temática, fortalecendo essas pesquisas com a documentação que a gente mantém hoje no órgão. O principal objetivo é fortalecer essas pesquisas a partir da documentação que nós temos para que a gente um dia, quem saiba, possa chegar numa estatística, num dado mais fidedigno, mais próximo da realidade em relação a esse número, principalmente de vitimados pela ditadura militar.

Casos de síndrome respirartória aguda grave sobem no país, diz Fiocruz

O boletim InfoGripe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgado nesta quinta-feira (28) aponta que os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) aumentaram em crianças, jovens e adultos em todo o país. O quadro é decorrente do crescimento, em diversos estados, de diferentes vírus respiratórios como influenza (gripe), vírus sincicial respiratório (VSR) e rinovírus.

O boletim indica também uma tendência de queda de casos de SRAG na população a partir dos 50 anos de idade, devido à diminuição dos casos de Covid-19 nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, e também de redução dos casos na região Sul.

De acordo com o coordenador do InfoGripe, Marcelo Gomes essa conjuntura mascara o crescimento dos casos de SRAG pelos demais vírus respiratórios nessas faixas etárias, especialmente aqueles associados ao vírus influenza A. “Esse cenário é fundamentalmente igual ao da semana passada. Manutenção de queda nas internações associadas à Covid-19 no Centro-sul, contrastando com o aumento de VSR e rinovírus em praticamente todo o país (incluindo o Centro-sul) e influenza A no Norte, Nordeste, Sudeste e Sul”, explicou.

Nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, quando se estuda o total de novas internações por SRAG, sem a análise por faixa etária, observa-se cenário de estabilidade. Gomes avalia que, na verdade, esse quadro decorre da queda na Covid-19, camuflando o aumento nas internações pelos demais vírus respiratórios.

“Se olhamos apenas para as crianças, onde principalmente o VSR e o rinovírus estão mais presentes nas internações, vemos claramente o sinal de aumento expressivo de SRAG”, explica o pesquisador. Ele também destaca a importância dos cuidados para a prevenção. “Em casos de infecções respiratórias, sintomas de gripe e resfriados, deve-se procurar encaminhamento médico, além de manter repouso e usar uma boa máscara sempre que precisar sair de casa. A vacinação também é fundamental. A vacina da gripe está disponível em diversos locais”.

Mortalidade

A incidência de SRAG por Covid-19 mantém o cenário de maior impacto nas crianças de até dois anos e idosos a partir de 65 anos de idade. O aumento da circulação do VSR tem gerado crescimento expressivo da incidência de SRAG nas crianças pequenas, superando aquela associada à Covid-19 nessa faixa etária. Outros vírus respiratórios com destaque para a incidência de SRAG nas crianças pequenas continuam sendo o Sars-CoV-2 (Covid-19) e rinovírus. Já o vírus influenza vem aumentando a incidência de SRAG em crianças, pré-adolescentes e idosos. Quanto à mortalidade por  de SRAG tem se mantido significativamente mais elevada nos idosos, com amplo predomínio de Covid-19.

Ao todo, 23 capitais do país apresentam crescimento nos casos de SRAG: Aracaju (SE), Belém (PA), plano piloto e arredores de Brasília (DF), Campo Grande (MS), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Maceió (AL), Manaus (AM), Natal (RN), Palmas (TO), Porto Alegre (RS), Porto Velho (RO), Recife (PE), Rio Branco (AC), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Luís (MA), Teresina (PI) e Vitória (ES).

Macron tem o direito de ser contra o acordo UE-Mercosul, diz Lula

No último dia da visita de Estado ao Brasil, o presidente da França, Emmanuel Macron, foi recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto, na tarde desta quinta-feira (28). Após uma reunião fechada, ambos fizeram uma declaração à imprensa. Questionado sobre a posição de Macron, contrária ao acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, o presidente brasileiro ponderou que a negociação é feita por blocos de países, mas que é direito do francês ter discordância.

“O Brasil não está negociando com a França. O Mercosul está negociando com a União Europeia. Não é um acordo bilateral entre Brasil e França, é um acordo comercial de dois conjuntos de países. De um lado, a União Europeia, com os seus países. Do outro lado, o Mercosul. Obviamente que, depois da decisão da União Europeia [de aprovar o acordo], se o Macron tiver que brigar com alguém, não é com o Brasil, é com a União Europeia. É com os negociadores que foram escolhidos para negociar, não é comigo. O acordo, tal como proposto agora, é muito mais promissor de assinar do que o outro. Mas, obviamente, como o Brasil tinha o direito de ser contra a outra proposta, o Emmanuel Macron tem o direito de ser contra a [nova] proposta”, afirmou Lula.

Já Emmanuel Macron, que na quarta-feira (27) havia criticado duramente os termos do acordo, em São Paulo, voltou a se posicionar contra o avanço do tratado, que vem sendo negociado há mais de 20 anos, entre idas e vindas. Para o líder francês, o acordo não leva em consideração exigências ambientais na produção agrícola e industrial, e seria uma espécie de “marcha a ré” na luta contra a crise climática.

