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Nobel de Química estimula alunos da USP a seguirem carreira científica

Ganhar o Prêmio Nobel de Química em 2021 serviu como um lembrete ao pesquisador escocês David MacMillan da paixão que nutre pela área de conhecimento que escolheu para dar sua contribuição ao mundo. Catedrático da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, MacMillan participou nesta quarta-feira (17) de um evento realizado na Universidade de São Paulo (USP), organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), em parceria com a Fundação Nobel.

MacMillan recebeu a distinção com Benjamin List, pelo caráter inovador de métodos de construção de moléculas orgânicas. O processo que aprimoraram é conhecido como organocatálise assimétrica e serve, por exemplo, à indústria farmacêutica.

Diante de um auditório cheio, o pesquisador revelou que, enquanto desenvolvia o projeto com o colega, tinha uma preocupação mais ordinária, que era a de manter seu emprego de professor, e que um dos benefícios trazidos pelo reconhecimento atingido foi o de ampliar contatos na comunidade científica. Na época, ele ocupava o cargo de professor assistente na Universidade de Berkeley, também nos Estados Unidos, e tinha um prazo de seis anos para mudar de categoria e, com isso, garantir sua vaga no quadro docente, o que evidencia as cobranças em torno da produtividade e excelência dos pesquisadores.

O escocês disse, ainda, que a experiência também fez com que passasse a se ver como um embaixador da ciência, “tarefa levada com seriedade”, e que algo que o ajudou a receber o prêmio foi cogitar possibilidades diferentes das já pavimentadas por outros colegas.

“O impacto pelo que eu estava esperando era: será que conseguirei manter meu emprego?”, contou, rindo.

“Em última análise, eu estava pensando mais em estava olhando as coisas que estávamos fazendo e me perguntando: do modo com a química funciona, todos fazem desse jeito aqui. Esse jeito faz sentido? Algumas maneiras faziam sentido, mas outras pareciam estranhas para mim. Então, comecei a pensar: existem maneiras diferentes de se fazer, de se pensar? E foi aí que começamos a enveredar por uma direção completamente distinta”, emendou.

Também participaram do evento a psicóloga e neurocientista norueguesa May-Britt Moser, que ganhou o Nobel de Medicina em 2014 e chefia o departamento do Centro de Computação Neural na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, e o físico francês Serge Haroche, laureado com o Nobel de Física em 2012 e que leciona no Collège de France. O diálogo foi realizado no auditório do Centro de Difusão Internacional da USP.

Mostra reúne obras da carreira de Maria Lira Marques

A exposição Roda dos Bichos, que reúne trabalhos de toda a carreira da artista Maria Lira Marques, de 79 anos, estreia neste sábado (2), no Instituto Tomie Ohtake, na capital paulista. Entre pinturas e esculturas estão peças nas quais utilizou barro extraído das encostas mineiras para produzir cerâmicas e pigmentos naturais. A mostra vai até 26 de maio.

A mostra é dividida entre as três salas à esquerda do grande hall. Na primeira, redonda, estão as pinturas em seixos de rio e outros trabalhos em papel. A segunda traz diferentes grupos de obras e famílias de bichos, reunindo grande parte dos trabalhos apresentados na exposição.

Já a terceira sala, além de apresentar obras do início da carreira de Maria Lira, é dedicada a contextualizar seu trabalho e ligação com o Vale do Jequitinhonha, com documentos, objetos, cantos e fotografias. Há ainda a apresentação de um curta-metragem produzido especialmente para a exposição, exibindo seus cantos, trajetória e obra.

Os curadores Paulo Miyada e Sabrina Fontenele ressaltam que a produção é profundamente marcada pelo imaginário do semiárido mineiro e que a artista se destaca por desenvolver uma linguagem singular, pintando em pedras ou sobre o papel seres que habitam seu universo. “Os bichos do sertão de Lira vivem na paisagem imaginante que se forma na ressonância entre a artista e o território. Tomam assento na superfície arredondada de seixos de rio, delineiam-se entre manchas feitas de água, cola e pigmentos minerais”, afirmou Miyada.

