Skip to content

Novo edifício do Masp será aberto ao público em março

O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) anunciou nesta terça-feira (26) a conclusão das obras do seu segundo edifício, batizado de Pietro Maria Bardi, em homenagem ao primeiro diretor artístico da instituição. O prédio original recebeu o nome de sua arquiteta, Lina Bo Bardi.

Em março do próximo ano, quando será aberto ao público, para celebrar a inauguração das novas galerias do Edifício Pietro, serão apresentadas exposições com recortes do acervo do Masp e uma mostra sobre as histórias do museu.

O diretor-presidente do Masp, Heitor Martins, destacou que a construção do novo prédio aumenta em até 66% os espaços expositivos. São cinco novas galerias para exposições, duas áreas multiuso, salas de aula, laboratório de conservação, área de acolhimento de público, restaurante e café, além de depósitos e docas para carga e descarga de obras de arte.

“A primeira decisão que nós tomamos quando resolvemos expandir o museu [foi de] construir um prédio que é inteiro dedicado ao museu. Ele não tem loja, não vai ser escritório para ser alugado, ele não é nem escritório do próprio museu. Ele é um prédio todo dedicado à sua atividade fim”, disse Martins. 

“Para fazermos com que esse novo Masp seja, de fato, o museu grande que a gente quer e preparado para o futuro”, acrescentou.

O diretor do museu lembrou que o edifício original foi construído em 1968 e que, apesar de ser uma obra prima, tem uma série de limitações em razão da época em que ele foi construído. “Desde a questão do condicionamento de ar com a arquitetura toda de vidro, que é um desafio, [o prédio] não tinha bilheteria, não tem área de acolhimento, não tem doca para descarregar os quadros. Os quadros que a gente pedia emprestado tinham que ser descarregados na Avenida Paulista”, disse.

“Nós vimos também, com [a exposição da] Tarsila, que a limitação de público passava a ser real. Tínhamos que restringir o número de visitantes porque não cabia no prédio. Nesse momento, nós tivemos a sorte de ter ao lado um edifício que estava largado, inacabado, uma obra interrompida, e nós começamos com esse sonho de expandir o museu”, relatou.

Com 14 andares e 7.821 metros quadrados (m²), o novo prédio se soma à recente concessão do vão livre, o que aumenta a área de atuação da instituição de 10.485 m² para 21.863 m², a partir de março de 2025. Iniciada em 2019, a construção do prédio foi totalmente financiada por doações de pessoas físicas, sem uso de leis de incentivo. Foram doados R$ 250 milhões para a construção do edifício.

Edifícios

A conexão entre os dois edifícios está presente em diversos elementos da arquitetura, como a relação entre o museu e o ambiente urbano por meio da transparência. Dentro do Pietro, o visitante conseguirá observar a cidade e o Edifício Lina por amplas aberturas que, durante o dia, são vistas apenas por quem está dentro do prédio. À noite, essas mesmas janelas dão visão a fragmentos do interior do edifício para quem está de fora. 

O prédio novo tem vidros instalados nos andares inferiores, que tem vista para o vão livre, e a geometria retangular das duas fachadas consiste em superfícies ininterruptas, sem emendas ou juntas. As conexões visuais entre os prédios também estão no concreto aparente, nas cores e no volume.

Uma curiosidade destacada durante o anúncio nesta terça-feira, foi que o edifício Lina, se fosse verticalizado, ficaria do mesmo tamanho do novo prédio. O pé direito do térreo do Pietro, de oito metros, tem a mesma altura que o pé direito do vão livre. O tom escuro escolhido para a fachada foi inspirado na cor dos caixilhos presentes no primeiro prédio.

Haverá ainda, como elemento de conexão, um túnel de 40 metros interligando os edifícios. Com conclusão prevista para o segundo semestre de 2025, a passagem subterrânea pretende facilitar a circulação dos visitantes e promover o funcionamento integrado dos prédios, além de preservar o visual da paisagem urbana.

No ano que vem, o museu vai se dedicar às histórias da ecologia. Com exposições, cursos, palestras, oficinas, seminários e publicações, o público será convidado à reflexão sobre temas que incluem a relação entre o ser humano e o meio ambiente, em diálogo com a cultura visual e as práticas artísticas.

