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Exposição debate espaço para pessoas negras na arte contemporânea

A presença de pessoas negras nos espaços elitizados da arte contemporânea é o tema da série Novo Poder: Passabilidade, do artista carioca Maxwell Alexandre. Crescido na favela da Rocinha, o artista tem explorado o assunto em pinturas desde 2021.

“Para isso, dou ênfase a três signos básicos: as cores preta, branca e parda. Em Novo Poder, a cor preta atua como o corpo preto manifestado pela figuração de personagens; a cor branca aponta para o cubo branco espelhando o espaço expositivo; e a cor parda representa a obra de arte e também faz autorreferência ao próprio papel que é o suporte principal da série”, explica.

Com 56 trabalhos, a série pode ser vista a partir deste sexta-feira (19) no Sesc Avenida Paulista, na região central da capital.

Exposição em SP reúne trabalhos do artista carioca Maxwell Alexandre – Arte Thiago Barros/Divulgação

Os contrastes que envolvem as pessoas negras transitando pelo “cubo branco”, jargão que determina espaços expositivos tradicionais, são atenuados pelo fator da “passabilidade”, como explica o artista.

“‘Passar’ é o mesmo que ser reconhecido na vida cotidiana como alguém que está de acordo com as normas, sejam elas sociais, raciais ou de gênero’, disse Maxwell em entrevista à Agência Brasil.

Por isso, a “‘passabilidade’ é a forma segura e tranquila de pessoas pretas caminharem pelo cubo branco” afirma. No entanto, na visão de Maxwell, as possibilidades se afunilam a depender do lugar social. “Acredito que existam limites sim, dependendo de onde você vem, qual fenótipo você tem, a cor da sua pele, você não vai conseguir alcançar certos lugares. Sobretudo dentro do mercado da arte contemporânea”, comenta.

Trajetória

O artista afirma enxergar na própria trajetória, com ampla circulação em instituições internacionais e nacionais, como um sinal de mudança nas estruturas atuais. “Acredito que eu mesmo seja uma profecia de ‘Novo Poder’ que está se cumprindo”, diz o artista de 34 anos.

Em 2021, Maxwell foi vencedor do prêmio Pipa, um dos mais importantes da artes visuais do país, e, em 2020, foi eleito artista do ano pelo Deutsche Bank. Em 2018, recebeu o Prêmio São Sebastião de Cultura da Associação Cultural da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Esteve no Museu de Arte Contemporânea de Lyon, na França, com a exposição Pardo é Papel, e no Palais de Tokyo, em Paris, com a Novo Poder. Em Marraquexe, no Marrocos, participou da mostra coletiva Have You Seen A Horizon Lately, no Museu de Arte Contemporânea Africana Al Maaden.

Os trabalhos expostos no Sesc foram executados em um período de um mês em meio, em que o artista se baseou em fotografias, mas também em memórias próprias de cenas que presenciou.

Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já

Ali, no meio de uma multidão que se espremia nas avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, no centro do Rio, uma adolescente de 16 anos olhava impressionada para a movimentação ao redor. Era a primeira vez que participava de uma manifestação política, mas já sabia que se tratava de um momento histórico. O Comício da Candelária, segundo jornais da época, reuniu cerca de 1,2 milhão de pessoas. Foi um dos principais atos do movimento das Diretas Já, que fez o povo voltar às ruas depois de 20 anos de repressão violenta da ditadura militar.

Para alguns, o momento era de recuperar a voz de protesto represada durante anos. No caso de Adriana Ramos, que tinha acabado de entrar para a faculdade, era um despertar político.

“Eu não tinha consciência política. Vinha de uma família bem conservadora, de direita. Na escola, praticamente todos os colegas eram filhos de militares. Na época, vi toda a mobilização e os colegas de faculdade se organizando para ir ao comício. Lembro da minha mãe e da minha avó ficarem apreensivas. Mas, até pela ignorância de não saber muito o que significava aquela manifestação, fui na onda”, lembra Adriana. “Foi algo que marcou muito minha relação com a política dali para a frente”.

Lívia de Sá Baião também era estudante universitária na época. Estudava economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio). Tinha 19 anos e trabalhava como estagiária em um banco próximo à Candelária, quando se encontrou com amigos para assistir ao comício.

“Aquele momento foi um marco na minha vida. Lembro muito da emoção de estar lá, de participar daquele momento, ouvir aqueles líderes falando” disse Lívia. “Ouvi o Brizola, o Tancredo Neves. A gente estava ali em um momento crucial”.

O jornalista Alceste Pinheiro também esteve no Comício da Candelária, mas como manifestante. Ele lembra que ficou na Avenida Rio Branco, onde ouvia os discursos, mas não tinha uma visão tão completa como a das pessoas que ficaram de frente para o palanque.

Rio de Janeiro – O jornalista Alceste Pinheiro, na Igreja da Candelária, local do histórico comício pelas Diretas – Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

“Mas lembro dos ônibus superlotados, da cidade toda se movimentando naquela direção. Lembro do êxtase e da confiança das pessoas, do sentido dos discursos, muito bem preparados, bem armazenados na memória, do que se cantou. Lembro do que se gritou: Diretas Já! O Povo quer votar!”.

Cobertura jornalística

O fotógrafo Rogério Reis trabalhava na revista Veja em 1984. Às vésperas do comício, a revista percebeu que o evento prometia ser grandioso, por causa do número de doações espontâneas feitas para os organizadores em uma conta do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj).

“Esse foi o primeiro sinal que a gente teve, uma semana antes, de que o público estava disposto a colaborar para um grande evento, com produção de faixas e todo o material que envolve um grande comício”, disse o fotógrafo.

Outro sinal era o fato de o governador fluminense à época ser o gaúcho Leonel Brizola, afinado com a proposta das Diretas Já. Ele se dispôs a interditar toda a Avenida Presidente Vargas para que o evento pudesse ocorrer. Foram colocados balões iluminados com gás hélio.

A revista escalou três fotógrafos para acompanhar o evento: um faria fotos aéreas de um helicóptero alugado, outro ficaria em frente ao palanque e o terceiro, que era Rogério Reis, circularia mais solto entre a multidão, para fazer aspectos de comportamento.

“Eu classifico como uma das coberturas que raramente você, como jornalista, está acostumado a vivenciar. A gente tem certo distanciamento das cenas. Mas, nesse processo de abertura, vi muito profissional trabalhando emocionado. Como ocorreu também na chegada dos exilados. Lembro que na chegada do (Miguel) Arraes (deposto do cargo de governador de Pernambuco em 1964) no (aeroporto do) Galeão, tinha muito repórter e fotógrafo trabalhando chorando”.

Comício

Por volta das 16h do dia 10 de abril, começou o Comício da Candelária. Os manifestantes gritavam palavras de ordem, agitavam bandeiras, faixas e cartazes, vibravam com os discursos de diferentes líderes da oposição ao regime militar, e cantavam em coro músicas dos artistas presentes.

Fafá de Belém conduziu o Hino Nacional e a música Menestrel das Alagoas, que virou um dos hinos da Diretas Já. Em seguida, foi libertada uma pomba branca, que saiu voando, assustada com a multidão. Milton Nascimento levou o público às lágrimas ao interpretar Nos bailes da vida. O advogado Sobral Pinto, aos 90 anos de idade, leu o que se tornaria o artigo 1º da Constituição Brasileira: “Todo poder emana do povo”.

Durante seis horas, diferentes personalidades alternaram-se no palco. Entre os políticos estavam Leonel Brizola (PDT-RJ), Franco Montoro (PMDB-SP), Tancredo Neves (PMDB-MG), Ulisses Guimarães (PMDB-SP), Luís Inácio Lula da Silva (PT-SP) e Fernando Henrique Cardoso (PMDB-SP), que dividiram o mesmo palanque.

Entre os artistas, Chico Buarque, Maria Bethânia, Lucélia Santos, Cidinha Campos, Chacrinha, Cristiane Torloni, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Paulinho da Viola, Bruna Lombardi, Maitê Proença, Walmor Chagas. Também havia famosos como o jogador de futebol Reinaldo, o cartunista Henfil, a apresentadora Xuxa e a atleta de vôlei Isabel. E na apresentação principal, a voz do “locutor das diretas”, o radialista esportivo Osmar Santos.

Luta por democracia

O evento na Candelária era parte de uma série de manifestações de rua que tomaram conta do país em 1983 e 1984. Os governos militares começam a enfrentar crises econômicas mais agudas na década de 70, com endividamento externo e inflação alta. Na gestão de Ernesto Geisel (74-79) fala-se pela primeira vez em abertura política, mesmo que “lenta e gradual”. Na gestão de João Batista Figueiredo (79-85) são restabelecidas as eleições diretas para os governos estaduais. Em 1982, a oposição conquista o governo de nove estados, com destaque para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Em 2 de março de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresenta emenda à Constituição, assinada por 199 congressistas, para restaurar a eleição direta para presidente a partir de 1985. Nos meses seguintes, muitos atos públicos foram feitos em defesa da pauta. O primeiro comício com articulação centralizada ocorreu em Goiânia, com 5 mil pessoas, em 15 de junho.