“Reaparecem enquadrados em planos de tons de vermelho, ocre, branco e amarelo, sozinhos ou em grupo, muitas vezes junto a símbolos-runas que traduzem elementos mais-que-humanos. São bichos de terra, marcam-se na terra, e estão sempre grávidos de movimento”, disse o curador. 

Nascida no município de Araçuaí (MG), no Vale do Jequitinhonha, Maria Lira é ceramista, pintora e pesquisadora autodidata. O interesse por esculturas surgiu por volta dos cinco anos, observando a mãe criar peças em barro para presentear vizinhos. Com cera de abelha, que o pai usava na sapataria, a artista moldou suas primeiras peças. Ainda na infância, na busca por desenvolver suas habilidades, aprendeu a lidar com o barro junto a uma vizinha, uma artesã e ceramista da região conhecida por “Dona Joana”.

“Ela já era bastante velha, e com ela eu aprendi muita coisa. Ela me levou no lugar onde tirava o barro, foi me explicando como tirar a terra, olhar a ocasião de lua para tirar a terra, para não quebrar, não rachar, os tipos de madeiramento e os tipos de folhagem para queimar, para a peça obter um certo brilho. Eu aprendi muita coisa para melhorar o meu trabalho em questão de técnicas perguntando às pessoas”, contou Maria Lira.

Na década de 1970, conheceu Frei Chico, missionário holandês, amigo e parceiro profissional, com quem trabalhou para documentar a cultura popular do Vale do Jequitinhonha, gravando cantos e rezas tradicionais. Resultado dessa parceria, a cidade ganhou também um museu dedicado à história e cultura popular da região.

Após diagnóstico de uma tendinite, Maria Lira precisou trocar a produção de esculturas pela pintura, usando o barro em diferentes tonalidades como pigmento para desenhar. Em viagens junto a Frei Chico, eles recolhiam porções de terra para que a artista utilizasse em suas peças. A Agência Brasil entrevistou a artista, que contou passagens de sua trajetória.

Confira os principais trechos:

Agência Brasil: Como surgiu o interesse em esculturas a partir do barro?
Maria Lira Marques: Tudo começou vendo minha mãe trabalhar. Ela, todo ano, fazia os presépios de Natal e doava pros vizinhos lá da minha rua. Todo mundo ficava atrás dela para fazer os presepinhos. E eu, pequena, a via trabalhar e logo me interessei em querer aprender. Ficava ao lado dela, vendo-a manusear o barro. Só que as primeiras pecinhas que fiz foi com cera de abelha. Meu pai era sapateiro e tinha bastante cera de abelha em casa. E eu achava interessante pegar o bolo de cera e chegar na brasa, derreter a cera e manusear, fazer as pecinhas. Depois eu comecei a usar mesmo o próprio barro. Porque aquilo eu já gostava, de lidar com barro. E, já com aquela intenção, eu pensava assim: eu quero ser o que minha mãe é.

Agência: Qual era sua inspiração para produzir as esculturas?
Maria Lira: Eu gosto muito de expressão de rosto e de observar o rosto das pessoas. E minha mãe falava muito de assunto do negro, contava muito caso de escravidão, casos muito tristes. Eu tenho descendência de negro e de índio na família, eu sou negra. Eu gosto de expressar rosto do negro. Quando não é do negro, é do índio. Mas não é só máscara que eu faço, faço também figuras.

Quando eu quero mostrar, por exemplo, um caso de exploração, de um problema social, eu posso mostrar isso no barro. Se eu soubesse fazer poesia, se eu quisesse mostrar isso na música, pode mostrar no teatro, mas eu mostro essa leitura no barro. Eu tenho a peça do parto, e esse parto que eu fiz não é simplesmente uma mulher ter o filho, mas é a luta de todas as mulheres, não só do Vale do Jequitinhonha, mas de todo o mundo. É uma pessoa que está lutando, que está pelejando para sobreviver.

Agência: Qual foi a importância do encontro com o Frei Chico?
Maria Lira: Uma vez, percebendo o meu trabalho como artesã, ele me ajudou muito a ir pra frente, a crescer, a dar valor, a falar comigo da importância daquilo que eu fazia, para a gente não abandonar. O trabalho junto com ele foi maravilhoso, porque com ele também eu aprendi a valorizar a minha própria cultura, fazendo os trabalhos de pesquisa sobre a cultura popular no Vale, de gravar os cantos de roda, os cantos de trabalho, os cantos de canoeiro, de tropeiro, os acalantos, cantos para pedir esmola. 