Na área conhecida como vão livre do Masp, sob concessão e administrada pelo museu, a previsão é de uma agenda de atividades culturais gratuitas, área de convivência, instalação de mobiliário urbano, instalação de wi-fi gratuito, iluminação, segurança, gestão de resíduos, além de serviços de manutenção e conservação.

Mulheres fazem ato no Masp no Dia de Luta pela Legalização do Aborto

Centenas de mulheres realizaram uma manifestação em defesa da legalização do aborto em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na região central da capital paulista.

O ato ocorreu na tarde deste sábado (28), quando comemora-se o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto.

Apesar de o aborto ser criminalizado no Brasil, há situações em que a mulher pode legalmente interromper a gravidez, como nos casos de estupro, nas situações em que há risco à vida da gestante ou do feto, e nos casos de feto anencéfalo.

Segundo a codeputada da Bancada Feminista da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo Paula Nunes, a manifestação ocorre para reivindicar o que já é realidade em muitos países no restante do mundo, que é a legalização do aborto em todos os casos. “A ideia é transformar o aborto em uma política de saúde pública”.

“No entanto, a grande questão é que mesmo nos casos previstos em lei, infelizmente, o aborto legal ainda está muito difícil aqui no Brasil. A gente tem poucos hospitais que realizam esse serviço, vários outros estão se negando a fazer”, ressaltou Paula.

Neste sábado, é celebrado o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto – Paulo Pinto/Agência Brasil

Atualmente, não há no Código Penal brasileiro um tempo máximo de gestação para o aborto legal. A interrupção da gravidez não prevista em lei é punida com penas que variam de um a três anos, quando provocado pela gestante ou com seu consentimento; e de três a dez anos, para quem provocar um aborto sem o consentimento da gestante.

“A gente sabe que existe uma realidade no Brasil que é a de que quem tem dinheiro tem acesso a clínicas que realizam o procedimento. Por outro lado, quem não tem, não tem acesso ao aborto seguro e vai procurar ou clínicas clandestinas ou medicamentos vencidos, ou outros instrumentos que colocam em risco a vida dessas mulheres”, acrescentou a codeputada.

No ano passado, o Brasil registrou 74.930 estupros, o maior número da história. Desses, 56.820 foram estupros contra vulneráveis. Houve  2.687 casos de aborto legal; desse número, 140 foram em meninas de até 14 anos de idade – o número mais que duplicou em relação a 2018, quando foram registrados 60 procedimentos. Na faixa etária de 15 a 19 anos, foram 291 abortos.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para rejeitar o recurso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que buscava anular o voto da ministra aposentada Rosa Weber favorável à descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. O mérito da questão, no entanto, ainda não foi julgado pela Corte.

São Paulo – Entidades fazem ato pela legalização do aborto em frente ao MASP – Paulo Pinto/Agência Brasil

No Congresso Nacional, o Projeto de Lei 1904 equipara a interrupção da gravidez após esse período ao crime de homicídio, aumentando de dez para 20 anos a pena máxima para quem fizer o procedimento. O projeto não foi colocado em votação em decorrência da pressão popular.

“Achamos que é importante sim que a gente consiga fazer esse debate a nível das instituições, a nível dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Entretanto, os nossos direitos, a gente tem certeza que se conquista nas ruas. É justamente por isso que a gente está aqui. Queremos pressionar para que esse Congresso vote o que é necessário para manter a vida das mulheres e das pessoas que gestam”, afirmou Rana Agarriberri, da Frente Estadual pela Legalização do Aborto de São Paulo.

Filme

Em Brasília, foi exibido na tarde de hoje o filme Levante (2024), no Armazém do Campo. O longa acompanhou Sofia (Ayomi Domenica), uma jovem atleta de 17 anos que, às vésperas de um campeonato de vôlei decisivo para sua carreira como esportista, descobriu estar grávida. O filme é um dos possíveis candidatos a participar como concorrente da premiação do Oscar.

Mostra no Masp celebra obras do período mais consagrado de Leonilson

As obras produzidas nos últimos cinco anos de vida de Leonilson (1957–1993) – período em que ficou conhecido como Leonilson Tardio e que apresenta o momento mais rico e complexo do artista – serão apresentadas, a partir desta sexta-feira (23), na nova mostra em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (Masp).

