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Fundação Casa de Jorge Amado: personagens do autor ganham vida em peça

Pedro Arcanjo, Tieta, Quincas Berro d’Água, Gabriela ou pai Jubiabá – alguns dos personagens mais conhecidos do universo de Jorge Amado vão ganhar vida em peça que vai celebrar a reinauguração da Fundação Casa de Jorge Amado, que passou recentemente por reforma. Chamada de A Casa de Jorge Amado, a peça é concebida por Edvard Passos e será apresentada a partir de janeiro na instituição.

E esta não será uma peça comum. O próprio Jorge Amado deverá ser um guia do público, já que ela será apresentada em diversos cenários, percorrendo os novos espaços recém-reformados da fundação. “Tenho já uma experiência de dez anos com a obra de Jorge Amado sendo encenada. O primeiro trabalho foi uma adaptação de O Compadre de Ogum, que é daquele livro Os Pastores da Noite. Ela fez muito sucesso e rendeu um musical de rua itinerante pelas ruas do Pelourinho, chamado A Cidade da Bahia é Nossa, que passeia por dez obras de Jorge Amado. Disso surgiu esse convite para desenvolver um espetáculo – que a gente chama em teatro de site-specific – que é desenhado para explorar os espaços da casa”, explicou Passos, em entrevista à Agência Brasil.

Salvador (BA), 10/12/2024 – Reabertura da Fundação Casa de Jorge Amado. – Guilherme Weber de Lima/Fundação Casa de Jorge Amado

A peça será encenada à noite para manter, segundo o diretor, “uma ambiência de mistério”. A ideia será explorar cada um dos espaços da casa, com o próprio Jorge Amado e também o personagem Pedro Arcanjo, um dos preferidos do autor, servindo como guias do lugar.

“A gente vai ter uma dimensão épica, narrativa, dos personagens entregando, em síntese, suas trajetórias. Mas vamos ter também uma espécie de crossover [quando personagens, cenários ou universos de ficção distintos são colocados no contexto de uma única história]. Então, a questão do território será fundamental para poder amalgamar obras idênticas”, disse.

Os personagens populares e tão conhecidos de Amado vão então ganhar vida e percorrer os novos espaços da instituição, criada para preservar a obra do autor e também para ser um ponto de encontro cultural. “Jorge Amado tem um papel muito importante de trazer um perfil populacional para o centro, para o protagonismo da cena. Ele foi uma das primeiras pessoas a realizar isso, causando, inclusive, no começo, muita reatividade. Você tem obras como Capitães da Areia em que a reatividade foi tão grande que as pessoas queimavam o livro em praça pública. Hoje você tem uma outra realidade em que esse movimento de você preencher o protagonismo do palco com personagens populares é mais do que bem-vindo”, ressaltou o diretor.

A peça é mais um dos projetos que a Fundação Casa de Jorge Amado tem pensado para o futuro, após uma reforma de nove meses que a modernizou e a deixou mais segura. A Fundação foi reaberta ao público na última quinta-feira (12) e, como parte dessa celebração, será gratuita até sábado (14). Depois, a gratuidade ocorrerá sempre às quartas-feiras. Nos demais dias, haverá cobrança de ingressos.

Novidades

Além da peça, a Fundação Casa de Jorge Amado tem trabalhado em outros dois projetos. Um deles prevê a criação de um aplicativo que deve aproveitar uma pesquisa já pronta, feita pela instituição, sobre espaços da capital baiana que foram citados nas obras de Jorge Amado. A intenção é produzir um aplicativo em que a pessoa, estando nestes espaços, consiga captar trechos das obras do escritor em que eles são citados.

“Já temos o aplicativo Casa de Jorge Amado. Com ele, a pessoa pode mirar para uma foto da exposição e, o que estiver escrito ali pode vir em áudio em português, inglês, francês ou espanhol. Além dos textos da exposição, você pode utilizar este aplicativo no Mirante da Fundação Casa de Jorge Amado, onde você pode mirar o celular para alguns espaços do Pelourinho, como a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Aí tem um áudio do Jorge Amado falando sobre a igreja”, explicou Angela Fraga, diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado.

Salvador (BA), 10/08/2024 – Diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado, Angela Fraga- Rovena Rosa/Agência Brasil

Além desse novo aplicativo que funcionaria para além do espaço da instituição, a Fundação também está desenvolvendo um transporte para fazer uma ligação entre a sede e a Casa do Rio Vermelho, onde o escritor viveu com Zélia Gattai e onde repousam as cinzas do casal. Chamado de Vou Daqui, Venha de Lá, o projeto está em fase de captação de recursos.

