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SUS terá sala de acolhimento para mulheres vítimas de violência

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta quinta-feira (25) o Projeto de Lei (PL) nº 2.221/2023, que prevê atendimento a mulheres vítimas de violência em ambiente privativo e individualizado nos serviços de saúde prestados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Mais um instrumento de proteção física e emocional que resguarda a dignidade das mulheres vítimas de violência”, escreveu Lula em seu perfil nas redes sociais. “O apoio às políticas públicas e ao SUS é fundamental”, completou o presidente.

Durante a cerimônia de sanção, no Palácio do Planalto, em Brasília, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que a pasta, agora, deve regulamentar a existência e o funcionamento das salas de acolhimento para que a lei seja cumprida.

Segundo a ministra, agora a pasta vai trabalhar com mais força para que, em todas as unidades básicas de saúde (UBS), na Saúde da Família, exista essa sala de acolhimento, para que todas as ofereçam acolhimento. “Que todos queles equipamentos conveniados ao SUS cumpram a lei, e a mulher e a menina vítimas de violência cheguem e possam ser acolhidas sem sofrer nenhum tipo de constrangimento – como a gente sabe que acontece” – completou Nísia Tindade.

“As pessoas têm que saber que, se elas forem vítimas de violência, terão acolhimento especial. E não é favor. É obrigação do Estado brasileiro cuidar das pessoas. É obrigação da prefeitura, dos postos de saúde, do governo do estado”, afirmou Lula, durante a cerimônia.

Entenda

O Projeto de Lei nº 2.221/2023 foi aprovado pelo Senado no último dia 26 e seguiu para sanção presidencial. O texto garante salas de acolhimento exclusivas para mulheres vítimas de violência nos serviços de saúde conveniados ou próprios do SUS.

À época, a relatora do projeto, senadora Jussara Lima (PSD-PI), apresentou parecer favorável no plenário, destacando a importância de acolher e atender mulheres vítimas de violência de forma adequada, com privacidade e proteção à sua integridade física. 

O texto muda trecho da Lei 8.080/1990, sobre serviços de saúde, na parte em que define diretrizes das ações e serviços públicos de saúde e dos serviços privados contratados ou conveniados que integram o SUS.

A diretriz a que se refere a exigência de salas de acolhimento trata do atendimento público específico e especializado com acompanhamento psicológico e outros serviços.

De iniciativa da deputada Iza Arruda (MDB-PE), o projeto inclui um parágrafo na Lei Orgânica de Saúde e restringe o acesso de terceiros não autorizados pela paciente, em especial do agressor, ao espaço físico onde ela estiver.

O parecer enfatiza que os serviços de saúde são fundamentais no acolhimento das mulheres logo após a violência, uma vez que é lá o local onde elas recebem o primeiro atendimento após aagressão.

*Com informações da Agência Senado

Cresce número de pré-candidatos LGBTI+ nas eleições municipais

O primeiro boletim do Programa Voto Com Orgulho, que mapeia pré-candidaturas LGBTI+ nas eleições municipais deste ano, divulgado nesta semana pela Aliança Nacional LGBTI+, cadastrou 150 pré-candidaturas em todo o país, sendo 132 de pessoas LGBTI+ e 18 de pessoas ligadas à causa. Dos 150 pré-candidatos, 147 são para vereadores e três para prefeito.

O diretor de Políticas Públicas da Aliança Nacional LGBTI+ e coordenador geral do Programa Voto Com Orgulho, Cláudio Nascimento, informou nesta quarta-feira (24) à Agência Brasil que pessoas que pretendem concorrer à vereança e à prefeitura nessas eleições podem se cadastrar no Programa Voto Com Orgulho, existente desde 2016.

Nascimento afirmou que, no programa, o objetivo é estimular maior representatividade de pré-candidaturas LGBTI+ nas eleições, de caráter suprapartidário. “Não temos preferência por nenhum partido, porque é um trabalho não governamental, e entende que cada um se organiza do jeito que achar melhor”.

Crescimento

O diretor da Aliança Nacional LGBTI+ celebrou o resultado da primeira parcial do programa este ano, tendo em vista que, em abril de 2020, o número de pré-candidaturas não chegava a 30. “É um indicador interessante de que possamos ter, este ano, uma representatividade maior da comunidade LGBTI+ na disputa eleitoral. Isso, para nós, é muito importante, porque é o debate que fica dos direitos, da cidadania, que é feito no Legislativo e nas câmaras municipais. Então, é fundamental que tenhamos mais pessoas aliadas à pauta da cidadania LGBTI+, trazendo uma visão específica, própria, da realidade da comunidade”.

Nova parcial deverá ser divulgada a cada uma ou duas semanas, disse Cláudio Nascimento. O cadastramento no Programa Voto Com Orgulho é voluntário e individual e pode ser feito neste endereço. Os resultados finais devem sair até julho. As convenções dos partidos serão realizadas entre junho e agosto, quando serão confirmadas as candidaturas, dando visibilidade ao movimento.

Nascimento afirmou que o foco central é o estímulo a candidaturas LGBTI+ para as eleições municipais, mas é preciso também ter pessoas aliadas à causa nas câmaras municipais.

“É fundamental valorizar e lutar por uma maior representatividade da comunidade LGBTI+ nas câmaras legislativas municipais, mas também reconhecer a importância de ter mais aliados nesses espaços, para ter mais condições de ver sendo viabilizados projetos de lei e propostas legislativas, porque é preciso ter sempre um número mínimo de votos para os projetos de lei”.

O presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis, destacou que a organização vai apoiar todas as candidaturas e aliadas à causa, oferecendo suporte em relação à violência política, notícias falsas (‘fake news’) e discursos de ódio contra cada candidatura. Segundo ele, o programa é pluripartidário e se constitui como uma rede de cooperação e solidariedade ao pleito eleitoral. Somos cidadãs que devem ter representação nos espaços públicos de poder”, afirmou.

Concentração

O boletim parcial revela a existência ainda de grande concentração das pré-candidaturas desta população nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste, enquanto o Centro-Oeste e o Norte do país apresentam menores números. Até agora, o estado de São Paulo tem o maior número de pré-candidatos à vereança e prefeitura (34), seguido do Rio de Janeiro, com 22, e do Paraná, com 14.