Cidades de todas as regiões do país passam a ter manifestações. O destaque é para a chamada Caravana das Diretas, em fevereiro de 1984, que percorre cidades do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Em 24 de fevereiro, Belo Horizonte registra até ali o maior público de um comício, cerca de 400 mil pessoas. Esse número só seria superado pelo comício do Rio de Janeiro, na Candelária, e pela passeata de São Paulo, que saiu da Praça da Sé até o Vale do Anhangabaú. Ambos, ocorridos em abril, ultrapassaram a marca de 1 milhão de pessoas.

Apesar de toda essa mobilização popular, semanas depois, em 25 de abril, é votada a Emenda Dante de Oliveira no Congresso. A derrota vem por diferença de 22 votos. O primeiro presidente da República depois da ditadura militar, Tancredo Neves, seria escolhido por eleição indireta no Colégio Eleitoral.

Frustração

Já naquela época, o jornalista Alceste Pinheiro acreditava que a emenda constitucional não passaria, por todas as circunstâncias e pressões que existiam de vários lados. Havia os que não queriam a aprovação e os que preferiam adiar para uma situação que, politicamente, fosse mais favorável.

“Eu achava isso e falava para algumas pessoas. Mas, entre as pessoas da minha relação, todas tinham esperança muito grande de que a emenda passaria. Eu desconfiava. Mesmo assim, fui à Cinelândia quando se votou a emenda, que foi derrotada. Foi absolutamente distinto do que ocorreu na Candelária”, disse Alceste.

Para quem alimentou por meses a esperança de que poderia escolher finalmente o ocupante do cargo mais alto do país, a euforia deu lugar à frustração.

“Foi uma grande decepção quando a Emenda Dante Oliveira foi rejeitada na Câmara, poucos dias depois do comício. Fiquei arrasada. E aí deu no que deu. Só tivemos eleições em 1989”, disse Lívia de Sá.

“Uma mobilização daquele tamanho e, no final, a emenda não foi aprovada? Foi um balde de água fria, de mostrar um limite da mobilização da sociedade. Mas, sem dúvida, tinha esse entendimento de que a gente estava entrando em nova época. Com mais demandas e mais possibilidades de participação da sociedade”, afirmou Adriana Ramos, que hoje é ambientalista.

Legado democrático

Para o historiador Charleston Assis, da Universidade Federal Fluminense (UFF), é importante olhar além dos objetivos imediatos do movimento das Diretas Já e entender o significado mais amplo dele no contexto de redemocratização do país.

Assis lembra que apenas três anos antes aconteceu o atentado do Riocentro, em que um grupo de militares tentou intimidar, ferir e matar jovens em um show para retardar a abertura política. A tentativa terminou em fracasso, mas mostrou os perigos que esse grupo representava. Assim, voltar às ruas e pedir eleições diretas para presidente era um ato de coragem e de resistência ao silêncio imposto pela ditadura.

“O movimento das Diretas Já tem inúmeros ganhos. Essa emergência popular vai fazer com que o povo se torne um ator político muito decisivo. A partir daquele momento, as demandas não podem mais ser ignoradas. O país vai ter conquistas como a ampliação da rede de proteção social, do acesso à casa própria, mais tarde do acesso à universidade pela juventude preta e indígena. Isso tudo estava ali nos anos 80, e a luta pelas Diretas trazia uma série de sonhos coletivos desse povo enquanto nação”, diz o historiador.

Charleston entende que, por causa das recentes tentativas de golpe de Estado e do fortalecimento de discursos retrógrados, lembrar da mobilização popular da década de 1980 é importante para valorizar as conquistas sociais das últimas décadas.

“É muito necessário que a gente rememore essa campanha por conta daquilo que ela traz de oposição ao autoritarismo e de defesa da democracia. A ditadura militar foi uma tragédia social, política e econômica. Basta lembrar que nossa dívida externa passou de R$ 3 bilhões em 1964 para R$ 100 bilhões no fim do governo militar. As Diretas Já mostraram que o povo brasileiro se colocou decididamente contra a ditadura e a rejeitou em bloco”.

Festival no RJ vai apresentar arte e gastronomia da cultura indígena

Com programação gratuita, o Museu do Pontal, localizado na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, realiza nos dias 13 e 14 deste mês a segunda edição do Festival das Culturas Indígenas. A classificação é livre. O público poderá conferir oficinas, apresentações musicais, filmes, bate-papos, feiras de artesanato e gastronomia. A curadoria do festival é da equipe do museu, em conjunto com Pacari Pataxó e Carmel Puri, educadores indígenas que vivem no Rio de Janeiro.

Um dos destaques é a exposição Carmézia Emiliano e a vida macuxi na floresta. Essa é a primeira mostra individual da artista plástica no Rio de Janeiro. Nascida em Roraima, Carmézia pinta cenas do cotidiano de seu povo desde os anos de 1990 e é considerada uma das mais importantes artistas indígenas do Brasil. A mostra reúne 21 pinturas, ocupa uma sala e o saguão do museu.

O festival abrirá no dia 13, às 10h, com oficina educativa de pintura corporal com Pacari Pataxó, da Bahia, ao ar livre, nos jardins do museu. As pinturas serão feitas com pigmento extraído do jenipapo.

A programação prevê ainda a presença do cacique e xeramoi (liderança espiritual) Augustinho da Silva Karai Tataendy Oka, da aldeia Araponga, de Paraty, na Costa Verde fluminense. Com 103 anos de idade, Augustinho da Silva Karai Tataendy Oka é uma das principais lideranças espirituais guarani mbya na Região Sudeste. Ele estará no festival no dia 14, às 15h45, para demonstrar como é a cerimônia Nhemongara’I, ritual ancestral realizado anualmente na aldeia, quando o pajé batiza e planta sementes sagradas de milho, além de dar nomes nativos a parentes, especialmente crianças e jovens, que servirão como proteção espiritual.

Cinema

Haverá também uma mostra de cinema indígena. A curadoria é da cineasta Olinda Tupinambá, responsável pela seleção dos três filmes: a animação Quando os Maíra’yr criaram a noite, inspirada em uma história guajajara; e os documentários No tempo do verão, que acompanha crianças da etnia ashaninka em um fim de semana na mata, e Cordilheira de Amora II, sobre uma menina guarani kaiowá que transforma seu quintal em um experimento do mundo. As sessões serão na sala multiuso, às 12h30, nos dois dias do festival. Para participar das atividades, é preciso retirar ingresso na recepção com 45 minutos de antecedência.

No dia 13, às 11h, o escritor e poeta Dauá Puri contará histórias de seu povo na sala multiuso. Na parte da tarde, estão previstas oficinas sobre a importância das sementes com Twry Pataxó (15h) e apresentação do coral Guarani Tenonderã, de Bracuí (RJ), às 16h.

No dia 14, o projeto Bebês no Museu do Pontal recebe, às 10h, a atriz e contadora de histórias Mel Xakriabá, que levará para uma roda de musicalização cantos e instrumentos da nação xakriabá. No período da tarde, terá apresentação de cânticos guaranis pelo coral Kaa.guy Oy, formado por crianças e jovens da Aldeia Araponga. Encerrando a programação, às 17h, o cacique Carlos Doethyró Tukano fará palestra sobre a defesa dos direitos dos povos indígenas e a cosmologia do povo tukano.

Nos dois dias do evento, a DJ Cris Panttoja apresentará o resultado de pesquisas sobre música brasileira, nos intervalos das atividades.

Escolas de samba foram espaço de resistência à repressão da ditadura

 

Consideradas território de alegria, diversão e preservação cultural, as quadras das escolas de samba já foram locais de dor e sofrimento. Durante os anos do regime militar, algumas agremiações acabaram se transformando em espaços de resistência da cultura e das liberdades sociais para se contrapor às ações de agentes do governo federal.

A repressão e a censura se impuseram às atividades dos sambistas. Até aquele momento as batidas policiais que sofriam eram por discriminação porque os sambistas eram considerados uma categoria marginalizada da sociedade. Com a ditadura, a situação se agravou. Escolas como Vai-Vai, Camisa Verde e Branco e Unidos do Peruche, em São Paulo, e Império Serrano, no Rio de Janeiro, além de verem suas quadras invadidas, tiveram que buscar meios para manter seus enredos e as atividades em comunidade.

Aos 77 anos, o jornalista Fernando Penteado, atual diretor cultural da Vai-Vai, considerado um griô ou griot do samba, que na cultura africana é a pessoa que mantém viva a memória do grupo, contando as histórias e mitos daquele povo, lembrou que na década de 1960 o samba era meio marginalizado e não tinha a aceitação pública que tem atualmente. Mas, durante o regime militar a perseguição ficou maior, especialmente, contra compositores que eram mais de esquerda política. Segundo Penteado, o Bixiga, onde a escola foi fundada, era um bairro contestador, o que a tornou mais visada pela repressão.