“Nas quartas-feiras a gente tem uma van que sai da estação do Campo da Pólvora, que é uma estação de metrô aqui pertinho, e traz as pessoas para o Pelourinho, gratuitamente. Diante disso, a gente teve a ideia de tentar ampliar esse trajeto, de forma com que a van possa ir também até a Casa do Rio Vermelho, fazendo um link entre a vida e a obra de Jorge Amado. Isso está em fase de captação”, disse.

Salvador (BA), 09/08/2024 – Fachada da Casa do Rio Vermelho onde viveram os escritores Jorge Amado e Zélia Gattai- Rovena Rosa/Agência Brasil

O novo aplicativo que está sendo desenvolvido, espera a diretora, poderia ser também utilizado durante esse percurso, com a van tendo como destino a Casa do Rio Vermelho, mas parando antes em diversos outros espaços que foram citados em obras de Jorge Amado. “A gente espera, com a entrega do equipamento já reformado, que tenhamos fôlego para trabalhar em tudo isso”, afirmou Angela. 

Reforma

A instituição cultural passou pela maior restauração desde a inauguração em 7 de março de 1987. A sede, que era composta pelas casas de números 49 e 51 – as conhecidas Casas Azul e Amarela do Largo do Pelourinho – foi agora conectada a mais um prédio, o de número 47, a chamada Casa Branca. Com a reforma, novos espaços expositivos foram criados. Além disso, o local ficou mais acessível, mais moderno e mais seguro, com a instalação de um novo e moderno sistema anti-incêndio e de monitoramento.

Após essa reforma, as escritoras Zélia Gattai (que foi companheira de Jorge Amado) e Myriam Fraga (que ajudou a criar e foi a primeira diretora da fundação) receberam exposições exclusivas e permanentes no espaço. Há também uma exposição que apresenta ilustrações presentes nos livros de Jorge Amado e uma sala dedicada a Exu, o orixá que foi escolhido pelo próprio Jorge Amado como guardião da casa.

Salvador (BA), 10/12/2024 – Reabertura da Fundação Casa de Jorge Amado – Guilherme Weber de Lima/Fundaç

Visitas 

No primeiro dia de sua reabertura, ocorrido ontem (12), a Fundação recebeu grupos escolares e muitos turistas. Entre eles, a professora Ana Elisa Dinunci de Sá Costa, 23 anos, de Niterói (RJ). Pela primeira vez em Salvador, ela aproveitou a visita para conhecer a Fundação Casa de Jorge Amado, no Largo do Pelourinho. “Estou adorando a exposição. Jorge Amado fala muito bem da cultura da Bahia. Quando temos acesso aos livros dele, às artes dele e a todas as suas obras temos mais acesso à intimidade da Bahia. Conseguimos ver um pouco do cotidiano baiano. Também acho muito linda a forma como ele retrata os orixás e como isso se insere de forma tão natural no cotidiano baiano”, disse à Agência Brasil.

Um dos espaços que a professora mais gostou na Fundação foi o primeiro andar, que apresenta uma linha do tempo do escritor. “Esse espaço fala da vida do Jorge Amado e da história de como ele começou a escrever. Achei isso muito interessante”, disse, que já leu Tieta do Agreste, Gabriela Cravo e Canela e seu favorito do autor, Tenda dos Milagres.

Quem também esteve na Fundação na tarde de quinta-feira pela primeira vez foi o consultor público José Siqueira, 32 anos. Acompanhado de parentes, ele gostou da junção que a instituição faz entre o moderno e o antigo. “Achei esse espaço bem diferente, bem acolhedor, bem moderno e, ao mesmo tempo, rústico”, disse.

Até sábado (14), a Fundação Casa de Jorge Amado estará aberta gratuitamente ao público, das 10h às 18h. A partir do dia 16 dezembro, ela estará aberta de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h e, aos sábados, das 10h às 16h, com entrada gratuita às quartas-feiras.

* A repórter viajou a convite da Fundação Casa de Jorge Amado

Brasileiros ganham medalhas em Olimpíada de Astronomia e Astronáutica

O Brasil ganhou quatro medalhas de ouro e uma de bronze na 16ª Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica (OLAA). O evento ocorreu entre os dias 25 e 29 de novembro na Costa Rica.

