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Ministra mantém indenização de Deltan a Lula por caso de powerpoint

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou nesta segunda-feira (22) recurso para suspender a decisão que condenou o ex-procurador da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol a indenizar em R$ 75 mil o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo “caso do powerpoint”.

A ministra rejeitou o recurso por motivos processuais. No entendimento de Cármen Lúcia, não cabe o recurso extraordinário para reverter a condenação do ex-procurador.

Em 2016, então chefe da força-tarefa da Lava Jato, Dallagnol fez uma apresentação de powerpoint para acusar Lula, que era investigado pela operação, de chefiar uma organização criminosa. Posteriormente, os processos foram anulados após o STF considerar o ex-juiz Sergio Moro parcial na condução da investigação.

Em março de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou Deltan Dallagnol ao pagamento de R$ 75 mil em danos morais a Lula.

Na ocasião, Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula e atual ministro do STF, questionou a conduta funcional de Dallagnol. Segundo ele, o ex-procurador e outros integrantes da Lava Jato usaram a apresentação de powerpoint para acusar o ex-presidente de atuar como “comandante e maestro de uma organização criminosa”.

Para o STJ, o ex- procurador usou termos desabonadores e linguagem não técnica em relação ao então ex-presidente.

Gilmar Mendes: “Lava Jato terminou como uma organização criminosa”

Em seu gabinete, na cobertura do prédio anexo do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes despacha cercado de fotos com jogadores e personalidades do futebol brasileiro. Os livros jurídicos dividem espaço nas paredes com bolas, troféus, medalhas e dezenas de camisetas de times autografadas. “Pelezista” declarado, o ministro também ostenta diversos quadros com fotos tiradas ao lado do eterno Camisa 10 da seleção brasileira.

Decano do STF, com 22 anos de toga, Mendes recebeu as equipes da Agência Brasil e da TV Brasil nesse espaço depois das 20h de uma terça-feira. Ainda terminava seu jantar, na mesma mesa de reuniões usada para o trabalho, mas não se perturbou ao perceber a entrada de jornalistas e da equipe de imagem. “Tudo bem, como vai?”, cumprimentou, antes de retomar a refeição.

O ministro Gilmar Mendes durante entrevista exclusiva em seu gabinete – Valter Campanato/Agência Brasil

Pouco avesso a sorrisos, como de costume, retirou-se para uma sala anexa após o jantar para, minutos depois, retornar para a entrevista. Sentou-se calmamente na cadeira de seu gabinete, já sabedor do tema da conversa.

A história acabou por lhe dar razão, após ser criticado nos primeiros anos de Operação Lava Jato. E foi assim que discorreu sobre o tema, com a tranquilidade de quem não se perturbou diante dos mitos e heróis sem capa surgidos durante esse período. Essas mesmas figuras seriam destronadas com o passar do tempo.

O início da operação completa dez anos neste domingo, dia 17 de março e, para o ministro, o balanço é “marcadamente negativo”. Em sua opinião, a única lição aprendida pelo país foi a de não combater o crime praticando outros crimes. Gilmar Mendes afirma ter sido ele a primeira voz a se levantar contra os abusos da operação, como as prisões alongadas em Curitiba e as delações inconsistentes.

O ministro estabelece uma relação contraditória entre a Lava Jato e as atividades que a operação buscava combater.

“Na verdade, a Lava Jato terminou como uma verdadeira organização criminosa, ela envolveu-se em uma série de abusos de autoridades, desvio de dinheiro, violação de uma série de princípios e tudo isso é de todo lamentável”.

Durante a operação, Gilmar Mendes foi figura central em decisões importantes para os rumos da Lava Jato. Entre elas, a que declarou a incompetência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba e anulou as ações penais contra Luiz Inácio Lula da Silva. O magistrado também votou para considerar o ex-juiz Sergio Moro parcial em processos da operação.

Confira os principais trechos da entrevista:  

Agência Brasil: Ministro, a Operação Lava Jato completa dez anos no dia 17 de março, o senhor acha que a Lava Jato foi boa ou ruim para o Brasil? Qual é o saldo?
Gilmar Mendes: Eu acho que a Lava Jato fez um mal enorme às instituições. Bem inspirada talvez, no início, ela acabou produzindo uma série de distorções no sistema jurídico político. Por isso, o meu balanço é marcadamente negativo. Mas é claro que nós aprendemos da história, inclusive dos fatos negativos na vida dos povos, na vida das nações. Então, alguém sempre poderá dizer algo positivo. Nós aprendemos como não fazer determinadas coisas. E, nesse sentido, se pode até extrair aspectos positivos. O que a gente aprendeu? Eu diria em uma frase: não se combate o crime cometendo crimes. Na verdade, a Lava Jato terminou como uma verdadeira organização criminosa, ela envolveu-se em uma série de abusos de autoridades, desvio de dinheiro, violação de uma série de princípios e tudo isso é de todo lamentável.

Agência Brasil: Hipoteticamente: temos uma suspeita de corrupção no Brasil. Como agir corretamente, como proceder?
Mendes: A primeira coisa é não inventar a roda, é fazer aquilo que se tem que fazer, deixar que as autoridades policiais façam as investigações, que o Ministério Público faça o seu acompanhamento. Hoje, o país dispõe de uma série de instrumentos para isso. E não imaginar que nós vamos ter heróis voadores, que vamos ter pessoas que resolvem com um milagre a questão da corrupção no país. E fazer as coisas com o devido processo legal. Acho que isso é extremamente importante. Investigações espetaculares, tonitruantes, a gente tem aí aos montões e depois nós temos apenas um resto de lixo em anulações, em não há aproveitamento de provas, como acabou ocorrendo aqui na Lava Jato. Acho que o que a Lava Jato vai ensinar ao sistema jurídico processual brasileiro é como não se fazer determinadas coisas e ensinar que nós devemos ser extremamente cautelosos em relação a essas questões, aos procedimentos jurídicos, para não produzirmos situações estapafúrdias.

Agência Brasil: A punição às empresas e às pessoas foi além da conta?
Mendes: Tudo o que é excessivo e tudo que é indevido, certamente, é além da conta. Nós vamos ter que discutir isso agora. Certamente, muitos vão dizer: ‘ah, tem réus confessos que estão sendo isentados de culpa por conta de falhas processuais’, mas é assim no Estado de Direito em qualquer lugar. Então, não há nenhuma surpresa em relação a isso e vamos ter que fazer também um exame caso a caso, isso não se resolve em um juízo completo, direto. E é isso que nós estamos fazendo e temos feito, tivemos o processo do Lula e outros. Então, me parece que nós fomos de uma euforia quase alcoólica a uma depressão, e os dois estados não são bons. É importante que nós estejamos atentos para fazermos o trabalho de maneira correta e acho que é isso que nós temos que inculcar nos agentes policiais, nos agentes de Receita, nos agentes investigadores todos, do Ministério Público e os próprios juízes.