Diretor cultural da Vai-Vai, Fernando Penteado lembra a perseguição a sambistas no regime militar – Rovena Rosa/Agência Brasil

“O samba na época era marginalizado, então, o ensaio, independentemente se era na época da ditadura ou não, quando a gente via uma viatura de polícia chegar no domingo à tarde ou em uma quinta-feira, sabíamos que eles iam reprimir”, contou à Agência Brasil, relatando ainda que, no fim da década de 1960, quando componentes da escola faziam um ensaio, em um domingo, em uma praça da região da Bela Vista, a polícia chegou com violência.

“Entraram para dentro, furaram os instrumentos. Isso era em um domingo. Na quinta-feira, nós estávamos lá de novo ensaiando com os instrumentos que eles furaram, e a gente encourou [botar peça de couro no instrumento] outra vez. Assim foi. Alguns compositores, que eram presos por causa de samba-enredo, eram presos de noite e soltos de dia e iam fazer samba outra vez. A contestação sempre houve”, disse.

De acordo com Penteado, outra forma de resistência foram os encontros de samba que algumas escolas começaram a realizar. O primeiro foi da Camisa Verde e Branco, que recebia estudantes de uma universidade próxima. “Eles não iam mais para os bares porque eram fechados e começaram a vir para o sambão. Aí foi criado o samba universitário.”

“A nossa resistência [na escola Vai-Vai] era fazer o que não podia. Diziam ‘não pode ensaiar na Rua 13 de Maio’, era lá que a gente ia ensaiar. Sabe aquele moleque malcriado, que na minha época, já estou com 77 anos, era buliçoso. Sempre tinha alguém para nos defender, principalmente jornalistas. A gente escrevia letras de enredos com outras palavras e aí passava [na censura]”, disse o diretor cultural.

Ainda conforme Penteado, quando a Vai-Vai se transformou de cordão carnavalesco para escola de samba, teve a integração do compositor Geraldo Filme, que era do Peruche. Ele, o jornalista Dalmo Pessoa e a escritora e artista plástica Raquel Trindade formaram o departamento cultural. “Pessoas da ultraesquerda formaram, aqui na Bela Vista, no Vai-Vai, o primeiro departamento cultural de uma escola de samba. Isso foi em 72, 73, dentro do regime militar. Eles começaram a fazer enredo no Vai-Vai com essa perspicácia de maquiar o enredo”, descreveu.

O compositor Cláudio André de Souza, do Peruche, contou que teve de passar por momentos de apreensão na infância. “Evitavam levar crianças nos ensaios justamente com receio desses enfrentamentos entre componentes e polícia. A gente ia a ensaios à tarde, mas tinha um distanciamento com as crianças. Quando a gente dizia que queria ir à escola diziam ‘sozinho você não vai’. “Mas porquê?’ ‘Porque tem muita briga e polícia’. Foi dessa forma que a gente acompanhou quando criança”, recordou.

Cláudio André, diretor do Peruche, diz que compositores foram reprimidos pelo regime militar – Rovena Rosa/Agência Brasil

Em 1972, a escola escolheu o enredo Chamada aos Heróis da Independência, de autoria de Geraldo Filme, e teve que passar pelo crivo da censura. “O seu Carlão era presidente na época, fizemos o enredo que foi um sucesso na avenida no carnaval, e os dois foram convidados entre aspas a comparecerem ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social] para explicarem o enredo que eles achavam subversivo e que o Peruche estava incitando o povo a se rebelar contra o regime. Ficaram uns dias lá respondendo perguntas. Não falaram que estavam presos, mas para averiguações”, relatou o compositor.

“Os compositores foram reprimidos e tiveram que ficar um tempo afastados do Unidos do Peruche porque não podiam mais fazer samba, não podiam escrever”, apontou.

Simone Tobias, neta de Inocêncio Tobias, um dos fundadores da Camisa Verde e Branco, e filha de Carlos Alberto Tobias, que foi presidente da escola, lembrou o que passou. “Eu era criança, mas lembro de pararem ensaio, furarem instrumentos e nem tinha um volume grande de gente como hoje tem. Para eles, independia se tinha criança, mulher, idoso, eles chegavam com truculência e desciam pauladas. Era uma época muito tensa. Tenho na memória as cenas”, relatou à reportagem.

“A gente tinha que fazer o desenvolvimento do tema, do enredo, das alegorias, e aí era submetido a um auditor fiscal. Se eles achassem que tinham alguma coisa que não estava a contento, que não fosse a favor do governo e fosse algum protesto, não podia e tinha que mudar”, acrescentou.

Simone contou que,  embora em 1982 a perseguição aos temas da escola tenha começado a ficar menos intensa, os compositores ainda precisaram fazer mudanças na letra do enredo daquele ano, Negros Maravilhosos, Mutuo Mundo Kitoko. As alterações, no entanto, não foram seguidas na avenida, e os componentes cantaram o samba original.

“Óbvio que nós não ganhamos o carnaval. Meu pai acabou tomando uns petelecos. Acho que foi a primeira grande guinada para que a gente pudesse expressar realmente. Não era só o Camisa, eram todas as escolas. A gente não podia falar de temas que eles achassem polêmicos”, relatou Simone.

“Foi um período bem difícil. Para quem viveu aquilo à flor da pele e quando se fala ‘temos que voltar com a ditadura’, chega a arrepiar a alma. As pessoas realmente não têm noção do que uma ditadura é capaz de fazer”, apontou Simone, lembrando que a Nenê da Vila Matilde também foi uma escola de samba de resistência durante o regime militar.

Carnaval carioca

No Rio de Janeiro, em plena vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5), o Império Serrano escolheu um tema que se contrapunha à ditadura. Em 1969, desfilou com o enredo Heróis da Liberdade, composto por Silas de Oliveira, Mano Décio e Manoel Ferreira, que defendia a liberdade por meio de manifestações populares. Por isso, teve que se explicar aos agentes da censura, e os compositores tiveram que alterar a letra do samba.

Escola de Samba Império Serrano desfilou com o enredo Heróis da Liberdade em 1969, em meio à vigência do AI-5 – Império Serrano/YouTube

“Houve, sim, repressão aos compositores do Império Serrano. Eles sofreram perseguição e proibições do regime muito mais por uma atitude focada nesta resistência individualizada do que um processo mais organizado de repressão à escola como um todo”, contou à Agência Brasil o jornalista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Chico Otávio.

O professor de história Leandro Silveira, mestre pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), lembrou que, antes de ser enredo do campeonato da Mangueira em 1998, o cantor e compositor Chico Buarque tinha sido escolhido para tema da escola Canarinhos da Engenhoca, de Niterói, na região metropolitana do Rio. A presença do homenageado causou confusão com a presença da polícia. Hoje a escola não existe mais.

“Ele [Chico Buarque] veio, e a polícia foi atrás. Foi uma coisa bem tensa”, revelou Silveira, um dos autores do livro Antigamente É que Era Bom: a Folia Niteroiense entre 1900-1986.

O professor destacou que, durante o regime militar, as escolas de Niterói precisavam negociar com os agentes até os locais de ensaio. “Escola de samba ensaiar nos grandes clubes aqui em Niterói, só se tivesse alguém que fizesse uma ponte com o censor. Elas conseguiam driblar um pouco a censura nos bairros, porque a censura não costumava entrar na favela para reprimir”, relatou.

Outra repressão lembrada por Leandro Silveira nas escolas das duas cidades tinha como alvo o material de desfiles. “Muitos croquis e desenhos de fantasias eram literalmente proibidos, censurados e tinham que fazer de novo. O que eu vejo tanto para Niterói, quanto para o Rio, é que as escolas quando foram reprimidas tiveram que desfocar as temáticas. Tem um período em que a repressão foi maior de 69 a 76 e os enredos não versam muito sobre nada progressista”, apontou o historiador, acrescentando que “o Império Serrano nunca perdeu a marca da resistência”.

Escola Em Cima da Hora levou para a avenida no carnaval de 1976 o samba-enredo Os Sertões – Cola na História

Além do Império Serrano, Silveira lembrou que a escola de samba Em Cima da Hora montou em 1976 o enredo Os Sertões, composto por Edeor de Paula. Inspirado no clássico do escritor Euclides da Cunha, o samba destacou as dificuldades enfrentadas pelo povo no Nordeste: “O Homem revoltado com a sorte/ do mundo em que vivia/ Ocultou-se no sertão espalhando a rebeldia/ Se revoltando contra a lei/ Que a sociedade oferecia.”

“São dois momentos em que a temática é mais progressista, as escolhas conseguem furar um pouco essa bolha, porque no Rio e em Niterói tem muito enredo falando de ufanismo, de Brasil, do futuro ou de folclore”, disse Silveira, destacando que as agremiações só retomaram os enredos mais progressistas depois da abertura do regime no governo do general João Figueiredo.

“Gradativamente vai aparecer a crítica social e aí vai ter a Caprichosos de Pilares e Cabuçu, no Rio, e, em Niterói, a Souza Soares, do bairro de Santa Rosa. A escola União da Ilha da Conceição, já extinta hoje, na virada da abertura ganhou um carnaval com um enredo sobre favela e critica tudo, inclusive a censura. Aí já em 85”, comentou o historiador.

“As escolas eram vigiadas. Quem tinha mais garrafas para vender [em Niterói] eram Cubango e Viradouro porque de certa forma tinham um trânsito maior com essa estrutura de poder”, disse ele.