Os estudantes Larissa Midori, Lucas Praça, Filipe Ya Hu e Luca Pimenta levaram o ouro. O quadro de medalhas da equipe ainda contou com o bronze conquistado por Arthur Gurjão. Além disso, Luca Pimenta ainda obteve a segunda maior nota da OLAA. A delegação brasileira também contou com os professores Julio Klafke, Fellipy Silva e Heliomarzio.

Para Júlio Klafke, professor que liderou o grupo, o ouro e o bronze são uma conquista valiosa para os estudantes. “Todos eles se prepararam o ano inteiro com muita dedicação e entusiasmo. Estamos orgulhosos”.

O estudante Luca Pimenta, de 16 anos, do Colégio Etapa de Valinhos, no interior de São Paulo, disse que ter ganhado a medalha de ouro e o segundo lugar geral foi mais que uma conquista acadêmica porque desde pequeno era apaixonado por astronomia. “As olimpíadas de astronomia foi o que me possibilitou estudar a teoria, a matemática por trás do que acontece no céu. Conseguir a medalha e o segundo lugar é um sonho realizado desde a infância. Ter uma premiação em competição internacional é algo que pesa bastante de forma positiva no currículo. Como um dos meus sonhos é passar numa universidade fora do Brasil, isso pesa bastante”.

Os brasileiros disputaram conhecimento sobre astronomia e astronáutica com estudantes de Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai.

Na OLAA, os participantes realizam provas teóricas e práticas individuais e em grupo, além de prova de observação astronômica e de lançamento de foguetes de garrafas PET.

Costa Rica, 02/12/2024 – Equipe brasileira conquista 4 medalhas de ouro e uma de bronze na Olimpíada de Astronomia e Astronáutica. Foto: OLAA/Divulgação – OLAA/Divulgação

Seleção

Para participar da Olimpíada Latino-Americana (OLAA) ou internacional (IOAA), os estudantes precisam atingir uma alta pontuação no nível 4 da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) do ano anterior. Em seguida, são convidados a participar de diversas etapas de classificação, com provas e treinamentos online e presenciais até a escolha final da equipe que vai representar o país.

A OBA é realizada pela Sociedade Astronômica Brasileira (SAB) e conta com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), além dos deputados Federais Tabata Amaral, André Janones, Vitor Lippi, do senador Marcos Pontes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da Universidade Paulista (UNIP), do Centro Universitário Facens e do BTG Pactual. A OBA ainda tem como embaixadores os canais Manual do Mundo, Space Today, Física Total e AstroBioFísica.

Sobre a OLAA

Fundada em Montevidéu (Uruguai) em 2008, com a participação do Brasil, a Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica (OLAA) é um evento organizado por representantes de países latino-americanos com o intuito de popularizar a astronomia e a astronáutica, além de valorizar os talentos escolares mais destacados, promovendo a colaboração mútua entre as nações.

Trabalhadores negros ganham memorial no Jardim Botânico

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro inaugurou, nesta sexta-feira (29), o Memorial das Mãos Negras que edificaram o local. A iniciativa tem como objetivo trazer ao conhecimento do público uma parte da história até então silenciada: a contribuição fundamental de homens e mulheres negros na edificação da instituição.

A proposta é reconhecer e visibilizar esses trabalhadores cujos nomes e histórias foram apagados das narrativas oficiais. Serão tornados públicos os nomes e a participação de pessoas negras escravizadas – homens, mulheres e crianças – na construção do Jardim Botânico na primeira metade do século XIX. A obra visa promover a valorização histórica e cultural dos trabalhadores negros, criando um espaço de memória e reflexão.

Localizado entre o Museu do Jardim Botânico e a Biblioteca Barbosa Rodrigues, o Memorial das Mãos Negras ocupa uma região simbólica, onde foram colocadas ossadas encontradas em local ocupado pela Embrapa Solos, vizinho ao Jardim Botânico, entre os anos de 1979 e 1981.

Memorial das Mãos Negras fo instalado entre o Museu do Jardim Botânico e a Biblioteca Barbosa Rodrigues. Foto – Jardim Botânico do Rio de Janeiro/Divulgação

O Memorial conta com placas informativas sobre a história dos trabalhadores negros e o contexto da construção do Jardim Botânico. O local também tem um espaço expositivo para artistas negros.

Ainda compõe o espaço um banco para contemplação, com jardineiras integradas, compostas por plantas ritualísticas e africanas, escolhidas para valorizar a ancestralidade e as tradições culturais afro-brasileiras.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ressaltou a importância de natureza histórica, simbólica e política,  porque é um processo de reparação, reconhecimento e de integração dessas pessoas no seu trabalho, na sua autoria, na sua realização na construção do Jardim Botânico e do legado que elas deixaram.