Agência Brasil: Muito antes da Vaza Jato, o senhor já dizia que o STF teria um encontro marcado com a Operação Lava Jato, o que que havia? O que o senhor ouvia nas audiências com os advogados, qual era a percepção na época?
Mendes: Já se disse que o problema do diabo não é que ele seja o diabo, né? É que ele é velho, ele é experiente. Então, a gente aprende a fazer essas leituras e colhe também experiências. A primeira coisa que eu vi, acho que foi em 2015, foram as prisões alongadas de Curitiba. E, claro, os advogados passaram a dizer que as prisões alongadas eram utilizadas como uma forma de tortura para obter delações. E delações que muitas vezes se mostraram inconsistentes. Delações que muitas vezes se transformaram em acordos de leniência, por isso os questionamentos de agora. Então, nós tivemos toda a essa situação e eu fui talvez a primeira voz a levantar contra essa situação.

E depois ganhei a convicção de que não se tratava apenas de uma irregularidade procedimental ou processual e que na verdade nós estávamos diante de um movimento político, como depois se revelou no contexto geral: [Sergio] Moro [virou] o ministro da Justiça de Bolsonaro, Deltan Dallagnol, um ativista político. E a gente também descobriu, isso é uma coisa bastante peculiar, que o volume de dinheiro com o qual eles se envolviam também os estimulou a ter suas próprias empresas ou participar disso. Aí surge a tal Fundação Dallagnol lá em Curitiba. Aqui em Brasília surge também algo semelhante com a tal Operação Greenfield. A gente descobre que esses nossos ‘combatentes da corrupção’ gostavam muito de dinheiro, o que é uma contradição nos próprios termos. O ministro Salomão [Luis Felipe Salomão, corregedor Nacional de Justiça] está encerrando um trabalho sobre essa questão e diz que há uma quantia perto de R$ 1 bilhão que não se sabe para onde foi, do dinheiro que estava depositado na vara em Curitiba. Então, isso precisa ser esclarecido.

Agência Brasil: O senhor já disse anteriormente que todo o sistema político e o governo na época da Lava Jato foram ingênuos. Como o senhor avalia o comportamento do STF nesse período?
Mendes: A Operação Lava Jato não era uma operação puramente judicial, policial ou de investigação administrativa, eles fizeram uma força-tarefa e lograram um apoio público muito grande, um apoio de mídia. E eu tenho a impressão que esse apoio de mídia teve também um efeito inibitório sobre o Supremo Tribunal Federal. Eu acompanhei os primeiros habeas corpus desde 2014, que começaram a chegar, o ministro Teori  [ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF] era o ministro relator e havia já essa força não só de Moro e de sua equipe, mas também da Procuradoria-Geral, Janot [Rodrigo Janot, então PGR]. E é capaz que o Tribunal naquele momento não tenha tido a leitura devida de todas as questões envolvidas do ponto de vista político, e isso demorou a se consolidar. Tanto é que quando eu mesmo assumo um papel de mais crítico do sistema fico também um pouco isolado e a mídia toda dizia: “essa decisão parece contrariar a Lava Jato”, como se a gente estivesse contrariando Roma ou falando mal do papa. Então, havia um domínio em relação a isso. E houve até operações que foram feitas nesse espírito, ainda que não conduzidas pela Lava Jato, por exemplo, aquela operação do Joesley [Batista, ex-presidente da JBS] vis-à-vis ao presidente da República Michel Temer em que, obviamente, o que o presidente disse foi uma coisa, o que foi divulgado foi outra. E isso foi divulgado pela Globo, portanto em uma combinação certamente do procurador-geral Janot com a direção da Globo ou setores de mando na instituição. Depois se viu que aquilo era falso.

Agência Brasil: Ministro, se a Vaza Jato não tivesse acontecido, qual teria sido desfecho da Operação Lava Jato, na sua avaliação?
Mendes: Eu tenho impressão, por exemplo, que no meu processo, que foi talvez um turning point nessa questão, que foi o processo do presidente Lula sobre a suspeição, eu até disse isso no voto: nós tínhamos uma perspectiva já de afirmação da suspeição com os elementos existentes nos autos. Acho que teríamos chegado ao mesmo resultado, mas é inegável que a Vaza Jato mostrou que o rei estava nu. Mostrou como eram feitos os pastéis e como eles eram malfeitos. Então, tudo aquilo que nós supúnhamos ou intuíamos foi confirmado.

Agência Brasil: Houve desvio, mas também houve muito prejuízo para dezenas de empresas que foram prejudicadas. Como combater a corrupção sem a derrocada da economia?
Mendes: Eu acho que esse também é um aprendizado. Naquele momento, me parece que o Brasil estava vivendo uma fase muito peculiar: o governo Dilma débil, fraco, vem o governo Temer também acusado, envolto naquelas mesmas circunstâncias. O sistema político estava no chão, e os procuradores e o próprio Moro eram como se déspotas esclarecidos, ou nem tanto, podiam fazer o que quisessem. Acho que é um modelo de difícil reaplicação hoje. Então, dificilmente todas essas circunstâncias históricas vão se consolidar para uma tal situação. Mas eu me pergunto se não é o caso de, de fato, nós mudarmos a legislação e eventualmente separarmos a empresa e pensarmos inclusive em modelos de direito comparado para eventualmente punirmos os agentes empresariais e separamos a empresa. Há empresas que empregavam 150 mil pessoas hoje empregam 14, empresas que foram destruídas. E há também todo um discurso de que isso também se fez atendendo a interesses internacionais. E nem isso a gente pode negar peremptoriamente.

*Colaborou Marcelo Brandão

De juízes a políticos: ascensão, queda e redenção na Lava Jato

A Operação Lava Jato completa dez anos neste 17 de março, data da deflagração da primeira fase das investigações que desbarataram o maior esquema de desvios de recursos públicos apurado na história do país.

Ao longo dos anos, a população brasileira passou a acompanhar as buscas apreensões e prisões solicitadas pelo então procurador da República Deltan Dallagnol e autorizadas pelo então juiz Sergio Moro, responsável pela 13ª Vara Federal em Curitiba.

Após dez anos de apurações e 79 fases da operação, a Lava Jato da capital paranaense chegou ao patamar de R$ 4,3 bilhões devolvidos à Petrobras, R$ 111 milhões recuperados a partir de acordos de delação, além de 163 prisões temporárias e 553 denunciados.

Apesar dos resultados obtidos no combate à corrupção, os responsáveis pela condução da operação sofreram reveses no Supremo Tribunal Federal (STF).

Com o andamento das investigações, a atuação de Moro, Dallagnol e de outros procuradores passou a ser contestada por ministros do STF, pela defesa dos acusados e pela sociedade. Ganhava força a acusação de uma atuação parcial e com motivação política por parte dos responsáveis pela operação, principalmente após os episódios envolvendo o presidente Luiz Inácio Lula Silva.

Dez anos depois e após diversas derrotas no Supremo, o país viu Moro e Dallagnol deixarem suas carreiras e se aventurarem na política.

A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba foi encerrada em 2021 pelo procurador-geral da República (PGR) à época, Augusto Aras. Os processos remanescentes são acompanhados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

Confira onde estão os principais personagens da Lava Jato de Curitiba dez anos após a primeira fase da operação:

Sergio Moro

Principal juiz que atuou na Lava Jato, Moro ganhou notoriedade ao comandar a 13ª Vara Federal em Curitiba. Durante o período em que esteve no comando das investigações, ele determinou a prisão de doleiros, empreiteiros, políticos e de Luiz Inácio Lula da Silva, que também foi investigado pela operação.