Ufanismo

Ao mesmo tempo em que algumas escolas enfrentavam a repressão e a censura, outras no Rio faziam enredos ufanistas e de apoio ao governo militar. Uma delas foi a Beija-Flor de Nilópolis que levou para a avenida enredos como O Grande Decênio, de 1975, no qual reverenciava programas sociais do governo militar como o Programa de Integração Social (PIS), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).

“Ela comemorou o Grande Decênio na avenida, os dez anos do golpe”, pontuou Silveira, indicando que a Azul e Branco de Nilópolis ainda fez os enredos ufanistas Educação para o Desenvolvimento e Brasil Ano 2000, como a nação do futuro. “O samba dizia o ‘Funrural que ampara o homem do campo com segurança total’, quer dizer a ideia de que o homem do campo está bem com o governo. O interessante é que, no ano seguinte, a Em Cima da Hora consegue burlar e faz uma denúncia, via Os Sertões”, observou Silveira.

Trocas de interesses

A aproximação das escolas com o regime militar, segundo o professor Chico Otávio, era de interesse das duas partes. O governo buscava mais apoio popular, e as agremiações que tinham como patronos contraventores do jogo do bicho queriam evitar a identificação com o crime e possíveis prisões.

“O regime, no momento em que já começava a entrar em declínio, precisava da popularidade das escolas de samba para se reafirmar junto à população. Então, foi uma espécie de troca de interesses. Eu não te incomodo e você me deixa pegar carona no prestígio e popularidade das escolas de samba na avenida”, disse Chico Otávio, autor do livro Os Porões da Contravenção Jogo do Bicho e Ditadura Militar: a História da Aliança que Profissionalizou o Crime Organizado.

A ramificação do jogo do bicho na cidade favorecia o “trabalho” extenso que colaborava com a repressão. “Eles ajudavam, contribuíam com informações para que a ditadura pudesse prender subversivos. Os bicheiros de certa forma contribuíram para isso. Tinham muita presença nas ruas e formaram uma rede de espiões para abastecer a ditadura de informações a respeito dos inimigos do sistema”, completou Chico Otávio.

Para o professor, mais uma ligação de militares e contravenção ocorreu quando o governo Ernesto Geisel começou a abertura política para encerrar o regime militar. Naquele momento, agentes da repressão que não concordaram com esse processo se aliaram aos bicheiros do jogo do bicho. “À contravenção interessava ter gente que tinha essa expertise de torturar, matar, espionar, então foi um bom negócio para ambas as partes. Os agentes militares que encontraram essa acolhida e continuaram a ter poder, via bicheiros, eram seguranças de bicheiros ou muito mais que isso, viraram capos também”, afirmou o professor da PUC-Rio.

Em 1971, bem diferente da linha de enredos que vinha apresentando, a Mangueira levou para a avenida Modernos Bandeirantes, uma homenagem à Aeronáutica Brasileira.

“As escolas fizeram isso espontaneamente. Eles foram colaboradores do regime sem precisar sofrer qualquer pressão para isso. Fizeram de bom grado. Tinham interesses estratégicos de agradar o regime. Os bicheiros estavam no processo de legitimação da sua atividade criminosa junto à população através do carnaval”, concluiu Chico Otávio.

Em espetáculo da Via Sacra no DF, Marias lembram os próprios calvários

No percurso até os calvários, histórias de Marias também são protagonistas em dia de recordar dos sacrifícios de Jesus. A doméstica Maria Aparecida dos Santos, de 48 anos, chegou ao espetáculo da Via Sacra, de Planaltina (DF), a pé, nesta sexta-feira (29). Queria ver de perto a Ressurreição do “Pai”, mas pretendia mesmo agradecer pela sobrevivência do filho. 

Brasília, 29/03/2024 Maria Aparecida dos Santos, doméstica, chega para assitir a apresentação da Via Sacra em Planaltina, DF. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

O rapaz, de 26 anos, levou duas facadas no ano passado, passou um mês em uma unidade de terapia intensiva lutando pela vida. “Foi Deus que o salvou”, emociona-se. A luta ainda está em andamento. O filho está em uma clínica pública para tentar se livrar do vício das drogas e das consequências. “Por isso, a gente precisa ter fé”. Quando Maria chegou, o espetáculo de teatro ainda não havia começado, mas ela estava com pressa para conseguir o melhor lugar. 

A tradicional Via Sacra, do Morro da Capelinha, em uma área de cerrado a cerca de 60 quilômetros da capital do país, chegou à sua 51ª edição, com entrada gratuita e participação de 1,4 mil pessoas da própria comunidade. Pelo menos 1.100 são pessoas que trocam seus afazeres diários para se tornarem atores.  

De protagonistas a figurantes, todos maquiados e devidamente dotados de figurinos que remontam à história da tradição cristã, na qual Jesus Cristo foi torturado e assassinado em uma cruz. O coordenador-geral do evento, o dramaturgo Preto Rezende, reconhece que a responsabilidade é grande ao trabalhar com não-atores e se comunicando com a comunidade. “Trabalhamos para pessoas simples. E saímos todos transformados”, afirma o diretor. 

Na estrada do calvário de Maria Aparecida, ela recorda que, na próxima semana, terá um dia para visitar o filho que ela só pode ver uma vez por mês. Na luta contra o próprio vício, ele “fica ansioso”, lamenta a mãe. Mas está otimista também porque o filho caçula tem fé como ela. Deu a ele o nome de Juan Jesus. 

Brasília, 29/03/2024 Maria de Fátima Almeida, 69 anos. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Logo depois de Maria Aparecida adentrar no espetáculo da Via Sacra,  chega outra Maria e sua família. Maria de Fátima Almeida, de 69 anos, 11 filhos e “muitas lutas”. Ela diz que, apesar das dificuldades com empregos e falta de recursos para todos, precisa mostrar a eles sempre o exemplo da própria história. 

“Trabalhei na roça desde os oito anos de idade, mas só consegui estudar mais recentemente. Agora estou na terceira série”, conta. Já está em aulas que excederam a alfabetização. Mas os próprios sonhos nunca foram prioridades. Só o babaçu, arroz e feijão que ela precisava colher em cada amanhecer. 

Na primeira estação do sacrifício de Jesus, outra Maria se emocionava. Moradora do Núcleo Bandeirante, Maria do Carmo Alves, de 69 anos, veio pedir forças no espetáculo que, para ela, não tinha nada de ficção. Ela perdeu na última semana um neto vítima de câncer. “Para mim, é o próprio Jesus que está aqui”. 

Brasília, 29/03/2024 Maria do Carmo Alves, de vestido, e sua família na apresentação da Via Sacra em Planaltina, DF. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil – Agência Brasil

 

Emoção

Jesus estava lá. Aliás, era o planaltinense Rafael Moreira, de 27 anos. Ator amador, o rapaz diz que se emociona  também com cada cena. Foi convidado no ano passado e se lembrou que, na comunidade, já tinha encenado o personagem quando era adolescente. “Estamos muito concentrados e ensaiamos bastante no último mês”,disse com as marcas cênicas de sangue na boca e nos braços.

Perto de Jesus, Cristiano da Silva, de 42 anos, também estava pronto para a próxima cena. Lá ela era o ladrão Dimas, crucificado ao lado do protagonista. Na vida real, o motorista de frigorífico diz que queria orgulhar os filhos com o personagem. “Espero que as pessoas também se comovam com as minhas cenas”. O sonho do novo ator é ir além da sétima série e melhorar a vida da família. 

Sob o sol de Planaltina, outro homem com nome de santo vendia água porque está desempregado. Antonio Marle dos Santos, de 25 anos, mora no Vale do Amanhecer e nunca trabalhou com carteira de trabalho assinada. “Trabalho em obras, vendo comida… faço o que for preciso. Queria estudar para ser bombeiro civil”. Enquanto isso, queria vender todo o produto que levou a tempo de assistir à Ressurreição. “Não tem quem não goste, né?”. 

Brasília, 29/03/2024 Cristiano da Silva, ator que interpreta Dimas na apresentação da Via Sacra em Planaltina, DF. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil 

Filme revive Adoniran ao lado de personagens criados pelo sambista

Um casarão é demolido, enquanto um grupo de pessoas observa da calçada. O imóvel abandonado havia servido de moradia para os sem-teto, até que foi derrubado para dar lugar a um edifício. A cena, que poderia ser vista na cidade de São Paulo na década de 1950, ou nesta semana, é eternamente lembrada na composição Saudosa Maloca, do sambista Adoniran Barbosa.

“Adoniran é um cronista dessas situações, em especial, com um olhar humanista muito importante que aproxima a gente das camadas mais carentes da população e dessa vida difícil do paulistano”, diz o ator e músico Paulo Miklos, que interpreta o sambista no filme Saudosa Maloca. A comédia musical, que estreou nesta semana nos cinemas de todo o país, revive o compositor junto com os personagens de suas canções.