Tudo isso nós gravamos. Depois, entramos na parte da religiosidade popular, os cantos de penitência, os benditos, os louvores de anjos. Você não acha em nenhum livro escrito essa cultura dos pobres. E a intenção dele era ter um coral, em Araçuaí, que cantasse todo esse tipo de música.

Gravamos 250 fitas cassete [com cantos da população local], depois pegamos, fita por fita, para fazer índices. Depois copiar tudo que estava nessa fita sem alterar nada. Ele falava comigo “Lira, o que você não entender, no copiar das fitas, você põe interrogação para depois a gente escutar direitinho ou perguntar à própria pessoa”.

Todo esse trabalho de pesquisa, nós dois fizemos. O Coral Trovadores do Vale, faz 50 anos, ele criou para a gente cantar tudo o que fosse do povo, justamente para valorizar essa cultura que não está escrita em livros, a tradição oral dos pobres. Eu estou com 79 anos e ainda participo do coral. Cheguei logo assim que ele fundou o coral.

Agência: Como foi o início do Museu de Araçuaí, junto ao Frei Chico?
Maria Lira: Depois do coral, ele falou pra mim “Lira, você me ajuda a gente fazer um museu?”. Eu falei “eu ajudo”. Quando ele falou, eu me entusiasmei. Quando ele falou para mim que ele queria um museu com as coisas de uso que as pessoas tinham em casa, e eu conhecia bem as pessoas onde tinha o material, então, não foi difícil para a gente. Ele me ensinou a fazer o fichário, me ensinava tudo.

Então, quando se ganha uma peça ou, se alguém não quiser doar, explicar a finalidade do museu, aqui em Araçuaí, pras pessoas. Ele queria esse museu, onde tudo que tivesse no museu era de uso do pessoal mais simples. E eu consegui, quando eu falava, as pessoas doavam, raramente a gente comprava alguma coisa. Ele me ensinou a fazer o fichário, o nome da peça, como usava aquilo que tinha ganhado, a data, o nome da pessoa, em que lugar eu peguei aquela peça, se foi em Araçuaí ou se foi na zona rural, na casa de outra pessoa.

Agência: Sobre as suas pinturas, me conta um pouco das coletas de terras coloridas que a senhora fazia em das viagens?
Maria Lira: Depois que Frei Chico mudou de Araçuaí para Belo Horizonte, todo ano ele ia lá no mês de outubro para fazer a festa do Rosário. Na volta, eu ia junto com ele e ele falava, “Lira, no caminho, todas as terras que você ver, você fala comigo que eu paro o carro para a gente coletar essas terras pr’ocê”. E foi dessa maneira, com as idas dele, porque ele se interessava muito pelo meu trabalho, muito pelo meu crescimento, pela minha arte. Ali em Diamantina nós coletamos muita terra, tem muita terra colorida ali na Chapada.

Esses pigmentos não é assim em qualquer terra não, é terra mesmo mineral. Em Belo Horizonte também nós coletávamos muita terra, ali na [região da] Mannesmann [siderúrgica], em lugares que a gente via que tinha veia de terra, mais é nesses lugares que a gente encontra, onde mexe com lavrado, que às vezes tem ouro, é que dá esse tipo de terra, às vezes uma margem de rio. Eu tenho muita terra colorida lá colocada em vidros, transparente, que você pode ver a cor dos barros, das terras. Tem terra amarela de várias tonalidades, o branco, o roxo e outras cores. É um encanto a terra, viu? É saber olhar a terra para você encontrar essa grandiosidade de cores.

Pioneira na física, professora lembra carreira de quase 70 anos na USP

Quando era adolescente, Yvonne Mascarenhas gostava de escrever e pensava em se tornar jornalista. Porém, quando chegou a época do vestibular, acabou optando pela química. “Tive um excelente professor e, pensando bem, vi o quanto a química é útil para a sociedade”, diz Yvonne, ao lembrar da decisão que a levou a ser a primeira mulher a ocupar uma cadeira no Departamento de Física da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), em 1956.