“Quero recordar aqui que esse texto União Europeia e Mercosul é de um acordo negociado e preparado há 20 anos atrás, e estamos só fazendo pequenas alterações. Somos loucos, continuando essa lógica e, paralelamente, fazendo grandes reuniões, como G20 e COP, falando de biodiversidade e clima, que temos que fazer isso e aquilo. Esse acordo é um freio para o que estamos fazendo para retirar o carbono das economias e lutar pela biodiversidade. Nós, europeus, temos o texto mais exigente do mundo em matéria de desmatamento e descarbonização. Pedimos a nossos agricultores e industriais para que façam transformações históricas, esforços enormes. Houve muitos descontentes que se manifestaram [na França, contra exigências ambientais]. Mas se abrirmos para produtos que não respeitam esses acordos, somos loucos, não vai funcionar”, argumentou.

Guerra na Ucrânia

Durante declaração à imprensa, no Palácio do Planalto, Lula e Macron foram questionados sobre a posição de cada um em relação à guerra na Ucrânia, que já dura mais de dois anos. Há cerca de duas semanas, Macron declarou, em entrevista, que poderia aumentar o envolvimento da França no conflito se a Rússia escalasse a violência. Em Brasília, o francês reforçou sua opinião.

“A França é uma potência de paz, quer o diálogo, voltar à mesa de negociações, mas não somos fracos e se houver uma escalada do agressor, nós temos que nos organizar, para não ter que lamentar, apenas”, disse. O presidente da França também disse que tem uma visão comum com o Brasil sobre a condenação do conflito, embora o governo brasileiro tenha mantido uma postura de neutralidade.

“Estamos do mesmo lado, direito internacional, soberania dos povos. O fato de que quando um país é atacado, no interior de suas fronteiras, por uma potência terceira, nós condenamos. A seguir, tomamos decisões que podem ser diferentes”, disse o presidente, em referência às sanções econômicas e envio de armamentos para os ucranianos.

O presidente Lula, por sua vez, afirmou compreender o “nervosismo” do povo europeu com o conflito, que ocorre próximo de suas fronteiras, mas insistiu que é preciso buscar formas de estabelecer uma negociação pacífica entre as partes.

“O Brasil nunca teve dúvida com relação à guerra da Ucrânia. O Brasil foi, acho, o primeiro país da América Latina a protestar contra a invasão da Ucrânia feita pela Rússia. E ainda fizemos a crítica de que isso está virando uma rotina. Os países que fazem parte do Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas] não respeitam o Conselho de Segurança e tomam decisões unilaterais, sem discutir em nenhum fórum. Por isso que nós não concordamos, nos colocamos contra a guerra e resolvemos não tomar lado, porque queremos criar condições de encontrar um jeito de voltar à mesa de negociação. Aquela guerra só vai ter uma solução que vai ser a paz”, disse Lula, que ainda completou criticando a destruição e os investimentos em armas em deterimento do combate à fome e às desigualdades.  

“Em algum momento, eles vão ter que sentar e chegar à conclusão que não vale a pena o que foi feito até agora, destruição, gastos, investimentos em armas, que é muito maior que os investimentos feitos para combater a fome, a desigualdade e a miséria”.

Bolsonaro diz ao STF que seria “ilógico” pedir asilo a embaixador

O ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira (27) ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que seria “ilógico” sugerir que ele pediria asilo político durante o período em que ficou hospedado na Embaixada da Hungria, em Brasília, no mês passado.

A explicação foi enviada ao Supremo após o ministro dar prazo de 48 horas para Bolsonaro explicar a estadia. 

Na segunda-feira (25), o jornal The New York Times publicou que o ex-presidente permaneceu entre os dias 12 e 14 de fevereiro deste ano hospedado na embaixada. 

Dias antes, em 8 de fevereiro, Bolsonaro teve o passaporte apreendido por determinação de Moraes após sofrer uma busca e apreensão durante a Operação Tempus Veritatis, que investiga a tentativa de golpe de Estado no país após o resultado das eleições de 2022. 

Pelas regras internacionais, a área da embaixada é inviolável pelas autoridades brasileiras. Dessa forma, Bolsonaro estaria imune ao eventual cumprimento de um mandado de prisão. 

Na petição, a defesa de Bolsonaro diz que é “ilógico” considerar que o ex-presidente pediria asilo político para a embaixada. Segundo a defesa, Bolsonaro não tinha preocupação com eventual prisão. 

“Diante da ausência de preocupação com a prisão preventiva, é ilógico sugerir que a visita do peticionário à embaixada de um país estrangeiro fosse um pedido de asilo ou uma tentativa de fuga. A própria imposição das recentes medidas cautelares tornava essa suposição altamente improvável e infundada”, afirmou a defesa. 

Os advogados também afirmaram que o ex-presidente sempre manteve interlocução com as autoridades húngaras e rechaçaram ilações sobre eventual pedido de asilo diplomático. 

“São, portanto, equivocadas quaisquer conclusões decorrentes da matéria veiculada pelo jornal norte-americano, no sentido de que o ex-presidente tinha interesse em alguma espécie de asilo diplomático, conclusão a que se chega bastando considerar a postura e atitude que sempre manteve em relação as investigações a ele dirigidas”, completou a defesa. 