A exposição apresenta mais de 300 pinturas, desenhos, bordados, instalações e documentos de Leonilson, que refletem suas perspectivas políticas, públicas e íntimas. A curadoria da mostra é de Adriano Pedrosa, com assistência curatorial de Teo Teotonio.

“Leonilson é um artista fundamental na história da arte contemporânea brasileira, uma figura incontornável do final dos anos 1980 e início de 1990 e entre os artistas que trabalham com a temática queer em suas obras no panorama internacional”, disse Adriano Pedrosa, em entrevista à Agência Brasil. “Seu trabalho tem caráter extremamente particular, diarístico, refletindo sobre os temas de seu cotidiano, sejam mais pessoais, mais políticos, numa dimensão queer, ainda que sempre cheios de poesia, lirismo e beleza. Os últimos anos de sua produção, sobretudo a partir de 1989, são quando o artista produz as obras mais extraordinárias”.

São esses trabalhos produzidos em seus últimos anos (1989-1993) que serão apresentados de forma cronológica em cinco salas do primeiro andar do museu, cada uma dedicada a um desses anos. “O ano de 1989 é um ponto de inflexão na trajetória do artista, e os cinco últimos anos de sua produção, de 1989 a 1993, são o período mais maduro, rico e complexo, quando ele produz obras verdadeiramente extraordinárias – tanto em desenho, pintura e, sobretudo, o bordado, culminando com seu último trabalho, a monumental Instalação sobre duas figuras (1993), apresentada na Capela do Morumbi, em São Paulo, poucas semanas antes de sua morte, e que nós remontaremos na exposição”, contou o curador.

Nesses últimos cinco anos de vida, Leonilson desenvolveu um trabalho mais poético, com economia de cores e traços, trabalhando essencialmente com desenhos, objetos e bordados. Foi como uma espécie de diário que ele começou a retratar temas como o amor, os amantes, a sexualidade, as minorias e a aids. “Em 1991, descobre ser portador do vírus da aids, morrendo pouco menos de dois anos depois, em maio de 1993. Embora Leonilson tenha tido sucesso e reconhecimento em vida no Brasil, foi só após a morte que seu trabalho começou a adquirir reconhecimento internacional mais significativo”, explicou Pedrosa.

São Paulo – Obra produzida nos últimos cinco anos de vida de Leonilson (1957–1993) –  Fotos FAB/Divulgação – Leonilson Tardio/Divulgação

O próprio artista falou sobre sua obra produzida nesse período em entrevista a Pedrosa no ano de 1991. “De uns tempos pra cá, meus trabalhos ficaram mais maduros, ao mesmo tempo em que penso mais sobre minha sexualidade, a forma de me relacionar com as pessoas, de encarar o mundo, de viver o dia a dia. Eu acho que o trabalho não deixa de ser pessoal, não deixa de ser um diário, mesmo esses trabalhos da minoria. Eu percebo a segregação que existe. E eu, é óbvio, faço parte de uma dessas minorias”.

Além do primeiro andar, o primeiro subsolo do museu vai apresentar suas ilustrações feitas para a coluna de comportamento Talk of the town – o ti-ti-ti da cidade, de Barbara Gancia no jornal Folha de S.Paulo, além dos vídeos documentais Com o oceano inteiro para nadar (1997), dirigido por Karen Harley, e A paixão de JL (2014), dirigido por Carlos Nader.

A exposição Leonilson: agora e as oportunidades integra a programação anual do Masp dedicada às histórias da diversidade LGBTQIA+ e fica em cartaz até 17 de novembro. “Leonilson é uma figura incontornável no panorama internacional de artistas, trabalhando com temas queer nos anos 1990 e, de fato, um pioneiro no cenário brasileiro. Hoje vemos muitos artistas trabalhando abertamente com essas questões, mas ele foi o primeiro a tratar temas, narrativas e figuras relacionados à homoafetividade, sexualidade, e à própria aids”.

Kang Seung Lee

Além da exposição com obras de Leonilson, o Masp inaugura nesta sexta-feira mostra dedicada ao trabalho do artista sul-coreano Kang Seung Lee. A curadoria é de Amanda Carneiro.