“O Brasil pediu formalmente desculpas ao povo preto africano que foi escravizado. As nossas riquezas foram construídas graças à força de trabalho do escravizado”, disse a ministra.

O professor e babalawô Ivanir dos Santos destaca a importância da iniciativa. “Um memorial que trata da memória dos escravizados que foram os primeiros botânicos que construíram o Jardim Botânico na zona sul do Rio de Janeiro é magnífico. Reverenciar essa memória, essa história, esse legado, essa cultura. Vamos ter uma pesquisa histórica e arqueológica aqui”.

Placas informativas trazem a história dos trabalhadores negros e o contexto da construção do Jardim Botânico- Jardim Botânico do Rio de Janeiro/Divulgação

Segundo o presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Sergio Besserman Vianna, o Memorial representa um ato de reparação às pessoas escravizadas.

“O Jardim Botânico do Rio, com seus 216 anos, é a primeira instituição federal que pede desculpas e, mais do que isso, formaliza seu respeito, sua admiração, sua gratidão às pessoas negras escravizadas que não apenas construíram e plantaram, mas também foram a primeira fonte de conhecimento botânico do Jardim Botânico.”

Jovens do Sul Global ganham voz ao terem delegação na COP 29

Assim como outras organizações de defesa dos direitos humanos, o Instituto Alana participa da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2024 (COP 29) com uma comitiva com a parcela da população a quem direciona ações há três décadas: crianças e adolescentes. O grupo é formado por quatro ativistas, todos membros do Children For Nature Fellowship, programa do instituto voltado à garantia de participação de pessoas do Sul Global em plataformas regionais e mundiais.

Com o objetivo de assegurar que as crianças e os adolescentes possam participar dos debates com o mesmo nível de respeito e escuta dispensado aos adultos, o Alana programou o ato batizado de Kids’ Corner (Canto das Crianças, em tradução livre). O nome foi pensado para evocar o Speaker’s Corner, um canto localizado no Hyde Park, em Londres, reservado a qualquer pessoa que deseje se manifestar publicamente e ser ouvida quanto ao que apresenta. No Kids’ Corner, é posicionado um caixote, que representa um púlpito, no qual as crianças e adolescentes sobem para reclamar direitos ou se pronunciar sobre algum assunto. 

Ativismo

A delegação enviada pelo Alana à capital do Azerbaijão, Baku, conta com um mexicano de 13 anos, um colombiano de 15 anos e duas brasileiras. A estudante Catarina Lourenço, de 17 anos, que vive na Bahia, vem de uma família em que o ativismo orienta muito das vidas ali conectadas pelo laço sanguíneo e que acaba desenhando o compartilhamento de ideais. Sua família, relata ela, sempre comprou briga com o mercado imobiliário que “quer destruir” o Parque Ecológico do Vale Encantado, que tem cerca de 100 hectares e mais de 200 espécies arbóreas.

Aos 7 anos de idade, já acompanhava os pais a idas à prefeitura, onde deixavam cartas e manifestos. Aos 9 anos, guiava grupos em trilhas e ficou irreversivelmente impactada ao observar o declínio de corais, uma das principais referências no mundo dos ambientalistas para avaliar desequilíbrios em ecossistemas, biomas e na biodiversidade.

“O coral estava coberto de pontos brancos, mas o que estava mais estranho era a temperatura da água”, conta ela, que reclama aos jovens e às crianças um espaço no centro das discussões e negociações, que se justifica, inclusive, segundo ela, porque são eles quem estão tendo que lidar com falhas das gerações passadas. 

Com uma entrega ainda maior, aos 12 anos, Catarina assinou uma petição com outras crianças. Não se tratava de qualquer petição, mas sim uma subscrita pela ativista Greta Thunberg, que ficou conhecida após puxar uma greve em escolas para reivindicar medidas para combater a mudança climática. 

“Foi a primeira vez que crianças utilizaram um mecanismo da ONU [Organização das Nações Unidas] para fazer uma denúncia internacional a países. E foi por causa dessa petição que a ONU oficialmente reconheceu que os direitos das crianças são violados pela falta de ação climática”, explica a estudante brasileira, cuja empolgação com a luta pela justiça climática resultou na criação do Clube Verde, que desenvolve atividades com as turmas.