Bolsonaro é aliado do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que esteve na posse do ex-presidente em 2018. Em 2022, Bolsonaro visitou Budapeste, capital húngara, e foi recebido por Orbán. Além disso, ambos trocam constantes elogios públicos 

Hospedagem 

A publicação norte-americana analisou as imagens das câmeras de segurança do local e imagens de satélite, que mostram que Bolsonaro chegou no dia 12 de fevereiro à tarde e saiu na tarde do dia 14 de fevereiro. 

As imagens mostram que a embaixada estava praticamente vazia, exceto por alguns diplomatas húngaros que moram no local. Segundo o jornal, os funcionários estavam de férias e a estadia de Bolsonaro ocorreu durante o feriado de carnaval. 

Segundo a reportagem, no dia 14 de fevereiro, os diplomatas húngaros contataram os funcionários brasileiros, que deveriam retornar ao trabalho no dia seguinte, dando a orientação para que ficassem em casa pelo resto da semana.

Haddad diz que é preciso insistir em acordo Mercosul-União Europeia

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta-feira (27), em São Paulo, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai continuar insistindo em uma maior aproximação com a União Europeia. Para Haddad, um acordo entre o Mercosul e a União Europeia será benéfico para as duas partes e deve se fortalecer nos próximos anos.

A fala do ministro foi durante o 8º Fórum Econômico Brasil-França, que está sendo realizado na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O evento conta com a presença do presidente da França, Emmanuel Macron, que é um dos críticos ao acordo entre Mercosul e União Europeia. Ele foi recebido no local pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. 

Haddad comparou um possível acordo entre o Mercosul e a União Europeia com a aprovação da reforma tributária no Brasil. Segundo ele, o Brasil demorou 40 anos para aprovar a reforma tributária que “colocou um ponto final no caos tributário”. “Não devemos desistir desse acordo. Se foi possível aprovar a reforma tributária depois de 40 anos, por que não, depois de 20 [anos] aprovar um bom acordo União Europeia e o Mercosul?”, questionou o ministro.

No evento, que reuniu empresários e representantes dos governos dos dois países, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Antonio Ricardo Alvarez Alban, defendeu um avanço no acordo entre o Mercosul e a União Europeia. 

“Reconhecemos alguns desafios que tanto o Brasil quanto a França enfrentam em relação ao tratado. Entretanto, estamos confiantes de que, a longo prazo, os benefícios da integração das duas regiões vão superar as adversidades iniciais, proporcionando expressivos ganhos para Brasil e França e para os demais signatários do acordo”, disse.

A ideia foi reforçada pelo presidente da Fiesp, Josué Gomes. “O acordo comercial Brasil-Mercosul e União Europeia trará benefícios para as duas regiões, especialmente para a França, país rico em assuntos culturais e de tecnologia”.

Inflação e PIB

Em sua fala, Haddad também citou que a economia brasileira vive um momento macroeconômico favorável, com inflação dentro da meta e crescimento do emprego. “Hoje saiu o resultado do Caged, que apontou que, no mês passado, em apenas um mês, criamos 306 mil novos postos de trabalho no Brasil. Em janeiro, mês regularmente mais fraco, geramos 180 mil postos de trabalho, o dobro do ano passado. Entendemos que a economia seguiu seu curso, sem pressionar os preços se soubermos administrar bem a política econômica”, falou.

Haddad também falou da expectativa do governo sobre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “Nesse ano, as estimativas do governo preveem crescimento de 2,2%, mas elas devem ser revistas para um patamar de 2,5% para cima. Devemos surpreender as estimativas do mercado”, disse ele. “Estamos criando a infraestrutura econômica para o Brasil aumentar seu PIB potencial, que todos diziam que era menor que 2% até outro dia. Creio que, se o Brasil crescer menos que a média mundial, com as políticas que estão sendo adotadas, alguma coisa errada está acontecendo”, falou.

Para Haddad, a economia brasileira tende a se manter favorável e em crescimento com as reformas que foram encaminhadas para o Congresso e também com a “vantagem do Brasil na transformação ecológica”.

Antes de Haddad, o secretário nacional de transição energética do Ministério de Minas e Energia, Thiago Barral, reforçou a importância da transição energética para o governo brasileiro. “O tema deste encontro, transformação ecológica, é caro para nós. Essa é a visão estratégica que orienta um amplo conjunto de políticas que estamos desenvolvendo [no governo]”, disse ele.

Segundo Barral, com esse processo, o governo brasileiro pretende universalizar e combater a pobreza energética no país. “Esse processo de transição energética precisa ser justo e inclusivo. Estamos falando de investimentos bilionários que vão chegar a várias regiões do país e vão exigir de nós esse compromisso de que o processo seja justo e inclusivo”, acrescentou.

Oportunidades e desafios

Em seu discurso no evento, o presidente da CNI reforçou ainda que o fórum está sendo uma oportunidade para se discutir as oportunidades e os desafios das relações econômicas entre o Brasil e a França. “Além de fortalecer os vínculos entre Brasil e França, podemos oferecer propostas de soluções para questões globais, como a expansão da economia de baixo carbono e o aumento da competitividade das nossas indústrias no cenário mundial”, disse ele, reforçando que o Brasil é o principal mercado para os investimentos franceses em países emergentes.