“Ele tem trabalhado com uma série de artistas que morreram por causa da epidemia da aids, sobretudo nos anos 90. Ele nasceu na Coreia do Sul e mora atualmente em Los Angeles, nos Estados Unidos, que é uma cidade que sofreu bastante o impacto da epidemia de aids”, contou a curadora.

O trabalho de Kang Seung Lee será apresentado na sala de vídeo, com o filme Lazarus, que homenageia vidas e memórias perdidas durante a epidemia do HIV/aids. Esse filme será apresentado simultaneamente na Bienal de Veneza.

No filme, Kang Seung Lee reinterpreta a obra Lásaro, de Leonilson, uma instalação feita com duas camisas costuradas juntas, considerada o último trabalho do artista brasileiro e que estará em exposição na mostra. Lee também se inspira no balé original Unknown Territory, do coreógrafo singapurense Goh Choo San (1948-1987).

“O vídeo se baseia numa das obras de Leonilson que estará em exposição, inclusive”, disse a curadora. “Ele toma esse trabalho, Lázaro [de Leonilson], para utilizar como motivo de um filme, que é inspirado por sua vez num coreógrafo pioneiro chamado Goh Choo San. Esse coreógrafo é de Cingapura e também morreu em decorrência da aids. Ele conseguia mesclar o balé clássico com movimentos contemporâneos com uma qualidade introspectiva – e introspecção é também um tema da obra do Leonilson”, explicou a curadora.

O filme apresenta um dueto de movimentos mínimos e intencionais. Ao replicar a obra de Leonilson em Sambe, tecido de cânhamo tradicionalmente usado na Coreia para mortalhas funerárias, os bailarinos interagem coreografando uma homenagem às vidas e memórias perdidas durante a epidemia do HIV/aids, inclusive às de ambos os artistas nos quais ele se inspirou e que faleceram de doenças decorrentes do vírus.

São Paulo – Obras produzidas nos últimos cinco anos de vida de Leonilson (1957–1993) pode ser vista no Masp. Imagem Leonilson Tardio/Divulgação Foto: FAB/Divulgação – Leonilson Tardio/Divulgação

“O filme tem também outros elementos que anunciam relações de significado. Por exemplo, no filme você vê a língua de sinais estadunidense, que é uma provocação que coloca a pessoa observadora com a relação da tradução, com a ideia de percepção e entendimento, porque a gente não sabe ler essa língua. Mesmo nos Estados Unidos, boa parte das pessoas não sabe essa língua, então ela comunica com um público bastante específico. E essa é uma provocação interessante. Isso adiciona nova camada de sentido”, destacou.

A Sala de vídeo: Kang Seung Lee fica em cartaz até 24 de outubro.

Mais informações sobre as duas novas exposições do Masp podem ser obtidas no site do museu. O Masp tem entrada gratuita às terças-feiras e também na primeira quinta-feira do mês.

Com programação voltada à diversidade, Masp inaugura 3 novas mostras

O Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista, abre ao público nesta sexta-feira (5) três novas exposições que dialogam com o tema Histórias da Diversidade LGBTQIA+, escolhido para ser trabalhado pela instituição neste ano.

A primeira delas é uma coleção da artista norte-americana Catherine Opie, um dos principais nomes da fotografia internacional contemporânea e que fica em cartaz até o dia 27 de outubro. Chamada de Catherine Opie: o gênero do retrato, a exposição apresenta 63 fotografias de suas séries mais emblemáticas e que foram desenvolvidas ao longo de mais de três décadas de trabalho. A curadoria é de Adriano Pedrosa e Guilherme Giufrida.

Opie é precursora na discussão sobre questões de gênero. “Catherine Opie é uma artista que surgiu ali na cena californiana, onde estudou nos anos 80. Ela inicia com prática muito diversa, fazendo fotografias de arquitetura e análises sobre a sociedade e a cultura americana. Catherine fazia parte de um coletivo de pessoas lésbicas, trans, travestis e gays que estavam vivendo ali a experiência de uma vida urbana, noturna, sobretudo em São Francisco. Decide então começar uma série de retratos, no sentido de registrar mesmo, de transformar em imagem essa experiência social que estava vivenciando”, contou Giufrida, em entrevista à Agência Brasil.