Os estados de Minas Gerais e Pernambuco aparecem, cada um, com nove pré-candidatos, enquanto o Rio Grande do Sul mostra dez pré-candidaturas e, a Paraíba, seis. Os estados da Bahia, Ceará e Santa Catarina têm cinco pré-candidaturas, cada. Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso, Piauí e Rio Grande do Norte registram quatro pré-candidaturas, cada um, e o Maranhão aparece com três. Já os estados do Pará, Goiás e Sergipe contam, cada um, com duas pessoas pré-candidatas e Amazonas e Tocantins com apenas uma pré-candidatura, cada um.

“Há uma distribuição também de pré-candidaturas por vários partidos políticos, mas ainda uma concentração naqueles considerados mais progressistas. Esse também é um dado interessante”, disse Nascimento.

Das pré-candidaturas cadastradas, 46 são filiadas ao PT, 25 ao PSOL, 18 ao PDT, 13 à Rede Sustentabilidade e 13 ao PSB. Dos demais partidos, cinco pré-candidatos são filiados ao PV, seis ao Podemos, quatro ao Cidadania, quatro ao Progressistas, cinco ao MDB, três ao PCdoB, dois ao PSD e ao Solidariedade.

Com apenas uma pré-candidatura estão os partidos Republicanos, AGIR, União Brasil e Partido da Mulher Brasileira (PMB). Do ponto de vista político-ideológico, 94 se identificam como de esquerda, 33 centro-esquerda, 12 centro, sete da extrema-esquerda, dois de direita e dois de centro-direita.

Outro dado do primeiro levantamento é que 52,7% dos pré-candidatos são pessoas negras (pretas e pardas), com 79 pré-candidaturas.

“Esse é um dado muito interessante, porque a maioria das candidaturas LGBTI+ sempre foi de pessoas brancas, em sondagens anteriores”. Já pessoas brancas possuem neste boletim parcial 66 pré-candidaturas, com duas pessoas indígenas, duas amarelas e uma pessoa cigana.

Identidade

Em relação à identidade de gênero das pessoas cadastradas, 44% são mulheres, entre as 66 pré-candidatas, sendo 28 mulheres cis e 38 mulheres trans e travestis. Os homens cis totalizam 69 pré-candidatos. Há ainda um homem trans pré-candidato e 14 pessoas não binárias. Das mulheres trans, três se declaram pessoas intersexo. Entre as pessoas não binárias, duas também se declararam intersexo.

Quanto à identidade sexual das pré-candidaturas, foram identificados 63 gays, 16 bissexuais, 17 lésbicas, seis pansexuais, duas assexuais, além de 46 pessoas heterossexuais, sendo 29 mulheres trans, 15 pessoas cis aliadas, um homem trans e uma pessoa não binária.

Em termos de escolaridade, o primeiro boletim parcial apurou que 94 pessoas têm curso superior completo, 27 superior incompleto, 22 ensino médio completo, cinco ensino médio incompleto, uma ensino fundamental completo e uma fundamental incompleto. Das pessoas cadastradas com curso superior, 28 têm especialização, 14 mestrado e cinco doutorado.

Programa

O Programa Voto Com Orgulho é coordenado pela Aliança Nacional LGBTI+ em parceria com o Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+, do Rio de Janeiro, e o Grupo Dignidade, de Curitiba. O programa conta ainda com apoio institucional do Sinergia Instituto de Diversidade Sexual de Minas Gerais, da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, da União Nacional LGBT, Rede Trans, Sleeping Giants Brasil, Associação de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) e Global Equality Caucus. 

Indígenas prometem seguir lutando por demarcação de terras

A recente homologação de duas áreas da União para usufruto exclusivo de comunidades indígenas não apaziguou as queixas pela demora do Estado em reconhecer e delimitar os territórios tradicionais.

“Vamos continuar lutando. Vamos continuar brigando pela demarcação das terras”, declarou um dos coordenadores-executivos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna.

A declaração foi durante coletiva de imprensa realizada nesta segunda-feira (22), dentro da programação do 20º Acampamento Terra Livre (ATL) – mobilização indígena que, anualmente, reúne milhares de participantes, de centenas de etnias, em Brasília.

Na última quinta-feira (18), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou os decretos de homologação de dois territórios: Aldeia Velha, na Bahia, e Cacique Fontoura, em Mato Grosso. A iniciativa, às vésperas do Dia dos Povos Indígenas, frustrou a expectativa de parte do movimento indígena, que esperava o reconhecimento federal de outros quatro territórios.

Durante a cerimônia de assinatura dos decretos, o próprio presidente afirmou que a decisão de não homologar os seis territórios foi política.

“Sei que isso frustrou alguns companheiros e algumas companheiras, mas fiz isso para não mentir para vocês, porque temos um problema, e é melhor a gente tentar resolver o problema antes de assinar”, disse Lula, diante de dezenas de indígenas.

Segundo o presidente, entre os problemas identificados nas quatro áreas não homologadas está a ocupação por não indígenas. Lula admitiu ter atendido a um pedido de governadores.

“Temos algumas terras ocupadas por fazendeiros, outras por gente comum, possivelmente tão pobres quanto nós. Tem umas que têm 800 pessoas que não são indígenas ocupando. Tem outras com mais gente. E tem alguns governadores que pediram mais tempo para saber como vamos tirar essas pessoas, porque não posso chegar com a polícia e ser violento com as pessoas que estão lá”, acrescentou o presidente, na ocasião.

Duas das quatro áreas que o governo federal optou por não homologar, apesar do Ministério da Justiça e Segurança Pública já ter emitido as devidas portarias declaratórias, ficam em Santa Catarina.

Segundo Kretã Kaingang, também coordenador-executivo da Apib, o reconhecimento do direito indígena às duas áreas é uma “questão de honra” para o movimento.

“A morosidade por parte do governo nos deixa nesta situação. Como organização indígena nacional e representativa da região, não podemos ver nossos parentes ser mortos e não darmos uma resposta a nossas bases. Enquanto não conseguirmos arrancar estas duas homologações, não vamos sossegar. Não vamos deixar este governo dormir. E seria bom sairmos deste acampamento ao menos com estas [duas] homologações que, para nós, são estratégicas”, afirmou Kretã.