“Atualmente, a França é o quinto investidor direto no Brasil e tem mais de 1.150 subsidiárias de empresas estabelecidas no país, que empregam 520 mil pessoas e faturam 61 bilhões de euros por ano. A dinâmica das nossas relações econômicas se baseia tanto no comércio quanto no investimento”, falou ele. “Nesse cenário, há espaço para equilibrarmos a balança comercial. A França é o nono maior fornecedor do Brasil. Em contrapartida, o Brasil ocupa o trigésimo sexto lugar na lista dos países que exportam para a França”, completou.

Chiquinho Brazão diz que tinha “ótima relação” com Marielle

O deputado federal Chiquinho Brazão, detido no último domingo (24) acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, disse nesta terça-feira (26) que tinha uma “ótima relação” com a vereadora.

Em manifestação online, durante reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados que analisa a prisão preventiva do parlamentar, ele disse que o que houve entre ele e Marielle foi uma “simples discordância de pontos de vista” em relação ao projeto de lei que regulamentava os condomínios irregulares na cidade do Rio de Janeiro. 

“A gente tinha um ótimo relacionamento, só tivemos uma vez um debate, onde ela defendia a área de especial interesse, que eu também defendia. Marielle estava do meu lado na mesma luta”, argumentou o parlamentar, preso em Brasília, pedindo que os deputados revejam a decisão sobre sua prisão. Como Brazão é parlamentar federal, a prisão precisa ser aprovada pela maioria absoluta da Câmara dos Deputados.

O relatório da Polícia Federal cita como motivação para o assassinato a divergência entre Marielle Franco e o grupo político do então vereador Chiquinho Brazão em torno do Projeto de Lei (PL) 174/2016, que buscava formalizar um condomínio na Zona Oeste da capital fluminense.

O relator do caso na CCJ, deputado Darci de Matos (PSD-SC), defendeu a manutenção da prisão do parlamentar. Segundo ele, a prisão respeitou as exigências constitucionais que dizem que a detenção de um parlamentar só pode ser feita em flagrante e por crime inafiançável. 

O advogado de Chiquinho Brazão, no entanto, pediu a revogação da prisão de seu cliente. “Estamos diante de um claro exemplo de uma prisão ilegal que deve ser imediatamente relaxada, como determina a Constituição Federal”, disse Cleber Lopes de Oliveira.  

Segundo ele, não há prisão em flagrante no caso de Brazão, e sim prisão preventiva, o que não está previsto na Constituição para a detenção de um parlamentar. “Além disso, o delito não está no rol dos crimes inafiançáveis, então não há possibilidade de prisão em flagrante do parlamentar por isso”, argumenta. 

O advogado também sustentou a incompetência do Supremo Tribunal Federal (STF) para decretar a prisão do deputado, já que o parlamentar só tem prerrogativa de foro privilegiado, ou seja, de ter seus processos encaminhados ao STF, se o crime tiver sido cometido durante o mandato e em razão do mandato. O crime ocorreu em 2018 e Brazão assumiu o mandato em 2019. 

Durante a reunião da CCJ, os deputados federais Gilson Marques (Novo-SC) e Roberto Duarte (Republicanos-AC) pediram vista para analisar se a prisão preventiva foi legal, argumentando que não tiveram tempo de avaliar o relatório da Polícia Federal, a decisão de prisão do ministro do Supremo Alexandre de Moraes nem o relatório de Darci de Matos.

Presidência da Câmara

Após a decisão da CCJ, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que serão disponibilizadas aos parlamentares e líderes da Casa todas as informações sobre o inquérito da Polícia Federal, para que as bancadas possam se posicionar com clareza sobre o tema. 

“Estamos providenciando para todas as assessorias todo o material que foi entregue à Presidência da Câmara para que todos tenham esse prazo para se posicionarem com todo o zelo e cuidado que o assunto requer”, disse. 

O prazo para retomar a análise na CCJ após o pedido de vista é de duas sessões da Câmara. 

Segundo Lira, o pedido de vista não traz prejuízo para o processo e para a investigação.

“Todo o tempo que transcorrer é em desfavor do réu, que continuará preso até que o plenário da Câmara se posicione em votação aberta”, explicou Lira. 

 

*Matéria ampliada às 17h37

Demarcação para Avá-canoeiro é reparação histórica, diz antropóloga

A decisão da Justiça Federal que estabelece prazo de 15 meses para conclusão da demarcação da Terra Indígena (TI) Taego Ãwa, do povo Avá-canoeiro do Araguaia, representa uma reparação histórica das violações sofridas por este povo. A avaliação é da antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues, responsável pelo relatório que identificou e delimitou a TI. A etnia tem sido vítima de deslocamentos forçados ao longo da história. Atualmente, os cerca de 40 sobreviventes ainda vivem fora do território tradicional.

“É um dos casos mais graves de violência genocídica, que tem destaque no relatório da Comissão Nacional da Verdade, está lá com destaque o caso dos Avá-canoeiro do Araguaia. Na época dos governos militares, chegou à beira da extinção, chegaram a ser cinco pessoas e foram removidas para a terra dos seus antigos inimigos, onde sofreram todo tipo de marginalização”, lamentou a antropóloga, destacando que a decisão judicial foi um passo importante para se fazer justiça em prol da etnia.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) reverteu decisão da Justiça Federal de Gurupi (TO) que havia reduzido em cerca de 30% a TI Taego Ãwa. Essa fatia de quase um terço do território tinha sido reservada para assentados da reforma agrária e fazendeiros que atualmente estão sobrepostos à TI. A decisão do TRF1, que ocorreu no fim do mês passado, teve assinatura do acórdão no último dia 15.