São Paulo – A fotógrafa Catherine Opie apresenta seus trabalhos no Museu de Arte de São Paulo (Masp) – Foto: Catherine Opie/Masp/Divulgação

Em suas fotografias, a artista retrata diversas expressões e subjetividades de indivíduos e coletivos que se identificam com gêneros e orientações sexuais diversas, especialmente pessoas queer. “Ela foi pioneira em perceber, registrar e transformar essa experiência em uma galeria, usando o sentido clássico que o retrato tem na história da arte”, afirmou o curador.

Por isso, a curadoria pensou em dar nova abordagem à apresentação dessas imagens, fazendo um diálogo com o próprio acervo artístico do museu. “Catherine estava dialogando com toda a tradição do retrato, na questão da pose, da cor chapada ao fundo, dos objetos que aparecem nas fotografias. E temos aqui no Masp um conjunto significativo dos maiores retratistas da história ocidental. Então, a gente decidiu misturar e justapor alguns retratos dela [feitos por Opie] a retratos aqui da coleção do museu”, explicou Giufrida.

“Procuramos estabelecer diálogos humorados, críticos ou algumas vezes ácidos, com 21 obras da nossa coleção que também vão entrar na exposição. Por isso a exposição se chama O Gênero do Retrato, porque a artista está lidando tanto com essa tradição do motivo do retrato na história da arte, como também subvertendo essa tradição trazendo discussões sobre corpo, sexualidade e identificação de cada um”, disse o curador.

Lia D Castro

A segunda mostra, que fica em cartaz até o dia 17 de novembro, traz os trabalhos da artista e intelectual Lia D Castro, que tem sua primeira mostra individual em um museu.

Lia D Castro: em todo e nenhum lugar tem curadoria de Isabella Rjeille e de Glaucea Helena de Britto e apresenta 36 obras da artista, a maioria delas pinturas de caráter figurativo e que exploram cenários onde o afeto, o diálogo e a imaginação são importantes ferramentas de transformação social. “A artista trabalha com pintura, instalação e fotografia. Trabalha com diversas mídias e tudo isso faz parte de um projeto que ela vem desenvolvendo, no qual se utiliza da prostituição, do trabalho do sexo, para investigar questões relacionadas à masculinidade, à cisgeneridade e à branquitude”, disse Isabella Rjeille.

São Paulo – A escritora e compositora Lia D Castro mostra seus trabalhos no Museu de Arte de São Paulo (Masp) – Foto: Lia D Castro/CABREL/Masp/Divulgação

Por meios desses encontros com homens cisgêneros, em sua maioria brancos e heterossexuais, que produz seus trabalhos. “A maioria dos trabalhos que a Lia desenvolve e que estão na exposição é feita de forma colaborativa, junto com seus clientes que são, majoritariamente, homens brancos, autodeclarados heterossexuais, de classe média e alta e que a procuram para o trabalho do sexo. A Lia vai trabalhar com esses rapazes na elaboração do trabalho. A pintura não é um fim, mas um meio”, explicou a curadora.

Os clientes não são apenas pintados: eles mesmos participam de toda a concepção do trabalho, sugerindo como gostariam de ser retratados e até assinando as obras feitas em conjunto com a artista. “Ela fala que não quer representá-los, mas apresentá-los de uma maneira em que eles também tenham  voz ativa”.

Em entrevista à Agência Brasil, a artista contou que, antes do retrato, ela costuma perguntar a seus clientes questões que geralmente são direcionadas a pessoas LGBT+ ou negras: “Quando você se percebeu branco? E quando se descobriu cisgênero ou heterossexual?”. Com isso, ela subverte questões sobre raça, gênero e sexualidade.

“No meu processo inicial de pesquisa, vou usar da prostituição como meio de comunicação e de ponte até chegarem esses meninos. No terceiro ou quarto encontro, a gente começa a escrever sobre o trabalho que está por trás ou além da prostituição. Quero saber quem são eles, o que fazem. E aí vou fazendo algumas perguntas também mais relacionadas à branquitude, quando eles descobriram que são brancos e o que é ser branco em relação a outros povos não brancos dentro do Brasil. Meu foco é falar sobre a branquitude do homem brasileiro. O trabalho passa por esse processo de prática de sexo, pela entrevista e depois vou perguntar a eles se eles têm interesse em ir para museus”, explicou.