“No filme, nós temos o Arnesto, temos os personagens todos das músicas: a Iracema, o Joca e o Mato Grosso. Esses personagens todos entram em cena”, conta Miklos. “Além de tomarem vida, eles estão entrelaçados na mesma trama, com a presença do criador. Então, é o criador e as criaturas”, acrescenta.

Paulo Miklos interpreta Adoniran Barbosa no filme – João Oliveira/Divulgação

Samba e progresso

Como coadjuvante, está a cidade de São Paulo e as transformações vividas entre as décadas de 1950 e 1980. “O filme tem o samba versus o barulho das demolições, da cidade em movimento, feroz, que são temas muito caros para o Adoniran. A especulação imobiliária, o avanço do progresso, o ‘pogrécio’, como ele dizia”, enfatiza o ator.

É uma experiência que, na opinião de Miklos, só pode ser sentida em todos os seus aspectos dentro da sala de cinema. “Porque no cinema você tem um som perfeito, você tem essa imersão sonora”, afirma.

“A gente pôde entender como realmente era São Paulo nessa época e por que o progresso incomodava tanto as pessoas que estavam ali, pacificamente, querendo apenas viver suas vidas”, conta a atriz Leilah Moreno, que interpreta Iracema, personagem da canção de mesmo nome. “Ele [o filme’] realmente transporta a gente para os anos 50. Se você perceber, as falas têm um tempo diferente de resposta, têm um tempo para as pessoas pensarem, para respirar. Não é um filme da Marvel [de super-heróis], com tudo cortado rápido”, acrescenta Leilah, ao falar de suas impressões sobre o longa-metragem.

História de família

Vinda de uma família de sambistas do Vale do Paraíba, no interior paulista, Leilah não chegou sozinha para a produção. “A minha família tem uma história muito forte com Adoniran Barbosa. Quando souberam que eu ia fazer o teste para o filme, minha mãe e minha tia gravaram um vídeo para o diretor, Pedro [Serrano]”, lembra.

Mesmo descrente, a atriz, que também é cantora, mostrou o vídeo para a produção. “Não é que ajudou mesmo?”, diz Leilah. A equipe do filme, depois que ela foi selecionada, disse que parecia importante que pessoas realmente ligadas ao universo do samba estivessem na produção.

Mais tarde, a família da atriz foi convidada para participar fazendo o coro em algumas músicas. A mãe de Leilah, no entanto, havia sofrido um acidente vascular cerebral durante o período de filmagens. “Ela [a mãe] falou assim: ‘eu também quero cantar, então eu vou ficar boa’. Ela acreditou nisso. E realmente, no dia que nós fomos para o estúdio, ela estava lá, sentada, mas conseguiu cantar, conseguiu colocar a voz. Uma das vozes que mais aparecem no coro é dela”, relata a atriz.

O processo de Saudosa Maloca começa com o curta-metragem Dá Licença de Contar, lançado em 2015, que também tem Pedro Serrano como diretor e Miklos no papel do sambista. O elenco já contava com Gero Camilo e Gustavo Machado, também presentes no longa-metragem que acaba de chegar aos cinemas. Uma novidade no elenco do novo filme é Sidney Santiago Kuanza.

Em 2018, Serra lançou ainda o documentário Meu Nome é João Rubinato, também sobre o músico, trazendo no título seu nome de batismo.

Linguagem própria

“Criamos uma cumplicidade muito grande naquele momento”, diz Miklos a respeito da experiência com o primeiro filme. “Todas as descobertas desse primeiro ensaio, vamos chamar assim, que foi o curta-metragem, inclusive premiado, nós levamos agora para o longa”, destaca ao falar de elementos como a linguagem, que chama de adonirês.

“Para mim, como ator, é fundamental ter um personagem que fala uma língua própria. Isso já aproxima, e a gente já mergulha no personagem. O adonirês é falado no filme fluentemente. Nós estudamos o adonirês para poder improvisar no filme, nas cenas, está muito com naturalidade”, diz sobre a linguagem extremamente coloquial, que se distancia da norma culta, muito presente nas músicas do compositor.

Apesar da grande identificação com as histórias contadas por Adoniran, Leilah Moreno admite que nunca havia se imaginado como intérprete de Iracema, a personagem destinada a morrer atropelada.

 “A música Iracema era uma das que eu mais amava quando ele cantava. Eu ficava tentando imaginar quem era Iracema, como ela era, como é que era o rosto, o físico, a cor da pele, o cabelo. Eu nunca tinha imaginado a Iracema, uma mulher como eu. Nunca, jamais. Veio até como meio que um soco no estômago, de a gente começar a pensar que pode estar em todos os lugares, ser todas as pessoas e ocupar tudo”, afirma.

Mostra traz material inédito do criador do Zé do Caixão

Além, Muito Além do Zé do Caixão é uma exposição que traz não só material inédito sobre o personagem de filmes de terror, como busca resgatar facetas menos conhecidas de seu criador, o ator e diretor José Mojica Marins. “A minha geração, por exemplo, conheceu o Zé como um cara de programa de auditório, uma coisa meio caricata, daquela figura com as unhas grandes. Não era todo mundo que sabia que o cara tinha feito mais de 100 produções”, explica o curador da mostra, Marcelo Colaiacovo.

Nessa extensa carreira, que começa na década de 1940 e chega aos anos 2000, além do terror, Mojica dirigiu e atuou em filmes de faroeste, aventura, dramas sombrios (noir) e comédia. “Tem filmes de sexo explícito, que a gente deixou mais para o segundo andar, uma coisa mais 18 anos”, completa Colaiacovo sobre a organização da mostra. Podem ser vistos cartazes dos filmes, objetos cênicos, trechos de algumas produções e colagens inéditas.

São Paulo – Mostra Além, muito além do Zé do Caixão homenageia cineasta José Mojica Marins – Foto Rovena Rosa/Agência Brasil

Obras inéditas

“Quando o cinema acabou na Boca do Lixo, nos anos 1990 no Brasil, o Zé ficava recortando revista, recortando paisagens, juntava com coisas dos cartazes dele, xerocava, pintava com canetinha [caneta hidrocor]. Fez um trabalho de artes plásticas”, explica o curador sobre as obras que compõem o acervo da família do artista, que morreu em 2020, aos 83 anos. Ele completaria 88 anos na última quarta-feira (13).

Outra raridade é uma cena perdida do primeiro longa-metragem A Sina do Aventureiro, um faroeste de 1958. A película foi digitalizada artesanalmente pelo curador e faz parte do acervo que está sob sua guarda. Segundo ele, havia quem dissesse que a cena desaparecida por décadas, em que Mojica contracena com duas atrizes em um cabaré, não existia. “Os especialistas falavam que era mentira”, diz.

Boca do Lixo e Cracolândia

Para recontar a história de Mojica, Colaiacovo está resgatando também a história da chamada Boca do Lixo, área da região central paulistana que foi um polo de produção cinematográfica, principalmente entre as décadas de 1950 e 1980. Junto com sua sócia e companheira, Renata Forato, reabriu o Bar Soberano, que era ponto de encontro dos artistas à época. “O pessoal chegava aqui com um roteiro, e as produções eram formadas na mesa do bar. Atrizes escolhidas, eletricistas, maquinistas, era um lugar bem democrático”, conta sobre o espaço que foi reaberto próximo à Estação da Luz, em meio à aglomeração de pessoas em situação de rua e com consumo abusivo de drogas, conhecida com Cracolândia.

São Paulo – Mostra Além, muito além do Zé do Caixão homenageia o cineasta José Mojica Marins – Foto Rovena Rosa/Agência Brasil

“A gente não teria como acessar esse lugar se ele não tivesse tão degradado. A gente fez uma parceria independente com o antigo proprietário, porque era um lugar que, para ele, não valia a pena”, explica sobre como conseguiu realizar o sonho que alimentava há 15 anos de abrir um espaço sobre a história do cinema da Boca do Lixo.

Durante a reforma para implantação do empreendimento, que funcionará como bar e centro cultural, o casal se aproximou das organizações que oferecem atendimento à população desprotegida socialmente. “Fomos conhecendo todo tipo de coletivo, ONG [organização não governamental], artistas independentes e foi uma surpresa incrível de respeito com as pessoas, de ver como é possível lidar com as situações mais difíceis de uma maneira humana”, diz.

O curador lembra, inclusive, que mesmo antes da chegada do crack, já havia uma população marginalizada naquelas ruas. “À época da boca, do cinema, tinha um respeito mútuo com a marginalidade, a prostituição, o crime. O cinema aqui era uma coisa cara, que todo mundo respeitava: não ia vir aqui alguém assaltar as atrizes porque o negócio ficava feio”, lembra Colaiacovo, que foi assistente de Mojica por 15 anos.

Ele também se diz tranquilo em lidar com a carga controversa de parte da produção de Mojica, como a violência e o machismo, vistos por vezes no seu principal personagem. “O Zé do Caixão é um assassino. Ele mata pessoas porque tem uma funerária. É um sádico que mata e ainda lucra”, explica sobre como o personagem é claramente um vilão e não há exaltação de suas condutas. “É um personagem desprezível”, enfatiza Colaiacovo.