O território está em processo de demarcação há mais de dez anos, no entanto, a decisão judicial determinou prazo de 15 meses para que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) conclua a ação, a fim de que o grupo possa retornar à região, de onde foram capturados e expulsos durante a ditadura militar.

A antropóloga ressalta que a decisão anterior, proferida em 2022, além da diminuição em quase um terço das terras, havia retirado também o acesso da TI Taego Ãwa ao rio Javaés, que é o principal rio da região, dá passagem a outras comunidades indígenas e é o principal meio para navegação e pescaria. “Eles haviam ficado com 70%, a maior parte de áreas inundáveis. A melhor parte da área foi retirada, então foi uma decisão considerada absurda”, disse.

O juiz relator do caso, Emmanuel Mascena de Medeiros, escreveu ainda que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), juntamente com a Funai, deve fazer a desintrusão das terras, reassentar as pessoas do Projeto de Assentamento Caracol diretamente afetados pela formação da TI Taego Ãwa e o pagamento de benfeitorias estabelecidas no território.

O relatório de identificação e delimitação da terra indígena, com cerca de 29 mil hectares, foi publicado pela Funai em 2012 e, em 2016 o Ministério da Justiça publicou a portaria declaratória reconhecendo-a como terra de ocupação tradicional do povo indígena Avá-canoeiro. A TI Taego Ãwa está localizada na região do médio curso do Rio Araguaia, no Tocantins. O território fica localizado à margem direita do Rio Javaés, a leste da Ilha do Bananal.

No entanto, diante da estagnação do processo, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação civil pública, em 2018, contra a União, a Funai e o Incra, para que fosse finalizada a demarcação. O MPF apontou que limitações materiais, financeiras e de pessoal não legitimam o retardo no processo demarcatório, acrescentando “que o controle judicial pleiteado na presente ação pública visa corrigir vício de ilegalidade na atuação do órgão indigenista”. A decisão do TRF1 é uma resposta à ação do MPF.

Após a ação, houve levantamento fundiário pela Funai e a terra foi demarcada fisicamente. Segundo a antropóloga, falta a desintrusão do território, retorno dos Avá-canoeiro e homologação pelo presidente da República.

Assentados do Incra

Em entrevista à Agência Brasil, o procurador regional da República, Felício Pontes Jr., representante do MPF no processo, ressaltou que a desintrusão é uma das grandes dificuldades em casos como este.

“Esse é o ponto mais difícil, avisar as pessoas que estão lá que elas não poderiam estar. Quando se tem clientes da reforma agrária, que também são pessoas que devem ser defendidas pelo Ministério Público Federal, tem que fazer isso com base em muita negociação”, relatou.

“Nós já avisamos para que eles não fiquem preocupados, que eles não iriam sair e ficar na beira da estrada, nós não fazemos isso. Nós temos um compromisso em não fazer a desintrusão antes que isso seja negociado. Normalmente o Incra faz a disponibilidade da terra, mas a gente exige também que eles aceitem a terra, porque eles conhecem, sabem se a terra pode ser produtiva ou não”, explicou o promotor.

A sobreposição de assentamentos da reforma agrária com territórios que vieram a ser reconhecidos como tradicionais não é particularidade da TI Taego Ãwa. “Nós temos vários casos em que isso aconteceu. Nós acabamos de ter a desintrusão no Alto Rio Guamá, que era um assentamento do Incra. Nesses casos, a gente negocia com o Incra e com os assentados. Nós defendemos os sem terra também, assim como defendemos os indígenas”, contou o promotor.

Patrícia Rodrigues aponta que o grupo de reassentados, na ocasião, também foi vítima de erro histórico do estado brasileiro, já que foram transferidos de uma terra indígena localizada na Ilha do Bananal para outro território considerado tradicional, de onde terão que ser removidos novamente. “Desejamos que eles sejam reassentados num lugar digno, onde eles possam desenvolver as suas atividades com dignidade e justiça também.”

A antropóloga conta que, na década de 1990, o Incra adquiriu áreas na região da Mata Azul, local onde os Avá-canoeiro foram contatados forçadamente na ditadura militar, para o reassentamento de famílias que ocupavam áreas protegidas na Ilha do Bananal.

“Apesar de estarem morando na aldeia dos Javaé, os Avá-canoeiro continuaram caçando, coletando nessa área da Mata Azul, que é do outro lado do rio. A Funai ignorou sumariamente que ali era uma terra indígena, que o povo continuava frequentando aquele lugar”, afirmou Patrícia. Segundo ela, quando fizeram a identificação da terra indígena, o assentamento do Incra ocupava metade da área total demarcada.

A região da Mata Azul  foi a última morada dos Avá-canoeiro do Araguaia, onde seus mortos foram enterrados e onde se deu o contato com outros povos. Ela enfatizou que os indígenas conheciam ainda cada centímetro do território, quando foi feita a identificação das terras. “Apesar dos desmatamentos que estão sendo feitos, eles conhecem cada árvore, cada lugar que tem ali dentro dessa terra indígena, mas estão fora dessa terra até hoje, até hoje eles estão morando na terra do Javaé, aguardando o momento de voltar”, disse Patrícia Rodrigues.