A outra representante do Brasil na COP 29, a amazonense Taissa Kambeba, de 14 anos, também se tornou uma líder na comunidade à qual pertence e tem orgulho disso. Ela divide a opinião com a companheira de delegação e considera que os mais velhos tinham que ter buscado com mais empenho soluções para que a degradação do planeta não fosse como é hoje.

“Estou lutando bastante porque quem sofre é a gente, é essa geração”, afirma.

“Desde sempre eu, antes de viver tudo isso, eu falei [sobre mudança climática e meio ambiente] dentro da minha comunidade, de outros lugares, dei exemplos de outros lugares. Sabia que uma hora ou outra isso ia acontecer, pelo fato de minha comunidade ser indígena.”

A líder kambeba declara, ainda, que é uma constante ter que enfrentar o ceticismo dos adultos. “Se a gente está aqui hoje, se está lutando por isso, é porque a gente sabe alguma coisa, procura saber de alguma coisa. E a gente procura ter um futuro melhor do que hoje”, acrescenta ela, que observa a falta de resoluções e medidas mais concretas durante a conferência da ONU. 

Mais um relatório da catástrofe

O relatório Mudanças Climáticas e seus Impactos na Sobrevivência Infantil, produzido pela Fundação Abrinq, divulgado neste mês, traz comparações importantes para o debate. Embora para parte das pessoas o aumento de 1ºC ou 2ºC possa parecer coisa insignificante, ambientalistas fazem, há muito tempo, alertas, compartilhando projeções de cenários bastante complicados. 

Conforme destaca a entidade, de 2011 a 2020, a temperatura global já aumentou 1,1ºC, como resultado do estilo de vida da população, que, traduzindo, quer dizer consumo desenfreado, ritmo de produção acelerado e uso exagerado da terra e de energia. Com um aumento de 4ºC, metade das espécies marinhas tropicais deixa de existir, mudanças de bioma são observadas em 35% da área terrestre global e cerca de 4 bilhões de pessoas vivem com água em escassez. Contudo, não é preciso ir muito longe na tragédia. A soma de 1,5ºC já representa o risco de extinção de 3% a 14% para diversas espécies nos ecossistemas terrestres, a perda de 70% a 90% dos recifes de coral e perda ou mesmo fim de geleiras pequenas e de baixa altitude em todo o mundo. 

“A 2ºC, estima-se que doenças de nutrição e subnutrição se intensificarão por problemas de disponibilidade de alimentos, enquanto a disponibilidade de água em sistemas hídricos dependentes do degelo pode diminuir em até 20%. A 3ºC, podemos pensar em impactos sistêmicos generalizados e mudanças irreversíveis, como o risco de extinção para espécies ampliado pelo menos dez vezes em comparação com o aumento de 1,5°C”, descreve o relatório. 

A fundação assinala que crianças e adolescentes herdam “todos os problemas sociais, econômicos e políticos” e que jovens ativistas têm realçado a incoerência de governos que reiteram discursos de proteção à infância e, ao mesmo tempo, pouco ou nada fazem de prático. A publicação pontua, ainda, que, apesar de todas as crianças estarem expostas às consequências da mudança climática, agravada pela emissão de gases de efeito estufa, há diferentes graus de vulnerabilidade, que são determinados pela desigualdade social. 

Contexto do Brasil 

A Fundação Abrinq registra que o Brasil ocupa a 70ª colocação de um ranking de 163 posições que avalia o risco climático para crianças. O país soma uma pontuação de 7,3, a mesma do Irã. Há, atualmente, 40 milhões de crianças e adolescentes expostos aos riscos climáticos. 

Sobre o país, o relatório ainda faz um lembrete: o Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, ocupando a sexta posição no ranking. “Apenas em 2022, foi responsável pela emissão de 1,31 giga toneladas de GEE. Grande parte dessas emissões são provenientes de LULUCF (uso da terra, mudança no uso da terra e florestas/silvicultura), principalmente pelo desmatamento da Amazônia. As emissões do setor agrícola aumentaram em 100% entre 1990 e 2019 e a expansão é um dos principais motores do desmatamento nos biomas Amazônia e Cerrado”, dimensiona. 

“Além disso, a poluição do ar no Brasil é agravada por queimadas e pela queima de combustíveis fósseis. Estima-se que cerca de 49 mil brasileiros morrem a cada ano como consequência da poluição, sendo mais da metade devido à má qualidade do ar. Apesar desse cenário, o país detém um grande potencial de mitigar os efeitos da crise climática, visto que abriga em seu território 60% da floresta amazônica, se optar por preservá-la.”