Quase 70 anos depois, aos 92 anos de idade, Yvonne vê na docência uma de suas maiores realizações na carreira. “Eu sempre digo: ‘não foi nenhum trabalho especial que eu fiz, que eu considere assim tão importante’. O mais importante foi o número de pessoas que aprenderam comigo, aprenderam nos cursos que eu organizei.”

Yvonne Mascarenhas, primeira mulher a ocupar uma cadeira no Departamento de Física e Engenharia de S. Carlos da USP em 1956.Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Em 2001, aos 70 anos e com quase 50 anos como professora da USP, ela se aposentou compulsoriamente, mas não deixou a universidade. “Recebi primeiro o título de professora emérita, depois surgiu uma posição na USP, que se chama professor sênior, que tem até um contrato. Não é um contrato de trabalho, é uma permissão de uso dos espaços”, explica. “Posso ter uma sala, ter meu computador, ter o laboratório. Só não posso dar aula, nem ter atividade administrativa”, diz a pesquisadora, ao lembrar como continuou orientando alunos de mestrado e doutorado depois da aposentadoria.

Prêmios

Yvonne Mascarenhas. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Yvonne, que estudou nos Estados Unidos e na Inglaterra, ganhou diversos prêmios especializando-se na cristalografia, ciência que estuda a composição dos materiais a partir da forma como as ondas os atravessam. “Como eu trabalhei em uma área muito interdisciplinar, tive prêmios de sociedades de química, de física”, relata, sem destacar nenhuma honraria em especial.

Em 2017, ela foi uma das 12 cientistas agraciadas com o prêmio Distinguished Women in Chemistry or Chemical Engineering Awards, da União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac).

Na última terça-feira (6), foi a vez de receber o Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “Eu posso destacar como sendo um que engloba praticamente todos os outros de uma maneira como se fosse agora uma conclusão da minha vida”, resumiu a professora, logo após participar da cerimônia de entrega dos troféus no campus Maria Antônia da USP, no centro da capital paulista.

A professora conta que tem um carinho especial pela SBPC, por causa do papel que a instituição teve durante a ditadura militar. “Nos maiores momentos da vida nacional, em que vivíamos angustiados com os amigos sendo presos, torturados, durante a ditadura, a SBPC foi uma sociedade que teve comportamento ímpar de defesa da democracia, de defesa dos direitos humanos.”

Neste Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, lembrado anualmente no dia 11 de fevereiro, a Agência Brasil traz uma entrevista exclusiva com a pesquisadora que lembra os momentos mais marcantes de sua vida e sua carreira na ciência:

Agência Brasil – Como a senhora decidiu se tornar cientista?
Yvonne Mascarenhas – Eu fui, quando era adolescente, muito apaixonada por literatura, jornalismo, tudo que é de arte, tudo que é comunicação. O meu ideal era estudar no ensino superior na área de letras. Meu pai me estimulava muito, porque, como eu gostava muito de escrever, e ele tinha um amigo que tinha um jornal, de vez em quando, ele pegava uma das minhas redações, como se chamava naquele tempo, levava lá e publicava.
Mas quando eu cheguei no que antigamente chamava-se curso colegial, que era dividido em clássico e científico, eu fui para o clássico, mas tive professores muito bons em matemática, física e química, mesmo dentro do curso clássico. Então, eu me interessei muito por química. Tive um excelente professor e, pensando bem, eu vi que a química é tão útil para a sociedade, tem tantas vertentes em que ela é importante, tanto nas aplicações biológicas como nas aplicações industriais.
Eu me apaixonei pela química, principalmente a área de química orgânica. Aí, resolvi fazer vestibular para química. Consegui, passei, entrei na Faculdade de Filosofia, que antigamente era a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, porque o Rio de Janeiro era a capital. E se transformou essa universidade em UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro].
No meu tempo – era um tempo muito mais ameno, digamos assim –, tudo acontecia, a faculdade de filosofia era ali perto da Cinelândia, do Rio, um lugar muito privilegiado. Tem o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, todos os cinemas, que era uma das coisas principais daquela época, teatros, tudo por ali. Eu tive uma oportunidade maravilhosa de conviver com cientistas, com matemáticos, com biólogos, tudo desde a Faculdade de Filosofia, e ao mesmo tempo frequentar esse ambiente cultural riquíssimo que era no Rio de Janeiro. Eu tive muita sorte.