Para o procurador Pontes, os Avá-canoeiro do Araguaia não têm ainda seus direitos garantidos pelo estado brasileiro. “Enquanto eles não estiverem na terra deles, é um estado constante de violação de direitos fundamentais.”

História dos Avá-canoeiro

Estima-se que a população dos Avá-Canoeiro, no século XVIII, era de 4 mil pessoas. Patrícia Rodrigues relata que o grupo foi se refugiando ao longo da história, a partir da colonização portuguesa, e que resistiram ao contato externo.

“Eles eram um povo guerreiro e ficaram conhecidos na literatura como o povo do Brasil central que mais resistiu à colonização. Eles nunca aceitaram o contato pacífico. Houve um primeiro momento de embates fortes com os colonizadores, no século XVIII até meados do século XIX, e a partir de então, como eles foram massacrados, eles se dividiram em dois grupos de refugiados”, contou.

Parte do grupo que vivia nas cabeceiras do Rio Tocantins se deslocou para a região do médio Rio Araguaia, onde passou a disputar o mesmo território com os Karajá e Javaé, que já habitavam a região há séculos. Com isso, houve a separação dos Avá-canoeiro em dois grupos, do Rio Araguaia e do Rio Tocantins. O deslocamento dos Avá-canoeiro do Araguaia para o território, especialmente, dos Javaé gerou conflitos e disputas entre eles, o que também resultou em mortes de ambos os lados, segundo memória oral citada por Patrícia.

Na primeira metade do século XX, houve massacres de aldeias inteiras dos Avá-Canoeiro do Araguaia, incêndios e perseguição, por parte de novos invasores de terras. Isso levou a mais deslocamentos, até que chegaram à localização da Fazenda Canuanã, região da Mata Azul. 

Depois de massacres e deslocamentos forçados em sua história, o grupo chegou a 14 sobreviventes nos anos 1960, habitando um local chamado de Mata Azul. O local estava inserido no latifúndio Fazenda Canuanã, de propriedade da família Pazzanese, de São Paulo. Quando houve o contato forçado pela Funai em 1973, depois de reclamações de fazendeiros, eram 11 indígenas nos acampamentos da etnia.

“Foi nesse período [década de 1970] que o governo militar determinou o contato forçado com os Avá-Canoeiro. A Funai chegou ao local atirando e soltando fogos de artifício. Uma menina chamada Typyire foi baleada, falecendo dias depois na mata”, diz a ação do MPF. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reafirmou que, sob o regime autoritário da ditadura militar, a Funai protagonizou um contato forçado que resultou em um quase extermínio dos Avá-Canoeiro.

“A equipe [da Funai] entrou atirando nesse acampamento, essa é a memória oral dos Avá-canoeiros. Eles conseguiram capturar seis pessoas, porque o grande líder do grupo se entregou quando a mulher dele foi capturada com uma criança”, contou Patrícia. Os outros cinco fugiram, incluindo uma menina que foi baleada e morreu dias depois.

Os capturados foram levados para a sede da Fazenda Canuanã, onde eles foram expostos à visitação pública, situação que foi registrada em fotos na época. Aqueles que tinham fugido, foram contatados seis meses depois e, junto aos outros seis, o grupo ficou sob supervisão da Funai, que colocou os Javaé – inimigos tradicionais dos Avá-canoeiro do Araguaia – como supervisores desse acampamento.

“Relatos tanto dos Javaé como dos Avá-canoeiro e dos moradores regionais é de que as pessoas vieram de vários lugares para ver os ‘índios presos’, assim que eles falavam, ‘os índios pelados’, me falaram desse jeito. E esses Avá capturados ficaram lá numa casa, num cercado, sendo observados por gente que vinha de todo lugar”, lembrou a antropóloga. Os indígenas foram expostos também à contaminação de vírus, para os quais eles não tinham imunidade, o que a antropóloga aponta como outra negligência da Funai.

Um dos capturados morreu três meses depois do contato forçado de pneumonia. “Ele foi levado para Goiânia, morreu lá e nunca devolveram o corpo para os seus parentes. Agora, dois anos atrás, nós conseguimos encontrar um documento que fala onde ele foi internado, a causa da morte dele, onde ele foi enterrado como um lavrador. Nem como indígena foi enterrado”, contou.

Sobreviventes

Por fim, o grupo restante foi transferido, ainda na década de 70, para uma aldeia dos Javaé, onde passaram a viver uma situação de marginalidade. Pouco tempo depois dessa transferência, alguns morreram e os Avá-canoeiro ficaram reduzidos a cinco pessoas apenas.

“Foi um grande marco na vida deles, eles dividem a história entre antes e depois do contato, o momento em que eles foram capturados [pela Funai]. Antes, eles eram fugitivos, mas pelo menos tinham a autonomia deles. E, depois, passaram a viver como marginalizados na aldeia dos seus antigos inimigos”, pontuou Patrícia.