 O Acampamento Terra Livre (ATL) começa nesta segunda-feira em Brasília. Esta é a 20ª edição do evento, que deve reunir centenas de etnias indígenas de todo o Brasil. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

As críticas do movimento indígena à atual gestão federal ganharam peso já em novembro de 2023. Na época, a Apib criticou o governo por ter aceitado, sem resistência, que o Congresso Nacional derrubasse os vetos presidenciais ao Projeto de Lei nº 2.903, que estabeleceu o chamado Marco Temporal – tese jurídica segundo a qual os indígenas só tem direito aos territórios que ocupavam em outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.

No último dia 15, a organização desaprovou a sugestão do presidente Lula para que o governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, encontrasse interessados em vender suas terras para acomodar parte dos indígenas que permanecesse acampado à margem das rodovias que cortam o estado ou em áreas em disputa. A proposta é que os governos federal e estadual sejam “parceiros” na eventual aquisição de áreas a fim de “recuperar a dignidade desse povo”. 

“Não é batendo papinho com governador, não é comprando terra, que se vai se garantir o direito constitucional dos povos indígenas aos seus territórios originários”, comentou Kleber Karipuna, hoje. “O rito da demarcação não prevê conversinha com governadores. Pelo contrário. O Decreto nº 1.775 [estabelece] um prazo de 90 dias para que, uma vez publicados os estudos [de delimitação territorial], qualquer cidadão ou entidade conteste os resultados. Não há nenhuma outra fase, dentro do processo, de conversinha com governador ou prefeito, como também não há [previsão] para a compra de terras”.

Homologações

Consultado sobre as críticas, o Ministério dos Povos Indígenas respondeu que, desde o início de 2023, o governo federal já homologou dez terras indígenas – quase o mesmo número (11) que nos dez anos anteriores. Segundo a pasta, o resultado é fruto da “forte retomada de homologações” implementada pela atual gestão.

“É importante ressaltar que esse é um trabalho complexo e que demanda estrutura e articulação para que as ações de demarcação e homologação ocorram de maneira célere, com segurança para todos”, acrescentou o ministério ao garantir que vem atuando junto a outras instâncias para resolver “questões pontuais e problemáticas dos territórios” reivindicados.

“O MPI está implementando novos planos de gestão para ampliar as respostas às demandas dos povos indígenas. Um passo importante foi dado na semana passada com a retomada do Conselho Nacional de Política Indigenista, instalado pelo governo federal, e que facilitará ainda mais o diálogo permanente e o acompanhamento cada vez mais próximo das questões dos povos indígenas”, acrescentou o ministério.

Para Dinamam Tuxá,  também coordenador da Apib, os esforços elencados pela pasta ainda não são suficientes.

“Elaboramos uma carta prévia para os três Poderes [Executivo, Legislativo e Judiciário] na qual apontamos 24 demandas emergenciais. O eixo central é a política de demarcação. Estamos cobrando principalmente a homologação de terras”, disse Dinamam, lembrando que o governo assumiu o compromisso de demarcar 14 terras indígenas nos 100 primeiros dias de gestão. De acordo com ele, os povos querem ainda a finalização de 23 processos demarcatórios que estão aptos, reforço da política de desintrusão das áreas homologadas e fortalecimento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

Quem preserva biomas defende direitos humanos, diz relatora da ONU

O que marca o Brasil é uma “impunidade endêmica”. E, apesar de serem “criminalizados” e “destruídos por autoridades”, defensores de direitos humanos são quem preserva biomas no país e também quem cobra a atuação da Justiça em casos de violência do Estado e oferece uma alternativa de “dignidade, solidariedade e respeito a todos”.

Essas foram algumas das colocações feitas hoje (19), por Mary Lawlor, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação das pessoas defensoras de direitos humanos, apresentadas em coletiva de imprensa. A porta-voz da ONU chegou ao Brasil em 8 de abril de 2024 e se encontrou com autoridades do governo brasileiro, da Esplanada dos Ministérios, e nomes do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e do Conselho Nacional de Justiça. O ponto central de sua agenda, porém, como é de praxe em visitas oficiais de representantes da entidade, são as reuniões com líderes que articulam reações às violações de direitos socioambientais e, como consequência disso, ficam em evidência e sofrem perseguições.

Mary Lawlor também esteve na Bahia, no Pará, em São Paulo e no Mato Grosso, estados que identificou como sendo “particularmente graves”, em relação aos perigos que se impõem diante daqueles que lutam em defesa dos direitos humanos e de biomas. A especialista da ONU disse que, por todo o país, há pessoas que protegem a vida, a terra e a natureza sob cerco ou mesmo sendo mortas e que acabam tendo que enfrentar um sistema que reforça injustiças.

O cenário, acrescentou ela, é de desigualdades e abandono por parte das instituições que deveriam protegê-las. Ao ler seus apontamentos, Mary Lawlor explicou que muitas lideranças têm medo de retaliação após denunciarem os casos de violações que chegam ao seu conhecimento e que muitas delas, além de serem criminalizadas pelo papel que exercem, lidam, com frequência, “com ameaças de morte na porta de casa”.

Povos originários

“Líderes indígenas repetidamente disseram que tiveram que deixar seus territórios, com medo de serem mortos”, ressaltou ela, em sua fala aos jornalistas, afirmando, em alusão ao Dia dos Povos Indígenas, comemorado hoje, que os povos originários “devem ser celebrados e protegidos”, e citando o caso de uma guarani kaiowá que teve que deixar tudo para trás, depois de um familiar ser executado e ela receber um aviso de que seria a próxima a ser assassinada.

Para a porta-voz da ONU, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser questionado quanto à discussão em torno do marco temporal, tese jurídica que restringia o direito às terras indígenas aos seus respectivos povos originários àqueles que as ocupassem em outubro de 1988, na promulgação da Constituição Federal. No entendimento de Mary Lawlor, a corte deveria ter se empenhado mais em assegurar o direito aos indígenas, acelerando a derrubada da tese.