Durante esse processo, Lia contou que também foi se “autodescolonizando”. “Fui entendendo o quanto meu corpo era objetificado. Fomos educadas para ver o mundo com os olhos de um homem branco e odiar como pessoas brancas. Chamo isso de retina colonial. Uma das funções da retina é captar a imagem e transformá-la de acordo com a memória que ela tem sobre essa imagem. Fomos educadas a ver o mundo com os olhos de um homem branco. E como podemos tirar esses véus, essas camadas? Durante esse processo, fui tirando todas essas escamas da branquitude e as memórias da masculinidade branca, porque isso é compulsório”.

Em sua obra, Lia apresenta um processo criativo marcado por escolhas que são sempre coletivas: da paleta de cores à assinatura das obras. Nos trabalhos, a artista também se retrata: enquanto os homens estão nus, ela encontra-se vestida, tendo seu corpo coberto por esparadrapos, na contramão da tradição histórica da pintura ocidental, em que a grande maioria dos nus é feminina.

“Meu trabalho é organizar os desejos dessas pessoas. Então, eles vão escolher suas poses, a paleta de cores e vão também assinar. Eu não os represento, eu os apresento. Eles estão na assinatura, estão em suas escolhas afetivas. Quando falo do Davi, não falo dele como objeto. O Davi existe, ele está ali pela assinatura, pelo seu DNA e por sua memória afetiva de escolha”, disse.

Afeto, aliás, é uma das palavras-chave para entender o trabalho da artista. “Muitas vezes, ela aparece na série junto com eles. Outras vezes eles estão sozinhos, no sofá. Ou, às vezes aparecem com a cabeça sobre o colo dela, ela lendo um livro. O livro é algo muito recorrente na obra da Lia”, lembrou a curadora. “Tem essa construção que a Lia cria, esse lugar de vulnerabilidade e intimidade. Ambos ali estão numa situação de vulnerabilidade, nesse lugar de intimidade, mas também tem esse espaço possível para abordar as questões de maneira muito afetuosa e transformadora”, acrescentou. 

Além das pinturas, a exposição vai apresentar fotografias de registro do processo utilizado por Lia. Há também um caderno de desenhos com anotações mais teóricas e desenhos feitos pela artista, com técnicas preparatórias para pintura.

Ventura Profana

A última mostra, que pode ser vista até o dia 18 de agosto, será apresentada na sala de vídeo do museu e se dedica aos trabalhos da artista visual, pastora, cantora, escritora e compositora Ventura Profana. A curadoria é de David Ribeiro.

“Ventura Profana trabalha com muitas linguagens como audiovisual, música, intervenções artísticas. Ela tem uma linguagem bastante múltipla. Esse trabalho artístico é imbuído de um sentido missionário, religioso, espiritual. Antes de se intitular como artista, escritora, cantora e compositora, Ventura costuma se colocar em primeiro lugar como pastora missionária, ou seja, ela é uma pessoa que está nesse desejo, nesse interesse, de comunicar uma palavra de fé e de transformação e que está buscando construir ou apresentar muitas possibilidades de vida, especialmente para corpos dissidentes, pessoas trans, travestis, racializadas”, disse o curador.

Assim como em um trabalho missionário, a artista busca ressignificar os símbolos e valores da doutrina cristã, combatendo a visão opressora e fetichista que reproduz a exploração de corpos negros e travestis. “Isso é o que Ventura chama de teologia da transmutação, um pensamento espiritual, filosófico ou moral em que a artista pastora divulga e transforma todas as violências e sentimentos de desprezo na base de construção de uma nova vida”, explicou Ribeiro.

Nessa mostra serão apresentados quatro vídeos inéditos: A maior obra de saneamento, O poder da trava que ora, Procure vir antes do inverno e Para ver as meninas e nada mais nos braços. “Eles representam, com bastante vigor, esse pensamento espiritual, religioso e filosófico da artista pastora”, resumiu o curador. Além dos vídeos, o Masp vai promover, no dia 17 de julho, às 19h, em seu canal no YouTube, um bate-papo com a artista e o curador.