São Paulo – Mostra Além, muito além do Zé do Caixão homenageia o cineasta José Mojica Marins – Foto Rovena Rosa/Agência Brasil

Além do caixão

Os filmes feitos com baixo orçamento marcaram não só a história do cinema nacional, mas são referência do gênero em outras partes do mundo. Uma das filhas de Mojica, Liz Marins, lembra que o diretor norte-americano Tim Burton, nas vezes que esteve em São Paulo, se encontrou com o criador do Zé do Caixão e manifestou sua admiração pelo trabalho. Burton comandou grandes produções em Hollywood, como os filmes Edward Mãos de Tesoura e A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça. “Papai foi uma das referências do Tim. É muito forte isso, porque o trabalho do Tim é maravilhoso também”, diz Liz.

Com criatividade, Mojica foi capaz de produzir cenas e efeitos que custariam muito mais do que os recursos que tinha disponíveis. Um desses momentos acontece, segundo Liz, em À Meia-Noite Levarei Sua Alma, quando o diretor simula uma cena externa em um bosque, dentro de um espaço do tamanho de um quarto. O negócio é impressionante, ele correndo, perseguido por mortos-vivos pela floresta, você vai pensar que isso foi um cemitério. uma gravação externa. Nunca você vai imaginar que aquilo lá era pessoal correndo meio que em círculos”, diz.

O primeiro estúdio do criador do Zé do Caixão foi um galinheiro adaptado. De acordo com Colaiacovo foi ali que Mojica fez os primeiros filmes amadores na década de 1940. De uma família de artistas circenses espanhóis, o curador da exposição conta que desde cedo ele esteve em contato com a arte e com o cinema, até por esse ter sido um dos negócios do pai. “O pai e o tio eram toureiros e artistas. Eles estimularam muito o Mojica desde pequeno. Quando compraram o cinema, eles moravam nos fundos”, conta.

A exposição pode ser vista na Rua do Triunfo, 155, no centro paulistano, de quarta-feira a sábado, das 10h às 16h. A entrada é gratuita.

Museu paulistano completa 50 anos com mostras, palestras e concertos

Uma homenagem de um marido em luto para a falecida esposa. Foi assim que nasceu a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano. Era março de 1974, dois anos após a morte de Maria Luisa, quando o engenheiro paulistano Oscar Americano de Caldas Filho (1908-1974) decidiu transformar a casa da família, na Avenida Morumbi, zona sul paulistana, em um espaço de lazer e cultura. 

Oscar Americano era um conhecido engenheiro de grandes obras no país e proprietário da Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO). “Oscar Americano foi um dos grandes responsáveis pelo crescimento e urbanização da cidade [de São Paulo], especialmente da região do Morumbi”, disse Luiz Ventura, diretor administrativo e financeiro da fundação. Já Maria Luisa Ferraz Americano de Caldas (1917-1972) era mecenas, uma patrocinadora de artistas.

“Essa transição de uma casa para museu vem de uma ideia do Oscar Americano para homenagear Maria Luisa. Os dois morrem jovens: ela com 54 e ele com 66 anos, em um intervalo de dois anos entre a morte de um e outro. Durante o luto, ele teve essa ideia de fazer reformas [na casa] e deixar um fundo de dinheiro pra cuidar desses primeiros anos de expansão do acervo e foi assim que se organizou essa homenagem. O acervo começa com essa ideia da casa, do parque e da coleção do casal sendo doados para que outras pessoas pudessem prestigiar e acessar um pouco da visão e do cotidiano deles”, explicou Gloria Maria dos Santos, educadora da fundação.

Foi assim que a casa modernista onde o casal viveu, projetada pelo famoso engenheiro-arquiteto Oswaldo Arthur Bratke (1907-1997) e rodeada por um vasto parque com paisagismo de Octavio Augusto Teixeira Mendes (1907-1988), foi doada à cidade de São Paulo, junto com uma vasta coleção de obras de arte. Vizinha do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, a fundação foi tombada em 2018 pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). Antes disso, a fundação já havia sido declarada de utilidade pública pelo governo de São Paulo.

Neta do Oscar e Maria Luisa, Patrícia Americano Vidigal Simón, conselheira da fundação, não conheceu os avós, mas mesmo assim, diz que o espaço tem um significado muito especial para ela. “Aqui sempre foi uma referência da minha família, mostrando como eles viviam. Sempre tive curiosidade de entender como é que era essa dinâmica familiar, mesmo porque a minha mãe era a mais nova da família, a filha temporã. A história que eu escuto é que ela teve um cômodo adaptado para ela”, contou ela à Agência Brasil.

“Infelizmente não os conheci [os avós]. Queria muito ter vivido aqui nessa casa, enquanto ela era casa, mas fui saber mais sobre ela com a minha participação na fundação”, acrescentou.

Hoje, o endereço onde o casal Oscar Americano e Maria Luisa viveu por 20 anos com os cinco filhos é um espaço cultural e arquitetônico formado por uma casa-museu, um parque com espécies nativas da Mata Atlântica e uma vasta programação cultural, que inclui os tradicionais domingos com concerto musical no auditório da casa e encontros literários. “O que a família almeja é que permaneça esse legado dos meus avós no sentido da cultura, da música, da arte e do parque. A fundação precisa ser um parque artístico e cultural”, reforçou Patrícia.

Fundação completa 50 anos com mostras dedicadas aos 500 anos de Camões e 200 anos da primeira Constituição brasileira. Foto: Júlio Acevedo

Acervo

Entre 1974, ano em que foi instituída a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, e 1980, quando a sede foi aberta ao público, a casa sofreu adaptações para permitir a distribuição organizada do acervo para visitação.

A coleção inicial teve como base os objetos de arte pertencentes à família, composto por pinturas, esculturas, porcelanas, pratas e mobiliário. Ao longo do tempo, novas peças foram sendo incluídas ao vasto acervo, que abriga objetos que ajudam a compor um retrato do país. “Todas as peças aqui conversam com a história do Brasil”, explicou Luís Henrique Rodrigues, educador da fundação.

O acervo é constituído, por exemplo, por mobiliários, pratarias, arte sacra e pinturas do artista holandês Frans Post, que ajudam a contar o período do Brasil Colônia; até louças, comendas, cartas e adereços do Brasil Império. “A nossa coleção Imperial, possivelmente, está entre as três coleções mais importantes do Brasil junto ao Museu Imperial [em Petropólis-RJ] e o Museu Mariano Procópio [em Juiz de Fora-MG]”, conta Eduardo Monteiro, diretor cultural da Fundação.

Há no acervo também muitas obras representativas do Modernismo brasileiro, com pinturas e esculturas de Di Cavalcanti, Cândido Portinari, Lasar Segall e Victor Brecheret.

“A narrativa que a gente tende a seguir é essa que conta 400 anos de Brasil. Então a gente pensa a representação do Brasil colonial, Brasil imperial e também de artistas modernos. Nesse caráter de coleção do modernismo ainda entram a casa e o parque”, esclareceu Gloria Maria dos Santos. “Quando a gente está lidando com um acervo que passa tanto pelo [período] colonial e pelo imperial, [precisamos] justamente entender que eram tempos diferentes. Agora, quando já temos um outro olhar, podemos ir revisitando essas obras”, disse a monitora.

Celebrações

Os 50 anos da fundação, completados neste mês de março, vai ser celebrado com programação diversa. A agenda prevê palestras sobre a história do Brasil, encontros literários, concertos musicais, exposições e até chá com membros da Academia Paulista de Letras (APL).

Em abril, por exemplo, um evento literário vai falar sobre os 500 anos de nascimento do poeta e dramaturgo Luís de Camões (nascimento estimado em 1524 e morte em 1580), destacando uma peça do acervo da fundação: uma cópia do livro Os Lusíadas que foi feita especialmente para homenagear Dom Pedro II.

Haverá também homenagens aos 80 anos de nascimento do poeta brasileiro Paulo Leminski (1944-1989) e aos 200 anos da primeira Constituição brasileira, de 1824. Para a celebração da Constituição, por exemplo, a fundação vai destacar um exemplar do seu acervo: um estojo contendo uma miniatura da Constituição Imperial, outorgada por D. Pedro I.

A Constituição de 1824 foi a de duração mais longa do país, num total de 65 anos. A Carta continha 179 artigos e é considerada pelos historiadores como uma imposição do imperador. Entre as principais medidas dessa Constituição estava o fortalecimento do poder pessoal de Dom Pedro, com a criação do Poder Moderador, que estava acima dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Medalha-estojo da Constituição Imperial outorgada por d. Pedro em 1824. Foto – Acervo Fundação Maria Luisa e Oscar Americano

“Temos esse exemplar, em miniatura, da Constituição de 1824. Vamos fazer uma mostra para expor essa peça no hall de entrada porque ela é uma peça única. É incrível que está tudo escrito ali, em papel. É uma medalha-estojo, com a Constituição ali dentro”, disse Monteiro.

A instituição também está se preparando para os 200 anos de nascimento de Dom Pedro II, que serão completados em 2025. Para isso ela vai realizar uma série de palestras sobre a história do Brasil, que vão culminar com uma exposição sobre Dom Pedro II, a partir de novembro.