Política nacional de proteção a defensores

Um dos ministros com quem esteve foi Silvio Almeida, da pasta de Direitos Humanos e da Cidadania, que teria explicitado a ela as ações já implementadas ou em vias de aplicação, no âmbito do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), que, em 2024, completa 20 anos, sob a batuta do ministério. No que concerne a esse aspecto, a crítica foi em relação ao orçamento e à falta de efetividade.

“Raramente as políticas que estão sendo desenvolvidas pelo governo federal foram levantadas comigo pelos defensores dos direitos humanos. A principal exceção a isso foi o trabalho realizado no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania através do Grupo de Trabalho (GT) Sales Pimenta. O estabelecimento do Grupo de Trabalho é positivo e necessário. No entanto, ouvi repetidamente preocupações de defensores de direitos humanos sobre sua falta de progresso e a falta de investimento por parte do governo federal. O GT precisa ter um orçamento adequado para que consiga desenvolver aquilo que foi encarregado de fazer e deve contar com a participação genuína de todos os ministérios relevantes, bem como dos próprios defensores dos direitos humanos que estão em risco. Em suma, precisa ser politicamente priorizado e devidamente financiado”, resumiu Mary.

Sanções ao empresariado que viola direitos

Um dos aspectos abordados no relatório que produziu foi a cota de responsabilidade pela qual devem responder o empresariado, em seus diversos segmentos, e o governo brasileiro, no que diz respeito à manutenção da atmosfera de “violências extremas”. Nesse sentido, seu argumento é de que o governo federal precisa barrar companhias que devastam os territórios e cometem violações de direitos vários.

“As pessoas defensoras de direitos humanos não estão contra o desenvolvimento, mas não pode haver desenvolvimento sustentável sem respeito pelos direitos humanos e pelo meio ambiente. Os direitos que dizem respeito à conduta de empresas não se tornarão a norma sem uma regulamentação efetiva por parte do governo, inclusive em respeito a OIT 169 [Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais]. Como tal, faço um forte apelo ao governo federal e aos governos estaduais”, afirmou.

A Agência Brasil procurou os ministérios da Justiça e Segurança Pública e dos Direitos Humanos e da Cidadania para comentar os apontamentos e recomendações feitos no relatório e aguarda retorno. A reportagem também pediu posicionamento ao STF e, caso seja enviado, esta matéria será atualizada.

STF valida cadastro de condenados por crimes sexuais em Mato Grosso

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (18) manter a validade do cadastro estadual de condenados por crimes sexuais em Mato Grosso. O cadastro foi criado em 2015 e permite que informações sobre condenados por estupro e pedofilia sejam acessadas diretamente pela internet.

Com o cadastro, usuários da internet podem acessar o nome e a foto de condenados por crimes contra a dignidade sexual praticados contra crianças e adolescentes. Dados de vítimas fazem parte do cadastro, mas não são divulgados publicamente.

Por unanimidade, apesar de manter a validade do cadastro, os ministros decidiram restringir o alcance das informações que podem ser acessadas. Pela decisão dos ministros, somente nome e foto de condenados com trânsito em julgado (sem possibilidade de recurso) podem ser divulgados na internet. Antes da decisão, a divulgação abrangia também suspeitos e indiciados.

Outra restrição aprovada pelos ministros foi a proibição de divulgação de dados que possam identificar as vítimas. As informações só poderão ser obtidas por meio de decisão judicial.

A constitucionalidade do cadastro foi questionada em 2020 pelo governo de Mato Grosso. Para a procuradoria do estado, somente uma norma aprovada pelo Congresso Nacional poderia disciplinar a matéria.

PEC das Drogas é inconstitucional e deve agravar cenário de violência

O Senado aprovou, nesta terça-feira (15), em dois turnos, a proposta que inclui no artigo 5º da Constituição Federal a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga ilícita.

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil apontam que a medida, além de inconstitucional, deve agravar o cenário atual de violência, encarceramento e desigualdade social. A avaliação é que descriminalizar as drogas e promover uma regulamentação seria uma solução mais eficiente.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) teve 53 votos favoráveis e nove contrários no primeiro turno, e 52 favoráveis e nove contrários no segundo turno.

“É a demonstração de que o Senado Federal deu as costas para a Constituição e abraçou essa política de drogas racista, genocida, super encarceradora e que fortalece facções criminosas”, avalia o advogado Cristiano Maronna, diretor do Justa, centro de pesquisa que atua no campo da economia política da justiça.

Para o especialista, a descriminalização e a regulamentação seriam mais eficientes do que a alteração aprovada no Senado. “É essa a direção em que países com democracias de alta densidade estão seguindo. Já o Brasil está no rumo seguido pelas autocracias e ditaduras”, disse o advogado, que é mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP).

A PEC, que agora será avaliada pela Câmara dos Deputados, foi articulada após o Supremo Tribunal Federal (STF) voltar a pautar o julgamento da descriminalização do porte da maconha para uso pessoal, determinando a diferenciação entre usuário e traficante. Um pedido de vista do ministro Dias Toffolli suspendeu o julgamento em março. A matéria está em 5 votos a 3 para a descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal.

Cristiano Maronna defende que o Supremo, ao votar o tema, está exercendo uma função típica de corte constitucional, que é declarar inconstitucional uma norma jurídica. “Além disso, o Supremo também exerce uma função contramajoritária ao impedir a ditadura da maioria política, quando a maioria política está alinhada para violar direitos fundamentais”, acrescentou.

Proibição

O advogado Erik Torquato, membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, avalia que a proibição é ineficaz. Segundo ele, a criminalização gera um efeito colateral muito maior do que as próprias substâncias em circulação na sociedade. O especialista defende que a regulamentação é o caminho mais eficiente e racional. “As substâncias que mais causam danos sociais nas famílias e na sociedade, prejuízo ao atendimento público de saúde, não são criminalizadas. E uma política pública eficiente de controle de substância, que é o controle do tabagismo, passou longe da criminalização”, disse.

Membro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e integrante da Rede Reforma, a advogada Cecilia Galicio destaca que não há no mundo precedentes de criminalização constitucional do uso de substâncias.