Mais informações sobre as três exposições podem ser obtidas no site do museu, que tem entrada gratuita todas as terças-feiras e também na primeira quinta-feira do mês.

Masp inaugura duas exposições que terão diversidade como tema

Com duas novas mostras, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) inaugura neste mês de fevereiro o seu ano dedicado ao tema Histórias da Diversidade. As duas mostram estão à disposição do público nesta sexta-feira (23).

A primeira delas é Gran Fury: arte não é o bastante, que apresenta trabalhos do coletivo norte-americano que estarão pela primeira vez na América Latina. A exposição, que acontece no primeiro subsolo do museu e fica em cartaz até o dia 9 de junho, reúne 77 obras do Gran Fury e que discutem a crise da Aids nos Estados Unidos entre as décadas de 80 e 90. A curadoria é de André Mesquita, com assistência de David Ribeiro.

“O Gran Fury é um coletivo formado em 1988 na cidade de Nova York, que produziu até mais ou menos 1995. Esse é um coletivo que emergiu a partir de uma organização ativista chamada Act Up (Aids Coalition to Unleash Power), que em tradução livre seria algo como Coalizão da Aids para Libertar o Poder. Essa organização era não partidária, formada em março de 1987, em Nova York, no contexto da chamada crise da Aids nos Estados Unidos”, explicou o curador André Mesquita.

Essa organização começou a ser formada, destacou Mesquita, em um momento em que a comunidade gay e lésbica (denominação que era adotada naquela época) via seus amigos, familiares e companheiros morrerem rapidamente por causa da Aids, sem um tratamento eficaz ou medicação adequada. “Então, essas pessoas se organizaram para a conscientização em relação ao HIV e à Aids, para criticar e demandar ações por parte do governo em termos de políticas públicas e combater o preconceito que existia e que persiste em relação a pessoas com HIV”, disse Mesquita.

E foi dentro dessa organização que surgiu o Gran Fury, um dos coletivos mais importantes e referência para o que se chama de ativismo artístico. “Dentro da organização surgiu um grupo de pessoas interessadas em produzir ações e campanhas gráficas através de cartazes, fotografias e vídeos, para mudar a percepção pública em relação ao HIV. Essas ações também colocaram em discussão a falta de ação do governo dos Estados Unidos, a posição conservadora da Igreja Católica e o discurso hegemônico da mídia, que era muitas vezes preconceituoso e com muita desinformação”, falou Mesquita, em entrevista à Agência Brasil.

Em boa parte de sua trajetória, o Gran Fury contou, em sua formação, com Avram Finkelstein, Donald Moffett, John Lindell, Loring McAlpin, Mark Simpson, Marlene McCarty, Michael Nesline, Richard Elovich, Robert Vazquez-Pacheco e Tom Kalin. O grupo se autodescrevia como “um bando de indivíduos unidos na raiva e comprometidos a explorar o poder da arte para acabar com a crise da Aids”.

O tema da exposição, Arte não é o Bastante, se inspira na frase With 42,000 Dead, Art Is Not Enough [Com 42 mil mortos, arte não é o bastante], de autoria do coletivo. “O que eles estão trazendo nessa frase é o seguinte: só fazer arte não adianta, não é o suficiente. A gente tem que se engajar coletivamente para agir contra uma crise”, disse o curador.

Entre as obras em exposição estará Kissing Doesn’t Kill [Beijar não mata], onde o grupo subverte as campanhas da empresa italiana de roupas Benetton para exibir fotografias de três casais inter-raciais se beijando. O pôster foi instalado como um painel nas laterais de ônibus e nas estações de metrô em São Francisco, Chicago, Nova York e Washington DC, nos Estados Unidos. A proposta aqui não era vender um produto, como fazia a Benetton, mas mostrar que um beijo não era um comportamento de risco, como se dizia à época.

“Acho que essa exposição traz a possibilidade de diálogo com o público e da possibilidade de poder conversar publicamente sobre essas questões, que têm a ver com saúde pública, que têm a ver com discriminação, que têm a ver com tratamento igualitário”, falou o curador.