Agência Brasil – Qual foi o seu primeiro marco na carreira de cientista?
Yvonne Mascarenhas – Decidir eu mesma, dentro da química, o que achava interessante, foi quando fiz uma disciplina com um professor que tinha acabado de voltar dos Estados Unidos, tinha se doutorado no MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts], chamava-se Elysiário Távora [importante geólogo]. Ele tinha se doutorado junto com um orientador que era um dos grandes cristalógrafos da época, em que a cristalografia estava se formando mesmo, de difração de raio x. E ele nos deu um curso muito interessante.
Eu falei: “é isso que eu quero”. Porque as propriedades de todos os materiais dependem da estrutura molecular e da estrutura do empacotamento das moléculas dentro do cristal, dentro do material que vai ser usado.

Agência Brasil – O que é a cristalografia?
Yvonne Mascarenhas – É o estudo dos cristais. É um estudo, porque pode não ser cristal, começou como cristal, mas hoje em dia até com materiais amorfos a gente tem certas aplicações da difração e espalhamento de raios x. Então fiquei nessa área. [estudo da estrutura dos materiais a partir da maneira como as ondas, como os raios-x, se espalham ao atravessar a matéria].
Claro que essa área evoluiu muito. Hoje em dia, tem difração de nêutrons, aperfeiçoam-se muito as espectroscopias. A área de determinação de estruturas moleculares até hoje é muito importante. Quando era mais fácil, molécula pequena, depois passava para proteína, passava para moléculas muito maiores. Hoje em dia, complexos de proteína. Está indo assim num desenvolvimento extraordinário e muito vivo até hoje. Se você pensar bem, o Brasil se envolveu em ter um laboratório nacional de luz síncrotron, lá em Campinas, é do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. E aquilo se transformou no CNPEM [Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais], e agora nós temos um dos maiores aceleradores para essa finalidade lá no CNPEM.
É uma área que está muito viva até hoje. Tem muito aluno que está interessado nisso, tanto [de] departamentos químicos como físicos, muitas vezes bioquímicos, [que] acabam entrando nessa área para entender a estrutura das moléculas, para entender como que elas funcionam.

Agência Brasil – A senhora falou da importância que os professores tiveram na sua motivação. Vendo-se hoje, com muitos anos como professora, a senhora tem esse orgulho, essa felicidade de sentir que motivou muita gente também?
Yvonne Mascarenhas – Olha, esse é o principal produto do resultado do meu trabalho. Eu sempre digo: ‘não foi nenhum trabalho especial que eu fiz que eu considero assim tão importante’. O mais importante foi o número de pessoas que aprenderam comigo, aprenderam nos cursos que eu organizei. Não cursos na faculdade, na universidade. Cursos que podiam receber gente de qualquer lugar. Eu organizei muitos cursos fora de São Carlos, em Brasília, em Belo Horizonte, em vários lugares.
Essas pessoas que se formaram e que aprenderam, e que depois até foram fazer doutoramento fora do Brasil, até porque, esses cursos, em que a gente mostrava o panorama da cristalografia mundial e que levaram à formação de uma comunidade que absolutamente não existia quando eu voltei dos Estados Unidos, em 1960. Essa comunidade [que estuda cristalografia] é extremamente ativa. Eu fico muito feliz.