“Acredito e torço por uma mobilização social não só capaz de reconhecer a indignidade da criminalização, como também em ações que discutam o movimento global de lidar com a questão do uso de substâncias sob a ótica dos direitos humanos, afinal, o tráfico de drogas é internacional, e não há solução local possível sem compreendermos esse fenômeno como um todo”, disse.

A conselheira do Conad ainda ressalta que a PEC trata de um tema que o STF já sinaliza como inconstitucional. “Com a iminência da decisão do STF, a princípio, dependendo do andamento do julgamento e da votação final na Câmara, viveremos um período de vacância, no qual podemos estar tanto sob a égide de uma lei mais justa, que seria a descriminalização, para rapidamente voltarmos à regência de uma lei injusta e retrógrada como pretende o Senado”.

STF

Erik Torquato afirmou que a PEC das drogas é inconstitucional e uma afronta ao artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea de proteção de direitos e garantias fundamentais, que se dedica a proteger os cidadãos contra arbítrios do Estado. Ele explica que o artigo só poderia ser alterado para expandir tais proteções e garantias, jamais para restringi-las. Isso porque a Constituição não permite a diminuição e o retrocesso de direitos.

“Essa alteração que está sendo proposta [pelo Senado] insere no artigo 5º a restrição a um direito, a uma garantia fundamental, ele viola frontalmente o direito à intimidade, à vida privada, à dignidade, previsto na Constituição. Então o Supremo poderá ser chamado a se manifestar sobre isso, e ele pode se manifestar já dentro do recurso extraordinário [sobre descriminalização de drogas]”, disse.

Em 2015, quando o julgamento começou, os ministros começaram a analisar a possibilidade de descriminalização do porte de qualquer tipo de droga para uso pessoal. No entanto, após os votos proferidos, a Corte caminha para restringir a decisão somente para a maconha. A legislação atual, além de prever penas, ainda que atenuadas, para quem for pego portando drogas para consumo próprio, não define a quantidade que difere o traficante do usuário. 

Conforme os votos proferidos no STF até o momento, há maioria para fixar uma quantidade de maconha para caracterizar uso pessoal, e não tráfico de drogas, que deve ficar entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas de Cannabis. A quantidade será definida quando o julgamento for finalizado. No caso concreto que motivou o julgamento no STF, a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi detido com três gramas de maconha.

Violência policial

Para o especialista da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, uma vez incluída a criminalização dos usuários na Constituição, haverá um aumento da repressão. “Sem sombra de dúvida, com a promulgação dessa emenda constitucional que criminaliza os usuários, aqueles que atuam na repressão ao varejo e ao consumo se sentirão ainda mais legitimados para implementar a política que já é implementada de combate às drogas”, disse Torquato.

Além disso, ele aponta que a PEC das Drogas representa a garantia do comércio de substâncias ilícitas centralizado no crime organizado. “É a constitucionalização do monopólio do tráfico de drogas na mão do crime organizado. Ou seja, é um desserviço à sociedade o que o Congresso Nacional está prestes a fazer.”

O advogado ressalta que o desdobramento mais natural da PEC é o acirramento de uma disputa de narrativa, no âmbito da criminalização de usuários e da perseguição violenta ao varejo de tais substâncias, o que tem o potencial de impactar uma população já vulnerável, residente em áreas de pouca assistência social, de baixo desenvolvimento humano, como as periferias das grandes cidades e o interior dos estados.

“[Locais] onde o Poder Público se mostra muito deficiente na garantia dos direitos e garantias fundamentais – saneamento básico, educação, segurança – e onde os grupos armados têm uma presença mais efetiva, que é também onde o combate violento ao comércio dessas substâncias ocorre. Certamente, os jovens pretos periféricos que moram nessas zonas de baixo desenvolvimento humano, nas periferias, nas favelas, eles se tornarão ainda mais vulneráveis a uma política de repressão que é violenta, estigmatizante e criminalizante”, alerta.

Cristiano Maronna enfatiza que o voto do ministro do STF Alexandre Moraes, neste caso da descriminalização, escancarou o modo disfuncional como a lei de drogas é aplicada atualmente, já que a mesma quantidade para um jovem negro periférico caracteriza tráfico e para pessoas brancas em bairros nobres caracteriza uso pessoal.

“O ministro faz um verdadeiro libelo contra o sistema de justiça – polícia, Ministério Público e judiciário – ao reconhecer que, depois que a lei de drogas entrou em vigor, usuários negros, pobres, periféricos e com baixa instrução passaram a ser tratados como traficantes em comparação com pessoas brancas flagradas com a mesma quantidade de drogas. Para o Senado Federal, essa situação não é um problema, isso não sensibilizou os senadores”, disse.

Saúde

Em relação a pessoas que fazem uso abusivo de drogas, Maronna aponta que a PEC fala em tratamento e avalia que isso se configura “um risco de massificação das comunidades terapêuticas, de implementação de medidas higienistas, como a internação forçada, que tem um índice baixíssimo de eficácia”.

Erik Torquato reforça que o tratamento de pessoas que fazem uso abusivo de substâncias jamais poderia estar previsto numa norma de cunho criminal. “Tratar pessoas que são doentes dentro de uma norma penal é um contrassenso, é criminalizar a condição de saúde da pessoa. É dizer que uma pessoa está doente porque ela é criminosa, ou é criminosa por estar doente”, disse.

Segundo ele, a criminalização dessas pessoas, promove, na verdade, seu afastamento dos equipamentos de saúde, cuidado e atenção. “Nós estamos afastando essas pessoas de uma atenção humanizada, de uma política pública humanizada. É inadmissível tratar aquilo que é assunto de saúde pública numa norma criminalizante.”

Diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias aponta que a lei de drogas aprovada em 2006, embora tenha problemas, muda o olhar em relação ao usuário, passando a ter uma perspectiva mais humanista e integrativa, além de despenalizar.

“Quando se traz a criminalização de novo, novamente afasta esse cidadão da política de saúde pública. Tem aí um recado de que aquilo que ele faz é crime. E joga-se para debaixo do tapete um problema que é super importante de ser enfrentado a partir de uma perspectiva de saúde, a partir de uma perspectiva de educação, de conscientização”, avalia.