O ex-magistrado esteve envolvido nas principais polêmicas da operação. Em 2016, Moro determinou a condução coercitiva de Lula para prestar depoimento sobre o processo do triplex do Guarujá. Dois anos depois, o STF anulou a medida.

Responsável por colocar políticos no banco dos réus, Sergio Moro se tornou ministro de Bolsonaro e hoje ocupa uma cadeira no Senado – Foto – Lula Marques/ Agência Brasil

Também em 2016, Moro divulgou um áudio captado nas investigações entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff. No diálogo, Dilma informa a Lula que estava enviando Jorge Messias, atual advogado-geral da União e então assessor jurídico da Presidência (que à época ficou conhecido como “Bessias”), para entregar o documento que o nomearia para a Casa Civil.

O Supremo anulou a decisão de Moro que retirou o sigilo do grampo telefônico. A Corte entendeu que o ex-juiz não poderia ter alegado “interesse público” para divulgar a gravação.

Em 2018, uma semana antes do primeiro turno das eleições presidenciais, Moro retirou o sigilo da delação do ex-ministro Antônio Palocci, que apontou a suposta cobrança de propina para aprovação de medidas provisórias nos governos anteriores de Lula. Posteriormente, o Supremo também anulou a decisão.

Após a eleição daquele ano, vencida por Jair Bolsonaro sobre Fernando Haddad, candidato apoiado por Lula, Moro pediu demissão do cargo de juiz, onde permaneceu por 22 anos. Em seguida, aceitou o convite de Bolsonaro para ser ministro da Justiça do novo governo.

Em junho de 2019, reportagens divulgadas pelo site Intercept revelaram diálogos que mostraram as conversas entre Moro e os procuradores da Lava Jato. O caso ficou conhecido como “Vaza Jato”. As mensagens levaram o Supremo a considerar Sergio Moro parcial no comando de processos e das ações contra Lula.

Em abril de 2020, Moro deixou a pasta após 16 meses no cargo e desavenças com Bolsonaro. Em outubro de 2022, ele disputou as eleições e foi eleito senador pelo Paraná com 1,9 milhão de votos. No próximo mês, a Justiça Eleitoral vai decidir se o parlamentar será cassado por abuso de poder econômico durante sua campanha.

Deltan Dallagnol

O ex-procurador da República Deltan Dallagnol chefiou a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba entre 2014 e 2020. Ele tinha a função de realizar as investigações, pedir prisões e quebras de sigilo a Sergio Moro durante as investigações.

A atuação do ex-procurador passou a ser contestada em 2016, quando ele realizou uma entrevista coletiva à imprensa para informar os detalhes da primeira denúncia da operação contra Lula. Durante a entrevista, ele apresentou um powerpoint com palavras-chave direcionadas ao nome do presidente.

Na época, os advogados de Lula contestaram a conduta funcional de Dallagnol. Segundo eles, o ex-procurador e outros integrantes da Lava Jato usaram a apresentação de powerpoint para acusar o ex-presidente de atuar como “comandante e maestro de uma organização criminosa”.

Em março de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou Deltan Dallagnol ao pagamento de R$ 75 mil em danos morais a Lula por causa da apresentação.

Dallagnol passou de procurador da força-tarefa da Lava Jato a deputado federal cassado. Aliado de parlamentares de extrema-direita, saiu pela porta dos fundos da Câmara. Foto – Lula Marques/ Agência Brasil

Ao longo de sua atuação na Lava Jato, Deltan também foi punido com pena de advertência pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) após afirmar, em uma entrevista à Rádio CBN, que o Supremo “passa imagem de leniência com a corrupção” em suas decisões.

A criação de uma fundação, apelidada de “Fundação Dallagnol”, para gerir cerca de R$ 2 bilhões recuperados dos prejuízos causados na Petrobras também foi questionada durante o período de atuação do procurador. O acordo foi suspenso pelo STF.

Diante dos revezes que sofreu, Deltan anunciou seu pedido de demissão do Ministério Público Federal (MPF) e disputou as eleições de 2022. Eleito deputado federal pelo Paraná, foi o parlamentar mais votado do estado e recebeu mais de 340 mil votos nas eleições do ano passado.

Contudo, em maio do ano passado, Dallagnol teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Conforme a decisão, o ex-procurador pediu exoneração do MPF no dia 3 de novembro de 2021, quando já havia sido condenado pelo CNMP a pena de censura e de advertência e ainda tinha 15 procedimentos diversos, e desfavoráveis a ele, em tramitação no órgão.

Para a maioria dos ministros do TSE, o objetivo de Deltan foi fazer “uma manobra” para evitar a perda do cargo e o enquadramento na Lei da Ficha Limpa.

Cristiano Zanin

Principal defensor de Lula na Lava Jato, Cristiano Zanin atuou como advogado de Lula e se tornou ministro do Supremo no terceiro mandato do presidente.

Desde o início das investigações, Zanin defendeu a tese jurídica do lawfare, que significa usar a legislação de forma ilegal para perseguição política.

Depois de sofrer várias derrotas na justiça ao defender seu cliente, Lula, Zanin viu o jogo virar quando sua tese de defesa foi aceita no STF. O advogado se tornaria ministro do Supremo anos depois. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Após diversas decisões negadas em desfavor de Lula e diversos embates com Sergio Moro, no dia 7 de novembro de 2019, Zanin saiu vitorioso quando Supremo determinou a soltura do seu cliente após reconhecer sua tese de defesa e anular os processos.

Em 2023, Zanin foi indicado por Lula, que voltaria à Presidência da República no início daquele ano, para assumir a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal deixada por Ricardo Lewandowski, aposentado compulsoriamente. Seu nome foi aprovado no Senado e ele tomou posse em agosto.

Gabriela Hardt

A juíza Gabriela Hardt atuou como substituta de Moro na 13ª Vara Federal em Curitiba e também determinou diligências e prisões dos acusados. A magistrada se tornou conhecida nacionalmente após realizar um dos depoimentos de Lula na Lava Jato. Em certo ponto da oitiva, ela disse a Lula: “Se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”.

Atualmente, ela trabalha na Terceira Turma Recursal da Justiça Federal no Paraná. Gabriela responde a processo no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela suspeita de deixar de tomar providências após ser alertada de supostas ilegalidades, denunciadas pelo réu Tony Garcia, que teriam sido cometidas por Moro e ex-procuradores.

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi o procurador-geral da República responsável pela parte da investigação que teve como alvo deputados federais e senadores. O auge da atuação do procurador foi em março de 2015, quando cerca de 80 parlamentares citados em depoimentos de delação premiada foram denunciados ao Supremo, por meio da chamada “Lista do Janot”.

Autor da lista bombástica que denunciou cerca de 80 parlamentares, Janot deixou os holofotes pós sair da PGR. Revelou em entrevista seu pouco apreço pelo ministro do STF Gilmar Mendes. Foto – Antonio Cruz/Agência Brasil

Além de defender a condenação dos acusados, a passagem de Janot pela PGR também foi marcada por atritos com o ministro Gilmar Mendes. Em uma entrevista, ele disse que já foi armado ao STF com intenção de matar o ministro. Ao rebater o ex-procurador, Mendes declarou que o Brasil se tornara “refém de fanáticos”.