Os Avá-canoeiro do Araguaia sobreviveram graças a uniões interétnicas. Hoje são mais de 40 pessoas, após casamentos e uniões com as etnias Javaé, Karajá e Tuxá. Segundo a antropóloga, a maioria do grupo atualmente são filhos dessas uniões. Há apenas uma sobrevivente do episódio em que houve o contato forçado, na década de 1970.

O grupo aguarda pelo reconhecimento e desintrusão da Terra Indígena Taego Ãwa e, segundo confirma a ação do MPF, ainda vivem dispersos em territórios dos Javaé e Karajá. O MPF ressalta que a imprescindibilidade das terras indígenas para a sobrevivência física e cultural dos índios já foi inclusive objeto de reconhecimento expresso por parte do Supremo Tribunal Federal.

Patrícia ressalta a importância do processo de demarcação para reverter a invisibilidade deste grupo. “Desde que a gente começou esse trabalho com a identificação da terra, eles estão vivendo um processo também de reafirmação, de busca de revitalização da língua, de inserção no movimento indígena, de participar dos debates políticos. Porque, até então, eles estavam absolutamente à margem de tudo, eles tinham esse desejo de voltar para o seu território, mas não eram ouvidos.”

Em relação a Terra Indígena Taego Ãwa, o Incra informou que aguarda a análise do inteiro teor do acórdão para definir as ações que adotará e que atuará em parceria com a Funai nessa questão.

A Agência Brasil entrou em contato com a Funai e aguarda posicionamento.

Novas informações podem surgir sobre caso Marielle, diz Marcelo Freixo

Após as prisões neste domingo (24) dos irmãos Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e do delegado Rivaldo Barbosa, apontados como mandantes do atentado contra Marielle Franco, que vitimou também o motorista Anderson Gomes, o presidente da Embratur e ex-deputado federal e estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, acredita que “um tampão de bueiro” foi destampado. Para ele, novas informações, que inclusive vinculam funcionários do estado ao crime poderão surgir.

“O caso da Marielle destampa um tampão de bueiro que sempre existiu no Rio de Janeiro e que muita gente não teve coragem de meter a mão lá dentro. Agora vai ter que meter”, disse Freixo, nesta segunda-feira (24), no programa Sem Censura, da TV Brasil. Ele era do PSOL, mesmo partido de Marielle, trabalhou junto e era amigo dela.

Segundo Freixo, ao longo dos seis anos após o crime, buscava-se resposta para três perguntas: quem matou, quem mandou matar e quem não deixou investigar. Essas perguntas foram respondidas, mas elas abrem espaço para novas, uma vez que os três presos têm cargos públicos. Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), Chiquinho Brazão é deputado federal pelo União Brasil e o delegado Rivaldo Barbosa era chefe da Polícia Civil à época do atentado contra Marielle Franco.

“São três agentes do Estado que não têm qualquer cargo. Então, é evidente que abre nova pergunta sobre o que se faz com esse Rio de Janeiro. E nós tivemos diversos mandados de busca e apreensão, que vão poder colher material, que sem dúvida alguma vão trazer mais informação sobre o caso da Marielle e possivelmente sobre outros casos relacionados à questão do homicídio, da Delegacia de Homicídio, e a esses agentes que cometeram esse crime contra a Marielle. Então, por um lado, se responde às perguntas, por outro, novas coisas podem surgir”, diz.

O caso traz luz a um dos principais problemas do Rio de Janeiro, a segurança pública. Para Freixo, falta vontade política para combater o crime organizado. “A gente pode ficar dias falando de problemas do Rio de Janeiro, mas se a gente não resolver a questão da segurança pública do Rio de Janeiro, se não meter a mão na cumbuca, que diz respeito a qual o papel da polícia, quem controla a polícia, como vai ser a formação da polícia, se não retomar territórios, não fizer um projeto para o Rio de Janeiro que mexa e dê centralidade à questão da segurança pública, como diz a boa gíria carioca, esquece”, afirma.

O ex-deputado conta também que após as prisões, recebeu diversas ligações de policiais e de funcionários do Tribunal de Contas para prestar apoio e dizer que são diferentes dos colegas presos. Freixo acredita que a mudança venha pela política e pelas instituições. O caminho está, portanto, no fortalecimento das instituições. “Temos que olhar para as instituições e perceber que tem pessoas extraordinárias e conseguir que essas pessoas falem pelas instituições, não acabar com elas”.

Rio de Janeiro (RJ) 25/03/2024 – O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, participa do programa Sem Censura, da TV Brasil, apresentado por Cissa Guimarães. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Alívio e choque

A jornalista e ex-assessora de Marielle Franco, Fernanda Chaves, também participou do programa. Ela estava com Marielle no momento do atentado e foi a única sobrevivente. Ela falou sobre o que sentiu quando recebeu as informações sobre as prisões efetuadas nesse domingo.

“É difícil nomear, mas foi muito chocante, muito impactante. Ao mesmo tempo que veio algum alívio, porque foram seis anos de angústia, ver que paralelamente acontecia um movimento para atrapalhar a investigação. Na mesma medida, deu um choque muito grande quando se sabe do envolvimento das figuras que estão sendo apontadas na investigação como os pensantes, os que arquitetaram esse crime. É muito impactante e é, sobretudo, perturbador”, diz.