Ela reafirma a inconstitucionalidade da proposta de emenda à Constituição sobre as drogas, já que restringe as garantias fundamentais e individuais.

“São vários passos atrás, é um retrocesso tremendo e não existe nenhum precedente em outro país democrático de levar para a Constituição Federal a criminalização de qualquer droga”, finaliza.

A Agência Brasil pediu posicionamento do Ministério da Justiça e do Ministério dos Direitos Humanos sobre desdobramentos e impactos da PEC das Drogas em políticas públicas e no contexto de violação de direitos, mas não obteve resposta até a conclusão da reportagem.

Povos indígenas pedem prioridade em proteção, diz presidente da Funai

O Brasil tem cerca de 1,7 milhão de indígenas autodeclarados de 305 etnias, o que representa 0,83% do total de habitantes do país, de acordo com dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em referência ao Dia dos Povos Indígenas, na próxima sexta-feira (19), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) promove o chamado Abril Indígena 2024 durante todo o mês, com atividades que vão desde exposições, feiras, a ações de cidadania e inclusão dos povos tradicionais, valorização das culturas e ancestralidade e também marca a resistência e a luta deste segmento da população brasileira. Nesta semana de celebração da data, a presidente da entidade, Joenia Wapichana, concedeu entrevista aos veículos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Ela apontou que desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023, a fundação, criada há 56 anos, voltou a cumprir a missão institucional de defender os povos indígenas, após o que ela classifica como desmonte das políticas indigenistas, de proteção ambiental e de assistência a este grupo populacional.

Para Joenia, os desafios dos povos indígenas são, também, os da Funai, que tenta consolidar, principalmente, as demarcações e a proteção e gestão das terras indígenas; defesa de direitos, fortalecimento das comunidades para que possam desenvolver projetos de sustentabilidade e de bem-viver; a garantia de seus modos de vida tradicional, cultura e língua; promoção da segurança física; e proteção de povos isolados e de recente contato.

“A proteção para que os povos indígenas continuem a existir com as suas próprias identidades, e que não sofram violência porque são indígenas, é a grande demanda dos povos indígenas. Creio que continua sendo a número um. E que os direitos alcançados na nossa Constituição não sejam rasgados, nem retrocedidos”, prioriza.

Yanomami

A presidente da Funai, Joenia Wapichana, celebrou que, a partir desta semana, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), com apoio da Funai, iniciou a distribuição de cestas de alimentos aos yanomami, após o encerramento da operação militar pelo Exército, que fazia essas entregas desde o ano passado. As novas entregas vão garantir a segurança alimentar dessa etnia.

“A gente não quer ver ninguém morrendo de fome, quem tem fome tem urgência, e da mesma forma, nós estamos começando a discutir projetos de agricultura, de sustentabilidade, de segurança alimentar, porque a gente sabe que não vai ser só cesta de alimentos. Nós queremos retornar a dignidade do povo yanomami.”

A partir da contratação, por um ano, de uma empresa privada, será feita a distribuição de quase nove mil cestas de alimentos por mês. Ao todo, ao longo do ano, serão cerca de 20 mil horas de voo divididas em várias aeronaves para a entrega das cestas na Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima, até o povo retome as roças comunitárias sem risco de contaminação.

Mulheres e crianças yanomami em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A presidente esclareceu que as lideranças indígenas estão sendo consultadas para debater quais alimentos devem ser fornecidos. “A gente teve uma discussão recente, em Roraima, para conversar com os próprios yanomami e ye’kwana para falar sobre a composição dessas cestas básicas. Tudo para deixar de forma transparente todas essas operações, fazer o levantamento e estabelecer uma rotina de entrega [de alimentos] às comunidades. As coisas estão andando”.

Em fevereiro, o presidente Lula instituiu a Casa de Governo, em Boa Vista, capital de Roraima, para centralizar as ações do governo federal no território, que abriga a maior população indígena do país. Cerca de 27,15 mil pessoas vivem em 384 aldeias espalhadas em 9,5 milhões de hectares, localizados, entre os estados do Amazonas e de Roraima, na fronteira com a Venezuela.

A Casa de Governo chegou cerca de um ano depois de o governo federal declarar, em janeiro de 2023, emergência em saúde pública na terra yanomami. Desde então, órgãos federais tentam enfrentar a crise, fazer a desintrusão de invasores, e pôr fim às atividades de garimpo ilegal, que destroem o meio ambiente e contaminam os rios da região.

No ano passado, o Ministério da Saúde registrou 363 mortes de indígenas yanomami, causadas, sobretudo, por desnutrição e malária. Os óbitos foram 6% maior do que os registrados em 2022, 343 mortes nesta etnia. Joenia Wapichana explicou que o Poder Público tem atuado para reverter a situação e notificou que estes números estão sendo investigados para descobrir se houve subnotificação dos óbitos no governo anterior.

Demarcação de terras

Para a presidente da Fundação, entre os principais desafios da pasta está a demarcação de terras indígenas. Este direito constitucional visa garantir a autonomia e a proteção dos direitos dos povos indígenas, bem como sua participação na gestão e preservação desses territórios.

Joenia garante que, em 2023, a Funai voltou a tratar a demarcação de territórios indígenas como prioridade.

“No ano passado, criamos uma série de grupos [técnicos de identificação e delimitação] para constituir novas terras indígenas que resultaram em três delimitações: uma no Acre, no Pará e outra em Minas Gerais. Encaminhamos uma série de processos que não são de competência da Funai ao Ministério da Justiça. A ideia é, justamente, que não fiquem engavetados e se dê andamento às análises e contestações das áreas que foram publicadas ano passado,” disse.

Dados da Funai, de novembro de 2023, indicam 736 terras indígenas registradas no país. Juntas, as áreas representam aproximadamente 13,75% do território brasileiro, estando localizadas em todos os biomas, sobretudo na Amazônia Legal. Deste total, 132 terras indígenas estão em fase de estudos no processo de demarcação.

O órgão indigenista analisa ainda cerca de 490 reivindicações de povos indígenas.