Janot se aposentou da PGR em 2019. A última aparição pública foi na posse do atual procurador, Paulo Gonet.

Alberto Yousseff

O doleiro Alberto Youssef foi o principal investigado pela Operação Lava Jato. Acusado de operar os pagamentos de propina de empreiteiros e políticos, foi condenado a mais de 100 anos de prisão, mas está em liberdade devido ao acordo de delação premiada. Ele mora em Santa Catarina.

Antes da Lava Jato, Youssef também foi condenado no Caso Banestado, em 1998. O doleiro foi acusado de ser responsável por dezenas de contas-fantasmas para envio de dinheiro de origem ilícita para fora do país. Na época, ele também assinou um acordo de delação no qual se comprometeu a não voltar a cometer crimes.

Teori Zavascki

O ministro do STF Teori Zavascki, relator dos processos da Lava Jato na Corte, morreu durante as investigações da operação. No dia 19 de janeiro de 2017, o ministro, de 68 anos, foi vítima de um acidente aéreo em Paraty (RJ).

A atuação do ministro foi marcada pela atuação firme contra a corrupção, mas com críticas à operação. Em um dos episódios, Teori determinou o envio de investigação sobre Lula ao Supremo. O processo estava nas mãos de Moro.

A determinação ocorreu após a divulgação do áudio com as conversas entre Lula e Dilma. “Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se operou”, afirmou na época.

A trágica morte de Teori Zavarski em um acidente aéreo ocorreu no auge da operação. Foto: Arquivo/José Cruz/Agência Brasil

A morte do ministro ocorreu quando ele ainda trabalhava para homologar as delações premiadas que citaram deputados federais e senadores. Coube à ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF, assinar as homologações de forma emergencial para garantir o andamento das investigações.

O avião bimotor que transportava Teori Zavascki e mais quatro pessoas, incluindo o piloto, caiu no mar próximo a Paraty. Além do ministro, o empresário Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, proprietário do Hotel Emiliano, em São Paulo, também faleceu. Falha humana é apontada com a principal causa do acidente.

Eduardo Cunha

O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha foi responsável pela abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Investigado pela Lava Jato, Cunha teve seu mandato cassado em 2016 sob a acusação de mentir durante a CPI da Petrobras. Acusado de manter contas na Suíça com recursos oriundos de propina, Cunha declarou à comissão que era apenas “usufrutuário” dos recursos.

Autor da frase “que Deus tenha misericórdia desta nação” ao presidir a sessão que votou pelo impeachment de Dilma Rousseff, Cunha foi preso menos de um ano depois. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Após 11 meses de tramitação do processo de cassação na Câmara, Cunha foi cassado em setembro de 2016 por 450 votos a 10. Chegou a ficar preso do fim de 2016 ao início de 2020. Por ter se tornado inelegível, ele deveria ficar afastado da política até 2027, mas teve uma das condenações anuladas pelo STF.

Nas eleições de 2022, Cunha se candidatou a uma cadeira na Câmara, mas recebeu apenas 5 mil votos e não foi eleito. Contudo, sua filha, a deputada federal Dani Cunha (União-RJ), conquistou uma vaga na Casa.

Paulo Roberto Costa

Costa foi diretor de abastecimento da Petrobras e um dos delatores do esquema de corrupção na Petrobras. Ele detalhou aos investigadores os repasses de propina a políticos e o funcionamento das fraudes em contratos da estatal. Condenado a uma pena de mais de 70 anos, o ex-diretor morreu em 2022, aos 68 anos de idade, vítima de um câncer no pâncreas.

Pedro Barusco

Outro delator da Lava Jato, o ex-gerente da Petrobras Pedro Barsuco ficou conhecido por devolver US$ 100 milhões desviados da estatal. Ele foi condenado a 15 anos de prisão, mas fechou acordo de colaboração e está em liberdade.

Nestor Cerveró

O ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró também foi um dos delatores da operação e está em liberdade. Ele chegou a ser condenado a cinco anos de prisão por comprar um apartamento com dinheiro oriundo de lavagem de dinheiro, mas passou a cumprir medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica.

“Japonês da Federal”

Newton Ishii, ex-agente da PF, ficou conhecido em todo país como o “japonês da Federal” ao realizar a escolta dos presos na operação. Atualmente, ele está aposentado. Antes de deixar a carreira, Ishii foi condenado por contrabando, crime que teria cometido no período em que atuou em Foz do Iguaçu (PR), na fronteira com o Paraguai.

“Hilbert da Federal”

O policial federal Jorge Chastalo ficou conhecido como “Hilbert da Federal”, devido à semelhança física com o ator Rodrigo Hilbert. O agente foi responsável pela carceragem da PF em Curitiba durante o período em que Lula esteve preso. Em 2020, ele foi para a embaixada do Brasil no Peru, onde atuou até dezembro do ano passado como adido adjunto da PF. De volta ao Brasil, ele pretende lançar um livro para contar o período que passou com o presidente na carceragem da PF.

Lava Jato completa 10 anos com resultados em xeque e prestígio abalado

Contas no exterior, em paraísos fiscais como Suíça e principado de Mônaco, com milhões de dólares ou euros ocultos. Diretores da Petrobras presos preventivamente por meses a fio. Políticos condenados e encarcerados. Enormes “propinodutos” jorrando maços de dinheiro ao vivo no Jornal Nacional. Dez anos após o início da Lava Jato, completados neste domingo (17), tais cenas espetaculares permanecem vívidas na memória do brasileiro.

A operação em si já ficou no passado. O marco para seu fim foi o desmonte oficial da força-tarefa de procuradores, em 3 de fevereiro de 2021, anunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) sob comando do então procurador-geral da República, Augusto Aras, um crítico da operação. O sentimento antipolítica que a Lava Jato turbinou, contudo, segue se desdobrando na sociedade brasileira, por vezes de maneiras autoritárias e contrárias à democracia, apontam pesquisadores, cientistas políticos e juristas ouvidos pela Agência Brasil.

Alguns resultados da Lava Jato não resistem bem ao passar do tempo. Condenações anuladas, denúncias rejeitadas e acordos renegociados tomaram conta do noticiário sobre a operação, que teve o prestígio abalado depois da Vaza Jato, como ficou conhecido o vazamento de conversas entre o ex-juiz Sergio Moro e a antiga força-tarefa da operação. Obtido por meio de uma invasão ilegal aos celulares das autoridades, o material foi publicado em junho de 2019 pelo portal The Intercept Brasil.

Mesmo antes do vazamento das mensagens, já era possível perceber como as escolhas da força-tarefa poderiam acabar mal. Um dos maiores abalos na reputação da operação se deu quando, no fim de 2018, o ex-juiz Sergio Moro, à frente da Lava Jato desde seu início, decidiu deixar a magistratura para ser ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro, dando assim razão aos que apontavam motivações político-partidárias na sua atuação.