Agência Brasil – A senhora poderia contar um pouco mais das experiências internacionais que teve ao longo da carreira?
Yvonne Mascarenhas – A primeira foi na Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, onde eu tive uma sorte incrível de encontrar o professor Ernesto Hamburger. Ele estava fazendo física nuclear, que era coisa da moda na época.
Eu estava muito desanimada porque a minha bolsa era para uma outra instituição lá de Pittsburgh, a Carnegie Tech. Aí, eu falei com ele que eu ia desistir, que eu ia fazer qualquer outra coisa, ia fazer uns cursos, umas disciplinas. Ele falou: ‘não, mas o melhor curso de cristalografia dos Estados Unidos é aqui, na Universidade de Pittsburgh’.
Eu fui lá e encontrei o chefe do laboratório, um inglês maravilhoso, o George Jeffrey, que relutou um pouquinho, mas depois me aceitou. Sem nenhuma burocracia, eu usei a minha bolsa da Fulbright e, em vez de ir no Carnegie Tech, eu usei trabalhando no laboratório do professor Jeffrey, lá na Universidade de Pittsburgh.
Foi uma maravilha, porque ali eu tive contato direto, havia um bom laboratório, com as técnicas daquela época, de 1960 – que era muito antes da automação, e tudo isso, mas com gente muito competente. Meu orientador era um cara muito bacana, Brian Craven, um cristalógrafo da Nova Zelândia radicado nos Estados Unidos, e que me botou para trabalhar, nem querendo saber quanto eu sabia de cristalografia nem de raio x.
Eu estava em um ambiente muito bom, com aquele monte de alunos ali, em que um ensinava o outro . Fui aprendendo e consegui trazer o conhecimento, que eu posso dizer que não era muito profundo, mas era razoável para começar. E aí comecei o laboratório de cristalografia lá em São Carlos [interior de São Paulo].

Agência Brasil – A senhora voltou dos Estados Unidos e já foi para São Carlos?
Yvonne Mascarenhas – Não, eu fui para São Carlos, passei lá uns quatro, cinco anos, aí fui para Pittsburgh. Depois que me graduei, conseguimos emprego, eu e o Sérgio [marido], para trabalhar na Universidade de São Paulo, no campus de São Carlos, onde tinha uma escola de engenharia. Então, eu e ele, depois que trabalhamos lá uns 4, 5 anos, conseguimos um afastamento, fomos passar um ano nos Estados Unidos com bolsa Fulbright, uma bolsa americana [organização internacional vinculada aos governos do Brasil e dos Estados Unidos].
Com isso, passamos lá quase dois anos. Quando acabou a bolsa Fulbright, o próprio cara do meu laboratório, o Jeffrey, me ofereceu uma bolsa de um contrato dele. E a mesma coisa aconteceu com o Sérgio, lá do Carnegie Tech. E criamos ótimos amigos nessa época, foi maravilhoso. Aí ficamos lá de meados de 59 até o fim de 60 e voltamos para São Carlos.
A cada quatro anos na USP você tinha direito ao que se chamava uma licença-prêmio, que era equivalente a um ano letivo fora do Brasil. Fomos para a Universidade de Princeton, depois eu fui para Boston, para a Universidade de Harvard, e depois, finalmente, a quarta saída, fui para a Universidade de Londres, onde passei um tempo muito bom, tendo um bom contato com cristalografia de proteínas, que era uma coisa que me interessava, difícil, muito difícil, mas que me deu um banho de cristalografia de proteínas.
Voltei para o Brasil, comecei a tentar fazer coisas com proteínas.

Agência Brasil – Qual a importância para a senhora de ter recebido Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência?
Yvonne Mascarenhas – Eu acho que foi uma ideia brilhante da Carolina [Bori, que foi presidente da SBPC], fazer essa premiação, porque as mulheres estão tendo um acesso, mas ainda falta muito para elas realmente terem disposição de entrar nessas carreiras mais difíceis, lutar pelos seus direitos e, principalmente, visar os postos mais elevados da função.Por exemplo, quando chegam à universidade, elas muitas vezes fazem mestrado, doutorado, às vezes, fazem postdoc, mas, depois, na hora da competição, para entrar como professoras, não é muito fácil. Algumas conseguem. Agora, galgar dentro da carreira docente vai ficando mais difícil.
Eu tenho a impressão de que tem algumas que até já nem competem, porque acham que é muito árduo, muito difícil vencer a barreira. Mas eu acredito que muitas já estão conseguindo ser professoras titulares. Então, precisa estimular para que elas não desistam de fazer uma carreira dentro da sua profissão, seja ela qual for, visando o progresso que elas merecem pela experiência, pelo conhecimento, pelo trabalho. Não precisa nem ser em ciência.
Em qualquer empresa, a mulher tem que entrar pensando: ‘eu vou poder ser chefe de sessão, eu vou poder ser gerente de não sei o quê’. Eu tenho visto muitos que estão conseguindo fazer isso. Acho que estamos no caminho certo. Ainda não é o ideal, não é, mas estamos no caminho certo. O foco está lá longe, mas estamos caminhando na direção dele. Estou muito otimista quanto a isso.