Violência

Joenia afirma que, nessa segunda-feira (15), foi criado um grupo de trabalho para discutir os conflitos fundiários que envolvem os povos indígenas e aprimorar e padronizar um fluxo de atuação do órgão indigenista em casos de violência contra essa população, e que vai discutir a questão indígena em alguns estados.

“Para aprimorar o nosso relacionamento com outros órgãos, em conflitos, a gente precisa se alinhar [internamente] também e entender como serão nossas respostas, quando há reivindicações de indígenas relacionadas à Funai para dar respostas rápidas também,” afirmou.

Em janeiro deste ano, uma indígena pataxó hã-hã-hãe foi assassinada no município de Potiraguá, no extremo sul da Bahia, após conflito entre indígenas, policiais militares e fazendeiros.

Joenia disse que a Funai tem acompanhado as diferentes situações diretamente e por meio das coordenações regionais. Depois, os casos foram encaminhados para investigação nos órgãos competentes e pelo Ministério da Justiça para combater a impunidade e estabelecer segurança às vítimas e familiares, com apoio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).

“A disputa pela terra e a demora na demarcação dos territórios indígenas geram uma vulnerabilidade muito alta. Por isso, a gente prioriza que a demarcação e a proteção sejam consideradas como estratégias para conter a violência”, destacou a presidente da Funai.

O relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), apontou 158 registros de conflitos por direitos territoriais; e 309 casos de invasões, exploração ilegal de recursos (como madeira e minérios) e danos ao patrimônio, que atingiram 218 terras indígenas, em 25 estados.

De acordo com o mesmo estudo, em 2022, houve 416 casos de violência contra indígenas em 2022, sendo assassinatos (180); homicídios culposos (17); lesões corporais dolosas (17); tentativas de assassinato (28); ameaças de morte (27); ameaças várias (60); violência sexual (20); racismo e discriminação étnico-cultural (38) e abusos de poder (29).

Legislativo

Natural de Boa Vista (RO), Joenia Wapichana foi a primeira mulher indígena eleita deputada federal e exerceu o cargo de 2019 a 2022. Nas eleições de 2022, apenas cinco indígenas foram eleitos para a Câmara dos Deputados, entre eles a atual ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Joenia não se reelegeu e, em 2023, assumiu o cargo de presidente da Funai. Ela é a primeira mulher indígena advogada no Brasil e mestra em Direito Internacional pela Universidade do Arizona (EUA). 

Ela avaliou o posicionamento do Congresso Nacional em questões relativas aos povos indígenas.

Entre elas, em outubro passado, o Legislativo aprovou a Lei 14.701/2023, sobre o marco temporal das terras indígenas e, em dezembro, derrubou os vetos do presidente Lula à tese que estabelece que os povos indígenas somente teriam direito à demarcação de terras do Brasil que estavam ocupadas por eles na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Entidades envolvidas com a luta indígenas classificam o texto como uma negativa do direito de existir destes povos originários.

 Lideranças indígenas fazem passeata contra marco temporal na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Outra questão aprovada pelos congressistas, em maio de 2023, com impacto nas competências do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), foi a medida provisória (MP) sobre a estrutura ministerial do governo Lula. Pelo texto, o MPI deixou de homologar as terras de povos originários e a função foi devolvida ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

 “Acredito que um dia o nosso país possa ter um Congresso Nacional que possa ver as minorias, reconhecer a importância dos povos originários desse país, que possa, inclusive, respeitar o que aprovaram, naquela Casa, a nossa Constituição Federal. É o mínimo que se espera. Eu sei que às vezes a gente fala que é um sonho, mas é o sonho que a gente compartilha com todos os povos indígenas, que não querem mais do que seus direitos respeitados e implementados,” destacou.

“A vida dos povos indígenas nunca foi fácil, nunca. Isso é histórico. Os povos indígenas têm uma história de resistência no Brasil, desde o primeiro momento em que chegaram os não indígenas. O Brasil sabe somente dessa história do colonialismo. Não sabe a parte que, durante esse tempo todo na história, se romperam muitas barreiras, como as barreiras da sua própria voz de poder falar por si só.”

Mulheres indígenas

Além de uma presidente mulher, a atual diretoria do órgão federal responsável pela política indigenista brasileira é formada por mulheres. Em relação às indígenas, Joenia afirma que a Funai atua para que elas sejam respeitadas, apoia a não discriminação a elas e reforça o papel dessas mulheres e meninas na promoção do bem viver, sempre considerando a diversidade e a especificidade de cada povo.

“Não quero ver as mulheres vítimas de violência, tanto física, moral, social. As mulheres têm um potencial muito grande nas suas lideranças indígenas, para ocupar qualquer espaço que elas queiram como eu ocupei e estou ocupando,” destacou.

“[Quero] que as mulheres indígenas se sintam fortalecidas pela sua luta, pela sua história. Cada uma de nós tem uma história e contribuiu, sim, com o direito dos povos indígenas. Elas sofrem muitas vezes, duas ou três vezes, uma violência por serem mulheres. Mas que estejam convictas, que elas exercem o papel fundamental dentro da nossa sociedade, tanto como indígena também, como não indígena brasileira.”

As mulheres indígenas também estão entre os brigadistas contratados pelo Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) para atividades de prevenção e combate a incêndios florestais. Do total de contratados em 2023, foram 80 mulheres, sendo 24 indígenas.

Cidadania, autonomia e protagonismo

Joenia destacou que à frente da Funai quer promover também o desenvolvimento sustentável com projetos para garantir a autonomia e protagonismo dos povos. Com esse entendimento, a Funai criou o Selo Indígenas do Brasil, em janeiro deste ano, que atesta que um produto (agrícola, artesanal ou extrativista) foi cultivado ou coletado por um indígena, em uma terra originária.

O objetivo é valorizar e identificar a cultura dos povos originários. O selo informa os nomes da etnia do produtor, seja pessoa física ou jurídica, e identifica a terra indígena onde foi produzido. A iniciativa da Funai, que agrega valor à cadeia produtiva, é conjunta com os ministérios dos Povos Indígenas (MPI) e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

No Concurso Público Nacional Unificado para preencher vagas na Funai, serão oferecidas 502 vagas, entre cargos de níveis médio e superior. Deste total, 30% (150) serão destinados a pessoas indígenas. O objetivo da fundação é ter uma política mais inclusiva e representativa e evitar desistência das vagas por não indígenas.