Para o cientista político Fábio de Sá, ida de Moro para o governo Bolsonaro foi “virada de chave” – Fábio de Sá/Arquivo pessoal

Houve ali “uma virada de chave”, avalia o cientista político Fábio de Sá e Silva, professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. “Com a ida de Moro para o governo, existiu uma quebra na forma como as pessoas falavam sobre a operação, de uma maneira muito idealizada e rejeitando a crítica, num primeiro momento, passou-se a se permitir um maior questionamento, abriu-se espaço para uma análise um pouco mais bem informada”, diz o pesquisador, que produziu dois estudos sobre a Lava Jato.

Num desses trabalhos, premiado como melhor artigo de 2022 pela Law and Society Association, organização internacional dedicada à sociologia do direito, o professor buscou demonstrar como ideias e valores antidemocráticos encontraram vazão nas interações entre os procuradores da Lava Jato e seus seguidores nas redes sociais já nos anos de 2017 e 2018.

Muito antes dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro do ano passado, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas por apoiadores de Bolsonaro, a ideia de uma intervenção militar para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, já ganhava corpo em perfis como o do ex-procurador da República Deltan Dallagnol, antigo coordenador da Lava Jato, aponta Sá e Silva.

“Houve do lado da Lava Jato uma compreensão de que era sim para colocar as instituições ‘contra a parede’. Essa é uma expressão que não à toa aparece entre as mensagens da Vaza Jato, e meu estudo recupera um pouco disso. A própria força-tarefa, sobretudo o Dallagnol, construiu uma estratégia de pautar a opinião pública e usar a opinião pública contra os tribunais”, analisa o professor.

Ele aponta como, nos últimos anos, surgiram dentro e fora do Brasil diversos estudos em que o discurso idealista sobre a operação cedeu espaço para pesquisas mais objetivas, que já reconhecem como fato, por exemplo, ter havido alguns abusos jurídicos e no mínimo impropriedade nas comunicações entre Dallagnol e Moro.

Estratégia questionável

Um desses trabalhos é o livro Lava Jato: Aprendizado Institucional e Ação Estratégica na Justiça (WMF Martins Fontes, 2021), escrito pela cientista política e juíza federal Fabiana Alves Rodrigues. Finalista do prêmio Jabuti na categoria ciências humanas, a obra tem como base a tese de mestrado da autora, defendida na Universidade de São Paulo (USP).

Após ter lido todas as peças processuais da operação entre seu início, em 2014, até o fim de 2016, auge da Lava Jato, a pesquisadora montou um quadro amplo sobre os métodos da força-tarefa e suas estratégias nem sempre compatíveis por inteiro com a lei. “Tudo que houve de tramitação nesses processos eu analisei”, frisa a magistrada.

Pesquisadora Fabiana Rodrigues se debruçou sobre os métodos da força-tarefa da Lava Jato – Fabiana Rodrigues/Arquivo Pessoal

O que a pesquisadora encontrou foi uma Lava Jato vulnerável a sua própria superexposição midiática. Manter pulsante a narrativa da operação acabou por assumir a prioridade, por vezes ao custo de se navegar em zonas cinzentas da lei e deixando em segundo plano a existência de provas dos crimes, aponta Fabiana Rodrigues.

Esticar uma interceptação telefônica além do prazo, ocultar o endereço de empresas com sede em outro estado, diminuir a importância de um crime ser eleitoral, manejar prisões para forçar delações premiadas, abusar da retórica em denúncias sem evidências, manter informais as trocas de informações com órgãos fiscais e de cooperação internacional; essas foram algumas das táticas jurídicas questionáveis documentadas pela pesquisadora. 

No início, sob o escudo da opinião pública, tais procedimentos duvidosos receberam até mesmo a chancela de instâncias superiores. Em julgamento de setembro de 2016, por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4) chegou a afirmar que a operação mereceria “tratamento excepcional”, com regalias em relação a outros casos. Naquele mesmo ano, a Lava Jato ganharia o prêmio Innovare, como iniciativa mais inovadora do Ministério Público.

Na época, a defesa dos métodos da operação se deu pela necessidade de a Lava Jato se sobrepor aos interesses dos poderosos, mas tal lógica se mostrou fadada ao fracasso, opina Fabiana Rodrigues. Uma vez amainado o clamor popular, o sistema judiciário começaria a reconhecer as nulidades processuais praticadas anteriormente.

“Parece uma estratégia boa, mas ela só funciona no curto prazo. Ninguém vai ficar o tempo inteiro dando apoio midiático, as pessoas cansam do assunto. Também porque o recorte do processo penal é muito limitado, lida ali com fatos concretos, não se presta a combater as causas reais, estruturais, da impunidade”, diz a cientista política.  

O que ficou claro em seu estudo, frisa a autora, “foi a utilização de processos como meios para se chegar a um fim, e o fim era essencialmente atingir a classe política como um todo, não somente os corruptos”. 

Com a ida de Moro para o governo, em seguida a Vaza Jato e, mais recentemente, a eleição do ex-juiz como senador e de Dallagnol como deputado federal, motivações políticas e até mesmo eleitorais, que antes já podiam ser inferidas, tornaram-se escancaradas. “A operação foi deslegitimada por seus principais operadores”, diz a cientista política. “Não era sobre corrupção”, resume.

Delações afoitas

Para o criminalista André Callegari, pós-doutor em direito e autor do livro Colaboração Premiada: Lições Práticas e Teóricas (Martial Pons, 2021), baseado na jurisprudência do STF sobre o assunto, as delações foram um dos principais pontos frágeis da operação.

O advogado e professor, que trabalhou na Lava Jato defendendo nomes como o do empresário Joesley Baptista, da J&F, afirma agora que “não poderíamos ter tido colaborações premiadas da maneira como foram feitas”. Além de “afoitas” e provocadas por prisões questionáveis, as delações tiveram como grande problema terem sido homologadas “sem os dados de corroboração entregues”, diz Callegari.

Para o criminalista André Callegari, delações foram um dos principais pontos frágeis da Lava Jato – André Callegari/Arquivo pessoal

A ideia vendida e comprada na época, explica ele, foi que o relato do colaborador poderia ser feito antes da entrega de provas para corroborá-lo. As evidências poderiam ser depois investigadas e coletadas pela polícia, acreditava-se. “Isso levou a consequências desastrosas, que são agora mostradas pelos tribunais”, aponta o criminalista.

Não por acaso as delações se tornaram logo alvo fácil das críticas feitas por alguns ministros do Supremo, transmitidas ao vivo pela TV Justiça. Tornou-se célebre a expressão de Gilmar Mendes, que, em sessão plenária de 2017, no julgamento sobre a validade de delações firmadas pelo Ministério Público Federal (MPF), disse que “o combate ao crime não pode ser feito cometendo crimes”.

O caso mais rumoroso, não há dúvidas, foi a condenação do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato, em boa medida embasada nas delações de executivos da antiga empreiteira Odebrecht (atual Novonor). Em setembro do ano passado, o ministro Dias Toffoli, do STF, decidiu anular todas as provas do acordo de leniência da empresa, apontando vícios insanáveis.

Nessa mesma decisão, Toffoli escreveu que a prisão de Lula foi uma “armação” e “um dos maiores erros judiciários da história do país”. As condenações do petista, contudo, já estavam anuladas desde 2021, quando o ministro Edson Fachin, do STF, reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal em Curitiba para julgar o político. Os casos foram remetidos para a Justiça Federal no Distrito Federal, onde as ações foram arquivadas por prescrição e falta de evidências.