Agência Brasil – A senhora teria algo a dizer para as mulheres que pensam em seguir carreira na ciência?
Yvonne Mascarenhas – Que as mulheres novas agora sigam o exemplo das que já usaram os direitos e se estimulem mais ainda para exercer esses direitos de educação, de busca de uma vida econômica independente, sem ser dependente nem de marido, nem de pai, nem de ninguém, e que sejam felizes com uma vida em que elas se sintam mais bem realizadas, e sem desistir da vida familiar, se elas quiserem ser mães. Ficar frustrada porque não tem um filho também não é muito bom. Ficar frustrada porque não tem família também não é muito bom. O isolamento às vezes é penoso para mulheres. Para algumas mulheres, é a solução, para outras, não é.
Então, quando elas optarem por terem uma vida familiar, que saibam escolher um bom cara de cabeça aberta. Hoje em dia, já existem muitos, graças a Deus. Quando a gente fala da liberação das mulheres, eu acho que é também dos homens, de deixar de ser o preconceito contra a atividade da mulher. Já temos muitos homens de boas famílias, que têm essa cabeça aberta. Encontrar um bom marido com cabeça aberta, que os dois façam uma vida profissional de muito sucesso e que eduquem bem seus filhos.
E que ela, na hora mais difícil, que é quando tem filho, não perca o foco do seu ideal profissional. Continue trabalhando firme e mantendo o foco na profissão bem aceso, bem vivo, para poderem se realizar e se realizarem também como mães, como mães de família, como papel social. Quando a mulher tem filhos, começa a ter um papel social muito maior. Tem que se preocupar com a educação das crianças e tudo mais.

Agência Brasil – A senhora teve quantos filhos?
Yvonne Mascarenhas – Eu tive quatro. Quatro filhos. Quando eu fui para Pittsburgh, aquela senhora que está comigo [aponta para a filha do outro lado da sala], a Ivoninha, ela tinha 3 anos e o irmão dela, 4. Levei, coloquei no jardim de infância, no kindergarten [jardim de infância], eles ficavam quase o tempo todo lá, eu tinha que sair correndo, às 4h, para pegar eles. Nem precisava porque tinha uma condução que levava eles para casa.
Eu ia trabalhando o que dava para trabalhar, chegava em casa, fazia jantar, cuidava um pouco da casa. No fim de semana, cuidava da roupa, da limpeza, mas isso daí eu fiz sem nunca deixar de fazer a coisa que me interessava, que era a cristalografia. E todas as vezes foi assim. Sempre levamos nossos filhos junto [dois dos filhos de Yvonne são falecidos]

Lei garante a professores plano de carreira e jornada reduzida

Depois de tramitar 5 anos no Congresso Nacional, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada no Diário Oficial da União, nesta quarta-feira (17), a Lei 14.817/2024 que estabelece as diretrizes para valorização de professores da rede pública. Plano de carreira, formação continuada e condições de trabalho, como jornada de 40 horas, foram asseguradas.

A lei define que, além dos professores, serão alcançados pelas diretrizes outros profissionais “detentores da formação requerida em lei” como os que exercem funções de suporte pedagógico (diretores e administradores escolar, inspetores, supervisores e orientadores educacionais) ou de suporte técnico e administrativo (com formação técnica ou superior em área pedagógica).

As diretrizes estabelecem como deverá ser constituída a carreira desses profissionais, que só poderão ingressar exclusivamente por concurso de provas e títulos. Entre as considerações estão a possibilidade de progressão funcional periódica e o estímulo ao desenvolvimento profissional, em que levem em conta as titulações e formação continuada, a avaliação de desempenho e experiência profissional, além da assiduidade.

A lei também assegura piso atrativo e progressão que estimule a carreira e prevê que sejam consideradas as especificidades das redes de ensino e questões como atribuições adicionais e dedicação exclusiva na concessão de gratificações e adicionais.

A jornada de 40 horas semanais também foi garantida e deverá ter parte dedicada a estudos, planejamento e avaliação, além de garantia da integração do trabalho individual com a proposta pedagógica da escola. Outras condições também foram estabelecidas como número adequado de estudantes e de turmas, por profissional, além de ambiente físico saudável e seguro.