A Fundação Maria Luisa e Oscar Americano tem entrada gratuita às terças-feiras. Mais informações podem ser obtidas no site da instituição

Lava Jato completa 10 anos com resultados em xeque e prestígio abalado

Contas no exterior, em paraísos fiscais como Suíça e principado de Mônaco, com milhões de dólares ou euros ocultos. Diretores da Petrobras presos preventivamente por meses a fio. Políticos condenados e encarcerados. Enormes “propinodutos” jorrando maços de dinheiro ao vivo no Jornal Nacional. Dez anos após o início da Lava Jato, completados neste domingo (17), tais cenas espetaculares permanecem vívidas na memória do brasileiro.

A operação em si já ficou no passado. O marco para seu fim foi o desmonte oficial da força-tarefa de procuradores, em 3 de fevereiro de 2021, anunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) sob comando do então procurador-geral da República, Augusto Aras, um crítico da operação. O sentimento antipolítica que a Lava Jato turbinou, contudo, segue se desdobrando na sociedade brasileira, por vezes de maneiras autoritárias e contrárias à democracia, apontam pesquisadores, cientistas políticos e juristas ouvidos pela Agência Brasil.

Alguns resultados da Lava Jato não resistem bem ao passar do tempo. Condenações anuladas, denúncias rejeitadas e acordos renegociados tomaram conta do noticiário sobre a operação, que teve o prestígio abalado depois da Vaza Jato, como ficou conhecido o vazamento de conversas entre o ex-juiz Sergio Moro e a antiga força-tarefa da operação. Obtido por meio de uma invasão ilegal aos celulares das autoridades, o material foi publicado em junho de 2019 pelo portal The Intercept Brasil.

Mesmo antes do vazamento das mensagens, já era possível perceber como as escolhas da força-tarefa poderiam acabar mal. Um dos maiores abalos na reputação da operação se deu quando, no fim de 2018, o ex-juiz Sergio Moro, à frente da Lava Jato desde seu início, decidiu deixar a magistratura para ser ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro, dando assim razão aos que apontavam motivações político-partidárias na sua atuação.

Para o cientista político Fábio de Sá, ida de Moro para o governo Bolsonaro foi “virada de chave” – Fábio de Sá/Arquivo pessoal

Houve ali “uma virada de chave”, avalia o cientista político Fábio de Sá e Silva, professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. “Com a ida de Moro para o governo, existiu uma quebra na forma como as pessoas falavam sobre a operação, de uma maneira muito idealizada e rejeitando a crítica, num primeiro momento, passou-se a se permitir um maior questionamento, abriu-se espaço para uma análise um pouco mais bem informada”, diz o pesquisador, que produziu dois estudos sobre a Lava Jato.

Num desses trabalhos, premiado como melhor artigo de 2022 pela Law and Society Association, organização internacional dedicada à sociologia do direito, o professor buscou demonstrar como ideias e valores antidemocráticos encontraram vazão nas interações entre os procuradores da Lava Jato e seus seguidores nas redes sociais já nos anos de 2017 e 2018.

Muito antes dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro do ano passado, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas por apoiadores de Bolsonaro, a ideia de uma intervenção militar para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, já ganhava corpo em perfis como o do ex-procurador da República Deltan Dallagnol, antigo coordenador da Lava Jato, aponta Sá e Silva.

“Houve do lado da Lava Jato uma compreensão de que era sim para colocar as instituições ‘contra a parede’. Essa é uma expressão que não à toa aparece entre as mensagens da Vaza Jato, e meu estudo recupera um pouco disso. A própria força-tarefa, sobretudo o Dallagnol, construiu uma estratégia de pautar a opinião pública e usar a opinião pública contra os tribunais”, analisa o professor.

Ele aponta como, nos últimos anos, surgiram dentro e fora do Brasil diversos estudos em que o discurso idealista sobre a operação cedeu espaço para pesquisas mais objetivas, que já reconhecem como fato, por exemplo, ter havido alguns abusos jurídicos e no mínimo impropriedade nas comunicações entre Dallagnol e Moro.

Estratégia questionável

Um desses trabalhos é o livro Lava Jato: Aprendizado Institucional e Ação Estratégica na Justiça (WMF Martins Fontes, 2021), escrito pela cientista política e juíza federal Fabiana Alves Rodrigues. Finalista do prêmio Jabuti na categoria ciências humanas, a obra tem como base a tese de mestrado da autora, defendida na Universidade de São Paulo (USP).

Após ter lido todas as peças processuais da operação entre seu início, em 2014, até o fim de 2016, auge da Lava Jato, a pesquisadora montou um quadro amplo sobre os métodos da força-tarefa e suas estratégias nem sempre compatíveis por inteiro com a lei. “Tudo que houve de tramitação nesses processos eu analisei”, frisa a magistrada.

Pesquisadora Fabiana Rodrigues se debruçou sobre os métodos da força-tarefa da Lava Jato – Fabiana Rodrigues/Arquivo Pessoal

O que a pesquisadora encontrou foi uma Lava Jato vulnerável a sua própria superexposição midiática. Manter pulsante a narrativa da operação acabou por assumir a prioridade, por vezes ao custo de se navegar em zonas cinzentas da lei e deixando em segundo plano a existência de provas dos crimes, aponta Fabiana Rodrigues.

Esticar uma interceptação telefônica além do prazo, ocultar o endereço de empresas com sede em outro estado, diminuir a importância de um crime ser eleitoral, manejar prisões para forçar delações premiadas, abusar da retórica em denúncias sem evidências, manter informais as trocas de informações com órgãos fiscais e de cooperação internacional; essas foram algumas das táticas jurídicas questionáveis documentadas pela pesquisadora. 

No início, sob o escudo da opinião pública, tais procedimentos duvidosos receberam até mesmo a chancela de instâncias superiores. Em julgamento de setembro de 2016, por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4) chegou a afirmar que a operação mereceria “tratamento excepcional”, com regalias em relação a outros casos. Naquele mesmo ano, a Lava Jato ganharia o prêmio Innovare, como iniciativa mais inovadora do Ministério Público.

Na época, a defesa dos métodos da operação se deu pela necessidade de a Lava Jato se sobrepor aos interesses dos poderosos, mas tal lógica se mostrou fadada ao fracasso, opina Fabiana Rodrigues. Uma vez amainado o clamor popular, o sistema judiciário começaria a reconhecer as nulidades processuais praticadas anteriormente.

“Parece uma estratégia boa, mas ela só funciona no curto prazo. Ninguém vai ficar o tempo inteiro dando apoio midiático, as pessoas cansam do assunto. Também porque o recorte do processo penal é muito limitado, lida ali com fatos concretos, não se presta a combater as causas reais, estruturais, da impunidade”, diz a cientista política.  

O que ficou claro em seu estudo, frisa a autora, “foi a utilização de processos como meios para se chegar a um fim, e o fim era essencialmente atingir a classe política como um todo, não somente os corruptos”. 

Com a ida de Moro para o governo, em seguida a Vaza Jato e, mais recentemente, a eleição do ex-juiz como senador e de Dallagnol como deputado federal, motivações políticas e até mesmo eleitorais, que antes já podiam ser inferidas, tornaram-se escancaradas. “A operação foi deslegitimada por seus principais operadores”, diz a cientista política. “Não era sobre corrupção”, resume.

Delações afoitas

Para o criminalista André Callegari, pós-doutor em direito e autor do livro Colaboração Premiada: Lições Práticas e Teóricas (Martial Pons, 2021), baseado na jurisprudência do STF sobre o assunto, as delações foram um dos principais pontos frágeis da operação.

O advogado e professor, que trabalhou na Lava Jato defendendo nomes como o do empresário Joesley Baptista, da J&F, afirma agora que “não poderíamos ter tido colaborações premiadas da maneira como foram feitas”. Além de “afoitas” e provocadas por prisões questionáveis, as delações tiveram como grande problema terem sido homologadas “sem os dados de corroboração entregues”, diz Callegari.

Para o criminalista André Callegari, delações foram um dos principais pontos frágeis da Lava Jato – André Callegari/Arquivo pessoal

A ideia vendida e comprada na época, explica ele, foi que o relato do colaborador poderia ser feito antes da entrega de provas para corroborá-lo. As evidências poderiam ser depois investigadas e coletadas pela polícia, acreditava-se. “Isso levou a consequências desastrosas, que são agora mostradas pelos tribunais”, aponta o criminalista.

Não por acaso as delações se tornaram logo alvo fácil das críticas feitas por alguns ministros do Supremo, transmitidas ao vivo pela TV Justiça. Tornou-se célebre a expressão de Gilmar Mendes, que, em sessão plenária de 2017, no julgamento sobre a validade de delações firmadas pelo Ministério Público Federal (MPF), disse que “o combate ao crime não pode ser feito cometendo crimes”.

O caso mais rumoroso, não há dúvidas, foi a condenação do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato, em boa medida embasada nas delações de executivos da antiga empreiteira Odebrecht (atual Novonor). Em setembro do ano passado, o ministro Dias Toffoli, do STF, decidiu anular todas as provas do acordo de leniência da empresa, apontando vícios insanáveis.