Diversas condenações foram anuladas desde então, incluindo a de André Vargas, ex-líder parlamentar do PT e primeiro político condenado na Lava Jato (setembro de 2015). O ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto também se livraram de suas sentenças, bem como Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras. Políticos de outros partidos, como o ex-deputado Eduardo Cunha, que foi do MDB e hoje está no PTB, também se beneficiaram.

Danos e consequências

Mesmo absolvidos, há grande dificuldade para que esses políticos retomem o prestígio que uma vez gozaram, avalia a jornalista e cientista política Érica Anita Baptista, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI). Em sua tese de doutorado, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisadora tratou das consequências da Lava Jato para a reputação da classe política. 

Eduardo Cunha, por exemplo, tentou voltar à Câmara dos Deputados, que presidiu de fevereiro de 2015 a julho de 2016. mas não conseguiu se eleger em 2022. Há outros exemplos. Um deles é o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), também alvo da operação, que foi de presidenciável a coadjuvante dentro do próprio partido.

O caso contra o tucano na Lava Jato voltou à estaca zero quando foi remetido pelo Supremo à Justiça de São Paulo, em 2019. No ano passado, ele obteve a absolvição em um dos processos, sentença que foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). Mas, atingido pelo vazamento à imprensa da delação premiada de Joesley Batista, em 2017, Aécio nunca recuperou o destaque de antes.

Os próprios vazamentos constantes de informações, que eram replicadas sem grande esforço de apuração pelos meios de comunicação, “revelam a ânsia pela visibilidade, para gerar essa comoção, aumentar a percepção do caso e torná-lo um grande escândalo”, sublinha Érica Anita Baptista.

“A cobertura da mídia foi muito determinante para a Lava Jato ganhar essa força como escândalo político”, diz a cientista política Érica Anita Baptista  – Érica Anita Baptista/Arquivo pessoal

Os diálogos da Vaza Jato depois revelariam também a interação próxima dos procuradores com jornalistas, a quem forneciam informações exclusivas. “A cobertura da mídia foi muito determinante para a Lava Jato ganhar essa força como escândalo político”, comenta ela.

O objetivo de se perseguir os holofotes, que se supunha ser o combate à corrupção, mostrou depois ser a busca por uma projeção política, indica a pesquisadora. “Se aproveitaram da visibilidade do caso para ter visibilidade própria.” 

É inegável que a Lava Jato foi de fato uma divisora de águas no combate à corrupção. Centenas de condenações foram produzidas, e bilhões de reais recuperados. Muito devido à operação, a pauta da corrupção permanece forte no debate público, ainda que numa temperatura menor, reconhece a pesquisadora.

A consequência, contudo, foi o reforço da descrença do brasileiro nos políticos, pondera a cientista política. Num país com uma visão já altamente negativa da política, o risco é que a própria democracia fique inviabilizada. “A gente já tem um problema estrutural de baixa participação política, e o que houve foi um afastamento ainda maior da população”. 

Outro lado 

Para os dez anos da Lava Jato, o ex-procurador Deltan Dallagnol deu uma entrevista à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na qual defendeu a operação e seu legado. Ele voltou a afirmar que os ex-integrantes da Lava Jato sofrem uma perseguição dos políticos e poderosos que tiveram seus interesses prejudicados pela operação.

“O sistema reagiu, buscando mostrar quem manda, destruir as investigações, acabar com os instrumentos de combate à corrupção e retaliar os agentes da lei que decidiram combater a corrupção pela primeira vez na história [do Brasil]”, disse o ex-procurador. 

Dallagnol continua a sustentar a linha principal da Lava Jato, de que a operação “salvou o país” de um projeto de poder do PT. “O aparato estatal foi controlado e dominado por donos do poder para extorquir, para roubar a sociedade brasileira. Um dinheiro bilionário, que era colocado no bolso dos envolvidos e para financiar caras campanhas eleitorais e prolongar, especialmente, o projeto de poder do partido à frente do pais na época, o PT”, defendeu. 

Depois de deixar uma carreira de 18 anos no Ministério Público Federal (MPF), em outubro de 2022, Dallagnol se elegeu deputado federal pelo Podemos, sendo o mais votado no estado do Paraná, com 345 mil votos. Em maio do ano passado, o ex-procurador acabou tendo o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em setembro, o TSE rejeitou recurso de Dallagnol para anular a decisão que cassou seu mandato. 

O entendimento da Justiça Eleitoral foi de que Dallagnol tentou burlar a lei ao pedir exoneração do MPF para evitar punições, quando ainda havia 52 processos disciplinares pendentes contra ele em tramitação no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Hoje, o ex-procurador se identifica como embaixador nacional do partido Novo, ao qual é filiado. 

A Agência Brasil procurou o ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União Brasil-PR), antigo responsável pela Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, mas o parlamentar disse, por meio de sua assessoria, que não comentaria temas relacionados à Lava Jato.

Deputada Gleisi Hoffmann é a entrevistada do DR com Demori

A ex-líder estudantil, advogada, deputada federal e presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, é a entrevistada do DR com Demori, que a TV Brasil leva ao ar nesta terça-feira (5), às 22h. Com a estreia da nova grade da emissora pública na segunda-feira (4), o programa amplia seu espaço no canal e passa a contar com 1 hora de duração.   

No bate-papo inédito com o jornalista Leandro Demori, a parlamentar aborda os desafios do mandato e as perspectivas políticas. Gleisi conta também que chegou a cogitar seguir carreira religiosa, e relembra sua participação no movimento estudantil, o início na carreira política e sua chegada ao PT, em 1989.  

Durante a conversa, a deputada lembra do cenário desafiador de quando assumiu a presidência do partido, em 2017, e comenta as origens do chamado “anti-petismo” e a ampliação do discurso e da atuação da extrema direita no país após o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef. 

“Desde que nascemos sempre teve uma oposição. O PT nasceu com uma bandeira diferente. A classe dominante, a elite brasileira, não queria que tivesse um partido assim, e ainda mais com um líder sindical”, explica. 

Quando questionada sobre o vazamento de conversas por meio do aplicativo Telegram entre o então juiz Sergio Moro, o então promotor Deltan Dallagnol e outros integrantes da Operação Lava Jato, em 2019, Gleisi avalia o papel da imprensa na época: “falta uma autocrítica à mídia sobre esse período, porque ela comprou a versão da Lava Jato sem fazer os questionamentos que eram precisos e sem utilizar os questionamentos que nós tínhamos para verificar se aquilo tudo estava correto”.  

Sobre o programa 

O programa Dando a Real com Leandro Demori, ou simplesmente DR com Demori, traz personalidades para um papo mais íntimo e direto, na tela da TV Brasil. Já passaram pela mesa nomes como o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, a deputada federal Erika Hilton, o psicólogo Alexandre Coimbra e o fundador da banda Pink Floyd, Roger Waters. 

A atração vai ao ar às terças-feiras, às 22h, na programação da emissora. DR com Demori tem janela alternativa aos domingos às 22h30. 