Ela descreveu o delegado Rivaldo Barbosa como uma pessoa acessível e do diálogo. “Revendo as coisas do passado, a gente começa a perceber o quanto isso é maquiavélico”, diz. “Isso é inacreditável, isso descortina muito a situação que o Rio de Janeiro se encontra hoje”.

Relatora da ONU diz que Israel comete genocídio na Faixa de Gaza

A relatora especial das Nações Unidas (ONU) para os direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, Francesca Albanese, publicou relatório nesta segunda-feira (25) afirmando que existem “motivos razoáveis” para sustentar que Israel promove um genocídio na Faixa de Gaza.

Israel rebate dizendo que o informe é uma “inversão obscena da realidade” e diz que respeita o direito humanitário internacional.

Essa é a primeira vez que um informe ligado à ONU acusa Israel de genocídio. A relatora, que tem um mandato independente, foi nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU.

“A natureza esmagadora e a escala do ataque de Israel à Gaza e as condições de vida destrutivas que [Israel] infligiu revelam uma intenção de destruir fisicamente os palestinos, enquanto grupo”, diz o informe da relatora.

O governo de Tel Aviv enfrenta ainda a acusação de genocídio na Corte Internacional de Justiça (CIJ), resultado de denúncia apresentada pela África do Sul e apoiada por diversos países, entre os quais, o Brasil.

A relatora para os direitos humanos nos territórios palestinos, Francesca Albanese, pede ainda que os países promovam um embargo de armas contra Israel, além da adoção de outras medidas econômicas e políticas que garantam o cessar-fogo imediato e duradouro, incluindo sanções contra o governo de Tel Aviv.

Genocídio é processo

A especialista da ONU argumenta que o genocídio pode ser caracterizado como “a negação do direito de existência de um povo e a subsequente tentativa ou sucesso na sua aniquilação” e que esse crime é “‘um composto de diferentes atos de perseguição ou destruição’, que vão desde a eliminação física até a ‘forçada desintegração’ das instituições políticas e sociais de um povo, da cultura, da língua, sentimentos e religião. O genocídio é um processo, não um ato”.

De acordo com Albanese, os atos de Israel em Gaza podem ser caracterizados como genocídio porque o país teria cometido, ao menos, três atos proibidos pela Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948. Seriam eles: o assassinato de membros do grupo; os sérios danos corporais ou mentais aos membros do grupo, além de infligir “deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física, no todo ou em parte”.

A relatora especial da ONU para Palestina ainda cita o bloqueio à ajuda humanitária na região como outro elemento para caracterizar o crime de genocídio.

“O bloqueio reforçado de Israel a Gaza causou a morte por fome, incluindo dez crianças por dia, ao impedir o acesso a abastecimentos vitais.”

De acordo com o informe, Israel tem buscado ocultar sua conduta em Gaza sustentando que está respeitando o Direito Humanitário Internacional (DHI). “Israel invocou estrategicamente o quadro do DHI como ‘camuflagem humanitária’ para legitimar a sua violência genocida em Gaza”, completou.

Albanesa defende que não há respeito ao DHI porque “Israel tratou, de fato, todo um grupo protegido e a sua infraestrutura de sustentação da vida como ‘terrorista’ ou ‘apoiador do terrorismo’, transformando assim tudo e todos num alvo”.

Outro elemento usado pela relatora especial para caracterizar a ação de Israel em Gaza como genocídio são as declarações de autoridades de Tel Aviv que, segundo ela, estariam tentando desumanizar os palestinos.

“A desumanização pode ser entendida como fundamental para o processo de genocídio”, destacou.

Conflito colonial

A relatora da ONU Francesca Albanese sustentou ainda em seu informe que a ação de Israel em Gaza é mais uma fase de um longo processo de apagamento colonial.

“Durante mais de sete décadas, este processo sufocou o povo palestino como grupo – demograficamente, culturalmente, econômica e politicamente –, procurando deslocá-lo, expropriar e controlar as suas terras e recursos.”

“As ações de Israel foram impulsionadas por uma lógica genocida integrante do seu projeto colonial de colonização na Palestina, sinalizando uma tragédia anunciada”, completou Albanese, acrescentando que “deslocar e apagar a presença árabe indígena tem sido uma parte inevitável do processo de formação de Israel como um ‘Estado Judeu’”.

Israel

O ministério das Relações Exteriores de Israel divulgou nota em que condena o relatório de Albanese que, de acordo com Tel Aviv, “continua a sua campanha de deslegitimação da própria criação e existência do Estado de Israel”.

“Fica claro no relatório que a Relatora Especial começou com a conclusão de que Israel comete genocídio e depois tentou provar as suas opiniões distorcidas e politicamente motivadas com argumentos e justificações fracas”, destacou o comunicado.

“O relatório é, portanto, uma inversão obscena da realidade, onde um suposto perito pode fazer acusações ultrajantes, quanto mais extremas, melhor”, completou.

Ainda de acordo com o comunicado, o relatório “é uma tentativa de esvaziar a palavra genocídio da sua força única e do seu significado especial” e que a guerra em Gaza “é contra o Hamas e não contra civis palestinos”.

O comunicado de Israel finaliza dizendo que o parecer “é mais uma mancha no seu mandato tendencioso e só traz ainda mais descrédito ao Conselho dos Direitos Humanos”.