Sala de vídeo

Já a sala de vídeo do Masp irá apresentar três vídeos produzidos pela artista argentina Masi Mamani/Bartolina Xixa, que ficam em cartaz até o dia 14 de abril. A curadoria é de Matheus de Andrade.

Masi Mamani é uma bailarina, performer e artesã que faz parte da comunidade LGBTQIA+ na região de Jujuy, nos Andes argentinos. “Essa é a primeira sala de vídeo do ano dedicado às Histórias da Diversidade LGBTQIA+, que é o eixo temático que vai nortear toda a programação pública do museu durante 2024. Masi Mamani é uma artista argentina que trabalha com a linguagem drag e vem dando vida e interpretando uma drag folk, como ela mesmo descreve, que se chama Bartolina Xixa”, explicou o curador, em entrevista à reportagem.

Bartolina Xixa é inspirada em Bartolina Sisa Vargas, uma heroína indígena aymara, que liderou inúmeras revoltas pela liberdade do seu povo e foi brutalmente assassinada pelos colonizadores espanhóis no século 18. Para Bartolina Xixa, a artista decidiu incorporar elementos tradicionais culturais da cultura indígena andina e assumir a identidade de chola, termo de origem quéchua e aymara inicialmente utilizado para designar mulheres mestiças e atualmente associado às mulheres andinas que adotam vestimentas e adereços tradicionais. Com isso, Masi faz de sua arte um manifesto de resistência, reafirmando sua identidade cultural ancestral.

“Quando pensa o corpo ou o gênero, a artista vai perceber que a colonização é responsável pelo enraizamento de um certo tipo de padrão social e normativa social. Como que eram esses corpos antes da chegada dos colonizadores? Isso é algo que ela se propõe a pensar”, explicou o curador.

Um dos vídeos em exibição é Ramita Seca, la colonialidad permanente, que foi gravado em um lixão em Hornillos. “É uma região culturalmente muito rica, mas, em contrapartida, economicamente muito pobre, socialmente com muitos problemas. É uma região de extrema exploração mineral e de lítio, entre outras coisas. Então, tudo isso impacta diretamente nas populações que existem ali, que são populações indígenas. Nesse vídeo ela vai denunciando a exploração do ambiente e essa perseguição que as populações indígenas sofrem desde que os colonizadores chegaram”, disse o curador.

O segundo vídeo é um documentário, chamado Bartolina Xixa, una drag de La Puna. “Nesse vídeo ela dá uma entrevista, enquanto está se montando como Bartolina X, falando do processo de criação dessa personagem”.

Já no terceiro vídeo, chamado Crudo, ela faz críticas aos espaços institucionais. “O título faz essa referência a algo que é crudo, que está ali para ser preparado e consumido, como o cru, uma comida mesmo, algo para ser um produto de consumo. Ela faz uma crítica à exotização dos corpos e também das identidades indígenas que os museus às vezes fazem. É um vídeo de alerta, de crítica”.

Ano da diversidade

Neste ano em que celebrará as Histórias da Diversidade LGBTQIA+, o Masp apresentará uma série de exposições relacionadas ao tema. Além dessas duas que inauguram o ano, o museu também apresentará mostras, por exemplo, de Francis Bacon, Mário de Andrade, Tourmaline, Leonilson e uma grande exposição coletiva no final do ano.

O museu também vai promover uma série de atividades como cursos, palestras, oficinas, seminário e publicações que abordam e debatem temas como o ativismo e a representatividade LGBTQIA+.

Desde 2016 o Masp, a cada ano, vem dedicando suas exposições às histórias, que são narrativas mais abertas e que abordam não só uma interpretação oficial, mas pessoais e ficcionais. Em 2016, o Masp abordou as Histórias da Infância. No ano seguinte, foram as Histórias da Sexualidade. Em seguida, Histórias Afro-atlânticas (2018), Histórias das mulheres, histórias feministas (2019), Histórias da dança (2020), Histórias brasileiras (2021 e 2022) e Histórias indígenas (2023).

O Masp tem entrada gratuita às terças-feiras. As primeiras quintas-feiras de cada mês também tem entrada gratuita. Mais informações sobre a mostra e sobre o museu podem ser acessadas no site.