Disponível no app TV Brasil Play, a produção ainda é veiculada pela Rádio Nacional e pela Rádio MEC na terça, às 23h.

Ao vivo e on demand   

Acompanhe a programação da TV Brasil pelo canal aberto, TV por assinatura e parabólica. Sintonize: https://tvbrasil.ebc.com.br/comosintonizar.   

Seus programas favoritos estão no TV Brasil Play, pelo site http://tvbrasilplay.com.br ou por aplicativo no smartphone. O app pode ser baixado gratuitamente e está disponível para Android e iOS. Assista também pela WebTV: https://tvbrasil.ebc.com.br/webtv.   

Serviço
Dando a Real com Leandro Demori – terça-feira, dia 05/03, às 22h, na TV Brasil
Dando a Real com Leandro Demori – terça-feira, dia 05/03, às 23h, na Rádio Nacional e na Rádio MEC
Dando a Real com Leandro Demori – terça-feira, dia 05/03, para quarta-feira, dia 06/03, às 4h, na TV Brasil
Dando a Real com Leandro Demori – domingo, dia 10/03, às 22h30, na TV Brasil

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Carla Zambelli é indiciada pela PF por invasão de site do CNJ

Indiciada pela Polícia Federal (PF) no inquérito que investiga a invasão do site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em janeiro de 2023, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) afirmou que não tem medo de ser presa.

“Jornalistas estão me ligando [para perguntar] se tenho medo de ser presa. Ou seja, já está rolando essa história [de uma eventual prisão] entre eles. Para meus seguidores: tenho temor a Deus e somente a ele”, escreveu a parlamentar, no X (antigo Twitter), na manhã desta sexta-feira (1º).

A PF indiciou Carla Zambelli e o hacker Walter Delgatti Neto, também conhecido pelos apelidos Hacker de Araraquara ou Hacker da Vaza Jato – alusão às reportagens que tornaram público o conteúdo de mensagens que membros da força-tarefa Lava Jato, do Ministério Público, trocavam entre si e com o então juiz federal e hoje senador Sergio Moro (União-PR).

Brasília (DF) 17/08/2023 Depoimento do Hacker, Walter Delgatti na CPMI do golpe. Foto  – Lula Marques/ Agência Brasil

A divulgação das informações extraídas ilegalmente dos aparelhos telefônicos do ex-coordenador da força-tarefa Lava Jato e ex-deputado federal Deltan Dallagnol e de Moro reforçaram os argumentos dos críticos que acusavam o Poder Judiciário de vazar informações sigilosas de forma seletiva, com objetivos políticos, e de violar o devido processo legal e o princípio da imparcialidade, abusando das prisões preventivas a fim de forçar os investigados a assinarem acordos de delação premiada com a Justiça.

No processo que apurou a invasão dos celulares de Moro, dos membros da Lava Jato e também do então ministro da Economia Paulo Guedes e de conselheiros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Delgatti e outros seis acusados foram condenados à prisão e recorrem da sentença.

Já no âmbito da investigação sobre a invasão do site do CNJ, o indiciamento significa que os investigadores reuniram indícios do envolvimento de Delgatti e Zambelli. Além da ação criminosa contra o site do CNJ, a PF também apura a invasão de sistemas de tribunais regionais de Justiça; a inclusão de ao menos 11 falsos alvarás de soltura de presos condenados, além de um mandado de prisão fraudulento cujo alvo seria o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Em nota, o advogado de Zambelli, Daniel Bialski, voltou a negar que a deputada federal tenha qualquer participação na invasão dos sistemas. “Conquanto ainda não tenha analisado minunciosamente os novos documentos e o relatório ofertado pela PF, a defesa da deputada reforça que ela jamais fez qualquer tipo de pedido para que Walter Delgatti procedesse invasões a sistemas ou praticasse qualquer ilicitude”, afirma Bialski, classificando como “arbitrária” a conclusão dos investigadores que, para justificar o pedido de indiciamento da parlamentar, indicam que ela recebeu, por mensagem de celular, cópia do falso pedido de prisão do ministro Alexandre de Moraes incluído no sistema.

“A arbitrária interpretação deduzida pela autoridade policial asseverando que a deputada tenha recebido eventualmente documentos não evidencia adesão ou qualquer tipo de colaboração, ainda mais que ficou demonstrado que não houve qualquer encaminhamento a terceiros, bem como ficou igualmente comprovado que inocorreram repasses de valores [a Delgatti ou outros investigados]”, conclui o advogado.

Na mensagem que postou esta manhã, no X, Zambelli afirma que as investigações da PF apontam que ela não pagou e não pediu nada a Delgatti, mas que “quando o hacker incluiu o pedido de prisão do Alexandre de Moraes, aparentemente alguém me mandou e eu baixei o documento no meu celular e abri para ler. Assim como [fez] todo mundo que tomou conhecimento do ocorrido”.

Ataques do 8/1 revelaram ódio ao STF, apontam especialistas

Duas virtudes, entre muitas que um jornalista deve ter, são curiosidade e iniciativa. Foram eles que motivaram o repórter da Agência Brasil Alex Rodrigues. Ele interrompeu sua folga de domingo – por vontade própria, sem ter recebido ordem – para saber o que se passava na Esplanada dos Ministérios no dia 8 de janeiro de 2023.

Após ter visto pela televisão as cenas de invasão e destruição do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, o repórter suspendeu seu descanso, pegou sua caderneta de anotações, uma caneta, o crachá e dois celulares, e se deslocou para a Praça dos Três Poderes.

Rodrigues conseguiu acessar o local por uma escada do anexo do STF em momento que a polícia já havia expulsado os vândalos de dentro da sede da Suprema Corte, mas ainda tinha de atuar contra os que permaneciam nas cercanias do prédio. Essas pessoas atacavam os policiais, mas quando o batalhão avançava e ameaçava disparar, os manifestantes radicais se ajoelhavam com os braços estendidos fazendo orações ou cantando o hino nacional.

Após os guardas anunciarem que atirariam se as pessoas não seguissem recuando, Rodrigues, que estava próximo aos manifestantes, se identificou como repórter para não ser alvejado, gritando e mostrando seu crachá de jornalista. Ao dizer que trabalhava para a imprensa, um bolsonarista tentou tomar sua identificação.

O que jornalista da Agência Brasil reteve na memória daquele instante foi que seu agressor parecia não compreender o que estava fazendo, não o ouvia. “Eu falava com ele e ele não olhava para mim. A impressão é que ele não estava entendendo o que estava acontecendo ali”, descreve Rodrigues, que também é psicólogo. “Me chamou atenção uma certa raiva, um ódio, diferente do que estávamos acostumados a ver.”

O repórter Alex Rodrigues foi o primeiro jornalista a entrar no STF após a retirada dos vândalos – Alex Rodrigues/Agência Brasil

Depois de resgatar o crachá, o repórter foi para trás da barreira policial e se dirigiu à sede do STF. Ele foi o primeiro jornalista a entrar no prédio, tirar fotos e fazer imagens da destruição deixada. O ar cheirava a gás lacrimogênio e o chão estava encharcado. “Saí de lá com o tênis todo molhado”, recorda-se.