Nessa mesma decisão, Toffoli escreveu que a prisão de Lula foi uma “armação” e “um dos maiores erros judiciários da história do país”. As condenações do petista, contudo, já estavam anuladas desde 2021, quando o ministro Edson Fachin, do STF, reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal em Curitiba para julgar o político. Os casos foram remetidos para a Justiça Federal no Distrito Federal, onde as ações foram arquivadas por prescrição e falta de evidências.

Diversas condenações foram anuladas desde então, incluindo a de André Vargas, ex-líder parlamentar do PT e primeiro político condenado na Lava Jato (setembro de 2015). O ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto também se livraram de suas sentenças, bem como Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras. Políticos de outros partidos, como o ex-deputado Eduardo Cunha, que foi do MDB e hoje está no PTB, também se beneficiaram.

Danos e consequências

Mesmo absolvidos, há grande dificuldade para que esses políticos retomem o prestígio que uma vez gozaram, avalia a jornalista e cientista política Érica Anita Baptista, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI). Em sua tese de doutorado, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisadora tratou das consequências da Lava Jato para a reputação da classe política. 

Eduardo Cunha, por exemplo, tentou voltar à Câmara dos Deputados, que presidiu de fevereiro de 2015 a julho de 2016. mas não conseguiu se eleger em 2022. Há outros exemplos. Um deles é o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), também alvo da operação, que foi de presidenciável a coadjuvante dentro do próprio partido.

O caso contra o tucano na Lava Jato voltou à estaca zero quando foi remetido pelo Supremo à Justiça de São Paulo, em 2019. No ano passado, ele obteve a absolvição em um dos processos, sentença que foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). Mas, atingido pelo vazamento à imprensa da delação premiada de Joesley Batista, em 2017, Aécio nunca recuperou o destaque de antes.

Os próprios vazamentos constantes de informações, que eram replicadas sem grande esforço de apuração pelos meios de comunicação, “revelam a ânsia pela visibilidade, para gerar essa comoção, aumentar a percepção do caso e torná-lo um grande escândalo”, sublinha Érica Anita Baptista.

“A cobertura da mídia foi muito determinante para a Lava Jato ganhar essa força como escândalo político”, diz a cientista política Érica Anita Baptista  – Érica Anita Baptista/Arquivo pessoal

Os diálogos da Vaza Jato depois revelariam também a interação próxima dos procuradores com jornalistas, a quem forneciam informações exclusivas. “A cobertura da mídia foi muito determinante para a Lava Jato ganhar essa força como escândalo político”, comenta ela.

O objetivo de se perseguir os holofotes, que se supunha ser o combate à corrupção, mostrou depois ser a busca por uma projeção política, indica a pesquisadora. “Se aproveitaram da visibilidade do caso para ter visibilidade própria.” 

É inegável que a Lava Jato foi de fato uma divisora de águas no combate à corrupção. Centenas de condenações foram produzidas, e bilhões de reais recuperados. Muito devido à operação, a pauta da corrupção permanece forte no debate público, ainda que numa temperatura menor, reconhece a pesquisadora.

A consequência, contudo, foi o reforço da descrença do brasileiro nos políticos, pondera a cientista política. Num país com uma visão já altamente negativa da política, o risco é que a própria democracia fique inviabilizada. “A gente já tem um problema estrutural de baixa participação política, e o que houve foi um afastamento ainda maior da população”. 

Outro lado 

Para os dez anos da Lava Jato, o ex-procurador Deltan Dallagnol deu uma entrevista à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na qual defendeu a operação e seu legado. Ele voltou a afirmar que os ex-integrantes da Lava Jato sofrem uma perseguição dos políticos e poderosos que tiveram seus interesses prejudicados pela operação.

“O sistema reagiu, buscando mostrar quem manda, destruir as investigações, acabar com os instrumentos de combate à corrupção e retaliar os agentes da lei que decidiram combater a corrupção pela primeira vez na história [do Brasil]”, disse o ex-procurador. 

Dallagnol continua a sustentar a linha principal da Lava Jato, de que a operação “salvou o país” de um projeto de poder do PT. “O aparato estatal foi controlado e dominado por donos do poder para extorquir, para roubar a sociedade brasileira. Um dinheiro bilionário, que era colocado no bolso dos envolvidos e para financiar caras campanhas eleitorais e prolongar, especialmente, o projeto de poder do partido à frente do pais na época, o PT”, defendeu. 

Depois de deixar uma carreira de 18 anos no Ministério Público Federal (MPF), em outubro de 2022, Dallagnol se elegeu deputado federal pelo Podemos, sendo o mais votado no estado do Paraná, com 345 mil votos. Em maio do ano passado, o ex-procurador acabou tendo o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em setembro, o TSE rejeitou recurso de Dallagnol para anular a decisão que cassou seu mandato. 

O entendimento da Justiça Eleitoral foi de que Dallagnol tentou burlar a lei ao pedir exoneração do MPF para evitar punições, quando ainda havia 52 processos disciplinares pendentes contra ele em tramitação no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Hoje, o ex-procurador se identifica como embaixador nacional do partido Novo, ao qual é filiado. 

A Agência Brasil procurou o ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União Brasil-PR), antigo responsável pela Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, mas o parlamentar disse, por meio de sua assessoria, que não comentaria temas relacionados à Lava Jato.

“Pode ir na ONU que não tô nem aí”, diz Tarcísio sobre abuso da PM

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, declarou nesta sexta-feira (8) que não está “nem aí” para as denúncias de que estão ocorrendo abusos na condução da Operação Verão, deflagrada pela Polícia Militar na Baixada Santista.

“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU [Organização das Nações Unidas], pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse a jornalistas, durante evento na capital para celebrar o Dia Internacional da Mulher.

Desde o ano passado, a Baixada Santista tem sido palco de grandes operações de segurança, após policiais militares serem mortos na região. O número de pessoas mortas por PMs em serviço na região aumentou mais de cinco vezes nos dois primeiros meses deste ano. 

Em janeiro e fevereiro, os agentes mataram 57 pessoas, segundo dados divulgados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP). No mesmo período do ano passado, foram registradas dez mortes por policiais em serviço na região.

Nesta sexta-feira, o governador Tarcísio de Freitas foi denunciado ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) pela escalada da letalidade policial no estado. Apresentada pela Conectas Direitos Humanos e pela Comissão Arns, a denúncia aponta que a situação no litoral paulista é resultado de ação deliberada de Tarcísio “que vem investindo na violência policial contra pessoas negras e pobres”.

As entidades pediram que o conselho leve o Estado brasileiro a estabelecer medidas de controle à violência policial no estado de São Paulo, assegurando a implementação do programa de câmeras corporais, investigando de forma independente e responsabilizando os agentes públicos e a cadeia de comando envolvida na prática de abusos e execuções sumárias.

Em entrevista nesta sexta-feira, o governador defendeu o trabalho dos policiais, argumentando que as operações têm feito uso de “inteligência e alvos determinados” e que elas estariam “restabelecendo a ordem”. 

“Há sempre muita crítica à nossa ação, e isso me impressiona um pouco porque me parece que é mais confortável fazer o que era feito antes”, disse. “A nossa polícia é extremamente profissional. É uma pena que toda hora as pessoas querem colocar a polícia na posição de criminosa. Não é isso. Esses caras estão defendendo a gente, defendendo a nossa sociedade, com coragem. Estão vestindo farda para enfrentar criminoso”, acrescentou.

As operações da Polícia Militar no litoral têm sido bastante contestadas. No domingo (3), uma comitiva formada por diversas entidades de defesa dos direitos humanos foi até a Baixada Santista para colher depoimentos sobre as operações da Polícia Militar na região. O ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Claudio Silva, que integrou a comitiva, defendeu a suspensão da Operação Verão.

“Por parte das testemunhas, é importante revelar que vem uma série de reclamações sobre intimidações, volta da polícia à cena do crime e invasão de casas de vítimas que já foram mortas. Tem uma das testemunhas que relatou que a casa foi invadida, mesmo depois da pessoa morta, e totalmente revirada. E intimidação de forte aparato policial presente no sepultamento de vítimas”, disse o ouvidor.

Nesta semana, o Ministério Público decidiu abrir uma notícia fato para investigar as denúncias de que os policiais militares não estariam preservando as cenas dos crimes, levando os mortos da operação para os hospitais como se estivessem vivos para evitar a perícia no local exato da morte. Quando o corpo é retirado do local do crime, o trabalho da perícia fica prejudicado, dificultando a constatação se houve homicídio ou morte decorrente de intervenção policial. 

A jornalistas, Tarcísio respondeu sobre essa investigação do Ministério Público. “Estamos fazendo o enfrentamento de forma profissional, de forma séria. E aí vem denúncia disso, denúncia daquilo. Temos que entender, às vezes, a situação em que as pessoas estão lá, escravizadas pelo crime, ameaçadas pelo crime. Porque oficialmente não chega nada lá. Você conversa com o pessoal da Santa Casa de Santos e nenhuma informação dessa foi veiculada. É uma tremenda irresponsabilidade levantar esse tipo de situação sem evidência, sem lastro”.