No Abril Indígena 2024, a Funai tem realizado ainda ações em alguns territórios de acesso à documentação civil para indígenas garantirem direitos sociais e de cidadania, como qualquer outro cidadão brasileiro.

Números

O Censo 2022 do IBGE retrata que do total de indígenas autodeclarados (1,7 milhão, de 305 etnias), mais da metade deles — 51,25% ou 867,9 mil indígenas — vive na Amazônia Legal.

Os indígenas estão presentes em 86,7% dos municípios. Os dois estados com maior número de pessoas indígenas, Amazonas (490,9 mil) e Bahia (229,1 mil), concentravam 42,51% do total dessa população. No território brasileiro, são falados 274 idiomas pelos povos brasileiros. Antes da colonização portuguesa, estima-se que este número chegou a 1.200 línguas, responsáveis pela transmissão oral de saberes ancestrais.

Regulação da IA precisa proteger direitos fundamentais, diz Barroso

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, defendeu, nesta sexta-feira (12), a regulamentação da Inteligência Artificial (IA) baseada na proteção de direitos fundamentais. A declaração foi durante a Aula Magna da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).

Barroso disse que a regulação da Inteligência Artificial precisa estar voltada para direitos constitucionais como privacidade, liberdade cognitiva e liberdade de expressão. “Precisa proteger a democracia, combatendo a desinformação, o discurso do ódio e o esforço a subalternizar os grupos mais vulneráveis, e os ataques à democracia, tornando as informações minimamente transparentes e inteligíveis às pessoas”, destacou.

O presidente do STF disse que a Inteligência Artificial vai trazer benefícios para a humanidade.“A Inteligência Artificial surge com a promessa de muitos benefícios para tornar nossa vida melhor. Terá capacidade de tomar decisões com mais eficiência que os seres humanos, pois tem a capacidade de armazenar mais dados que o cérebro humano. Também vai permitir a automação de muitas atividades, incluindo as atividades de risco. E ainda vai revolucionar a medicina, na descoberta de cura para doenças; o Direito, na celeridade da prestação jurisdicional, a educação, enfim, todas as áreas”.

Apesar disso, o ministro apontou que um dos riscos nessa questão é em relação ao mercado de trabalho. “Muitos empregos vão desaparecer. Embora outros venham a surgir, não acontecerão na mesma velocidade. Há, também, um medo imenso do uso bélico da Inteligência Artificial. Existem armas letais autônomas que são capazes de tomar decisões próprias de ataque, o que geram problemas éticos imensos. Outro perigo que estamos enfrentando é a massificação da desinformação”, avaliou. 

O ministro Luís Roberto Barroso falou também da importância da preservação dos valores éticos que servem de base para os princípios da humanidade. “Apesar de todas as modernidades que já vimos e que ainda vamos ver, ainda são os antigos valores éticos que devem pautar a vida na terra: o bem, a justiça e a dignidade humana”.

Entenda em quais casos a saidinha de presos fica permitida ou proibida

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou com vetos a lei aprovada pelo Congresso para restringir a chamada “saidinha” dos presos em regime semiaberto, que têm o direito de cinco saídas anuais, incluindo para visita a familiares. 

No último dia do prazo, Lula decidiu vetar o dispositivo que excluía a visita a familiares como um dos motivos para a saída temporária de presos. Também foi vetado o trecho que acabava com a possibilidade de saída para atividades de ressocialização. 

Os vetos já haviam sido antecipados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, em anúncio feito na quinta-feira (11). “Nós entendemos que a proibição de visita às famílias dos presos que já se encontram no regime semiaberto atenta contra valores fundamentais da Constituição, contra o princípio da dignidade da pessoa humana”, disse Lewandowski. 

O conselho foi acatado por Lula. Outros pontos da nova lei, contudo, foram sancionados pelo presidente. Entre eles, o artigo que veda a saída temporária para os condenados por crimes hediondos e o que prevê o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica para quem usufrui do direito da saidinha. 

Os vetos de Lula ainda podem ser derrubados pelo Congresso Nacional. O projeto de lei para restringir a saída de presos foi aprovado com margem ampla no Senado – 62 votos favoráveis e dois contrários. Na Câmara, o projeto foi aprovado com votação simbólica, sem registro individual dos votos, tamanho o consenso sobre a matéria. 

Enquanto os vetos não são analisados por deputados e senadores, vale a lei da forma como foi sancionada pelo presidente. Com isso, os presos continuam a ter direito de visitar a família em feriados, em saídas temporárias de sete dias. 

O direito às saídas temporárias existe desde 1984, quando foi sancionada a Lei de Execuções Penais. Em entrevista à Agência Brasil, especialistas do tema avaliam que a extinção da saidinha não se configura uma solução para queda na criminalidade. 

Entenda como ficou a saída temporária de presos conforme a lei sancionada e publicada no Diário Oficial da União (DOU): 

Os presos no semiaberto mantêm o direito a cinco saídas anuais de sete dias, que podem ser utilizadas para: 

          – Visita a familiares, em especial em feriados, como Páscoa e Natal. 

          – Participação em atividades sociais (ressocialização). 

          – Freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

Os critérios a serem observados são: comportamento adequado na prisão; cumprimento mínimo de 1/6 da pena, se o condenado for primário, e 1/4, se reincidente; e compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
Ficam proibidas as saídas temporárias para presos no regime semiaberto que tenham cometido crimes hediondos ou com violência ou grave ameaça, como estupro ou homicídio. 
Passa a ser obrigatória a realização de exame criminológico para que o preso possa progredir do regime fechado para o semiaberto, e assim ter acesso ao direito às saidinhas. 
Os presos que progridem do regime semiaberto para o aberto devem ser obrigatoriamente monitorados eletronicamente, por meio de tornozeleiras eletrônicas. 
Conforme regras que já valiam antes, para ter direito ao benefício, o preso precisa obter autorização do juiz responsável por sua execução penal e parecer positivo do Ministério Público e da administração prisional.