>> Ouça o podcast Histórias em pauta: grades de janeiro

Alvo prioritário

A destruição do STF, cujo prédio é menor que o do Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, causou mais prejuízo aos cofres públicos. Conforme o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos do Dia 8 de janeiro de 2023, os danos ao prédio do Supremo, incluindo equipamentos, mobiliário, obras de arte, relíquias e outros objetos, custaram R$ 11,41 milhões – bem acima do verificado no Senado Federal (R$ 3,5 milhões), na Câmara dos Deputados (R$ 3,55 milhões) e no Palácio do Planalto (R$ 4,3 milhões).

Ao pensar no estrago que presenciou no Supremo Tribunal Federal e do que, posteriormente, soube do acontecido no Planalto e no Congresso, Alex Rodrigues assinala que havia “ódio indiscriminado contra todos os Poderes.” Ele pondera, no entanto, que “o STF era, naquele momento, um alvo prioritário”. Em sua análise, os manifestantes viam o Supremo como legitimador da vitória do PT. “Para eles, foi quem permitiu essa situação, anulando as condenações de Lula e não invalidando os resultados das urnas.”

Para o também jornalista Felipe Recondo – diretor de conteúdo do portal Jota (especializado no Poder Judiciário), autor e coautor de três livros sobre o STF – os ataques dirigidos à Corte têm lastro nos quatro anos de confrontações provocadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. “Ele construiu uma retórica que muita gente repetia, de que o Supremo não deixava o seu projeto de governo seguir. Acho que isso ficou galvanizado na cabeça das pessoas, e explica tamanho ódio que expunham.”

Recondo pontua que os embates entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário não aconteceram apenas no Brasil. “Não me parece que seja uma novidade só do Brasil. Muito pelo contrário, né? A gente vê esses exemplos em outros países do mundo que passam por esse fenômeno do populismo autoritário”, disse tendo em mente casos recentes de Israel e do México.

Avaliação do jornalista Felipe Recondo é de que os discursos do então presidente Jair Bolsonaro ao longo do seu mandato convergiram para a destruição do prédio do Supremo. – Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Pílulas envenenadas”

De acordo com Recondo, cientistas sociais no México descrevem que chefes de governo “oferecem pílulas envenenadas às cortes supremas” em medidas, decretos e leis “escancaradamente inconstitucionais”, já tendo certeza de que a reação será negativa. “Isso cria um antagonismo evidente. E os apoiadores desse presidente, geralmente popular, passam a olhar o a corte suprema do seu país como inimigo.”

Por vezes, “a inação” do presidente da República também provocava o Poder Judiciário como aconteceu no Brasil. “O Supremo se via obrigado a agir e, com isso, angariava as críticas de parte da sociedade, dos apoiadores do presidente Bolsonaro”, descreve Recondo. Ele se referiu, por exemplo, à determinação de vacinação compulsória contra a covid-19 (dezembro de 2020) e à ordem para realizar o censo demográfico (maio de 2021).

Apesar dos embates com Bolsonaro, que culminaram nos ataques de 8 de janeiro, Recondo pontua que “foi a primeira vez na história que o tribunal se manteve de pé diante de uma crise com o Executivo”.

Histórico de embates

Em outros momentos, a Corte sofreu reveses. Como aconteceu, em 1892, quando o STF, após ameaças do “Marechal de Ferro”, recusou a concessão de habeas corpus de detidos durante estado de sítio; e durante a vigência do Estado Novo (1937-1945) e da ditadura militar (1964-1985), quando ministros foram cassados pelos regimes de exceção.

O jornalista aponta que, apesar da vitória institucional, “o STF vai ter que trabalhar para recompor sua imagem, sua legitimidade e tentar convencer essa parcela da sociedade de que não é aquele Supremo que foi pintado pelo bolsonarismo.”

Crimes graves

O desafio se coloca quando o STF tem pela frente a continuação dos julgamentos de pessoas envolvidas no 8 de janeiro. Para o cientista político Antônio Lavareda, o STF deve fazer punição rigorosa. “Tem condições, sim, e deve fazê-lo sob pena e risco de se apequenar dentro de conjunturas políticas. O Supremo tem de cumprir o seu papel. Ele é o guardião final da Constituição. Esses crimes são extremamente graves e contra a natureza da Nova República.”

Para Lavareda, há cinco categorias de responsáveis pelo 8 de janeiro. “Primeiro são os autores materiais dos atentados. Aqueles milhares de personagens que invadiram a Praça dos Três Poderes. Em segundo lugar, obviamente, os promotores e organizadores daqueles atos.” Ou seja, propagandistas pelas redes sociais e quem concebeu e planejou os ataques. “Aquilo teve uma lógica, não foram manifestações espontâneas”, ressalta.

Em terceiro lugar, Lavareda aponta para quem custeou os ataques. “Os financiadores são, em geral, empresários. Pessoas que investiram dinheiro e participaram desse projeto.” O cientista político ainda assinala a necessidade de punir “aqueles elementos que foram uma espécie de garantidores, gente que forneceu infraestrutura e suporte para quem estava na frente dos quartéis. Nesse contingente há muitos militares reformados e muitos militares dentro dos quartéis.”

Por fim, ele espera que o julgamento atinja “o autor intelectual dos atentados”. Segundo ele, para isso, “não precisa fazer aquela apresentação em PowerPoint do [Deltan] Dallagnol, né? Basta uma seta apontando para o Bolsonaro”, opina.

Unidade institucional

Para o jornalista Felipe Recondo, episódio de 8/1/23 uniu os ministros da Corte como pouco havia se visto. Eles deixaram suas diferenças de lado para responder a ameaça sofrida. Foto: Jose Cruz/Agência Brasil

“Os responsáveis devem ser punidos de forma exemplar. A punição não tem só o efeito de reparação. Aos olhos da sociedade, esse é o efeito principal dela, é o efeito dissuasório. É desestimular que atos semelhantes venham ocorrer no futuro”, pontua.

Conforme noticiou a Agência Brasil, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, relator das investigações do 8 de janeiro, assegurou que haverá punição para todas as categorias de envolvidos.

“Todos, absolutamente todos aqueles que pactuaram covardemente com a quebra da democracia e a tentativa de instalação de um Estado de exceção, serão devidamente investigados, processados e responsabilizados na medida de suas culpabilidades”, garantiu em discurso ontem (8), durante o ato em defesa da democracia, no Congresso Nacional.

Felipe Recondo acredita que haverá condenação e castigo no inquérito sobre o 8 de janeiro. “A questão pra mim é só tempo.” Ele acredita que o Supremo terá “instrumento total”, inclusive para chegar à classe política.

O jornalista ainda sublinha que os ataques de Jair Bolsonaro contra a Corte e a Constituição durante todo o mandato, bem como os incidentes do 8 de janeiro, tiveram por efeito colateral unir os ministros do STF, sempre apontados como onze ilhas isoladas de decisão.

“Isso refluiu bastante e os ministros passaram inclusive a conversar sobre reações institucionais. Fizeram reuniões formais e informais pra saber como reagiriam aquelas ameaças e mantiveram, durante esses quatro anos, uma unidade institucional que a gente pouco viu no passado”, revela o jornalista que cobre o STF “diuturnamente há 18 anos.”