Municípios do Ceará ganham 113 novos ônibus escolares

O Ministério da Educação (MEC) repassou 113 novos ônibus escolares, que vão atender 113 municípios cearenses. A cerimônia de entrega ocorreu na tarde desta sexta-feira (11), em Fortaleza, e contou com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre agenda no estado.

“Nós estamos entregando 113 ônibus para o Ceará. É a primeira leva que a gente vai entregar. Vão ser muitos”, destacou o presidente, que observou a falta de prioridade de governos anteriores em relação a investimentos na educação.

Adquiridos com recursos do Novo PAC, os ônibus destinados ao Ceará fazem parte de uma primeira fase, que prevê a entrega de 1,5 mil veículos em todo o país, que vão atender estudantes do ensino fundamental e médio da zona rural. Alunos da educação de jovens e adultos (EJA) também serão beneficiados. A ação atingirá 13,5 mil estudantes, estima o governo federal. Os ônibus novos contam com rede de internet e ar-condicionado. Até o final do mandato, a previsão é entregar 3 mil ônibus escolares.

Mais cedo, na capital cearense, Lula participou da entrega de 1,3 mil unidades habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida. Lula embarca ainda nesta sexta para Belém, onde passará o fim semana, para participar da Romaria do Círio de Nazaré.

Mulheres ganham 20% menos do que homens em mais de 50 mil empresas

As trabalhadoras mulheres ganham 20,7% menos do que os homens, em 50.692 empresas com 100 ou mais empregados, no Brasil. As informações são do 2° Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, apresentado nesta quarta-feira (18), pelos ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego (MTE), em Brasília. O documento considera os dados informados pelos empregadores na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2023.

O 2° Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios aponta que houve aumento na diferença salarial entre homens e mulheres, na comparação ao primeiro relatório, divulgado em março deste ano, que indicava a diferença salarial de 19,4%.

De acordo com o Ministério das Mulheres, o aumento é resultado dos novos empregos gerados no ano passado – 369.050 mil novos postos formais ocupados por homens e 316.751 mil ocupados por mulheres.

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, destacou que igualdade salarial de gênero para trabalhos iguais é prioridade do atual governo federal e está posta em discussão em nível internacional, por exemplo, no âmbito do G20, sob a presidência rotativa do Brasil, em 2024, e também, na Organização das Nações Unidas (ONU).

Cida Gonçalves ainda lembrou que as mulheres são chefes de família em metade dos domicílios brasileiros (50,8% de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese), mas ganham menos 20% do que os homens pelo mesmo trabalho. “As mulheres não são apêndice, as mulheres não estão nos cantos e não são as pessoas do mimimi. As mulheres, hoje, são as trabalhadoras, são as que sustentam e as que pensam.”

Ministra Cida Gonçalves disse que igualdade salarial de gênero para trabalhos é prioridade do governo federal – Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A ministra explicou que é preciso mudar a mentalidade de toda a sociedade em relação aos papéis estabelecidos a homens e mulheres, estas, muitas vezes, dedicadas aos serviços domésticos e ao cuidado de outras pessoas. “Ainda acham que as mulheres [ganham] é o complemento do salário dos homens. Não é. Nós precisamos convencer as empresas, os homens e todo o mundo que as mulheres, hoje, são aquelas que mantêm suas famílias. O desafio é colocar as mulheres na centralidade do debate.”

“Esse país precisa incluir as mulheres no seu critério de desenvolvimento econômico, na indústria, no trabalho, na agricultura. As mulheres não são pobres coitadas. Todas elas têm chance, têm condições, se lhes derem oportunidades”, declarou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.

Dados do relatório

Para o 2° Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) analisou as informações da RAIS de 2023 de 18.044.542 vínculos formais de trabalho, divididos em 10,8 milhões de homens e 7,2 milhões de mulheres.

Ao todo, a soma dos rendimentos desses trabalhadores com carteira de trabalho assinada analisados chegou a R$ 782,99 bilhões. A remuneração média desta população ocupada foi R$ 4.125,77.    

O estudo revelou que, nas empresas com 100 empregados ou mais, os trabalhadores homens ganhavam, em média, R$ 4.495,39, enquanto as mulheres recebiam R$ 3.565,48.

Se consideradas somente as trabalhadoras negras, a diferença de remuneração se acentua. No geral, as mulheres negras ganhavam R$ 2.745,26, no ano passado, o que equivalia à metade (50,2%) do salário dos homens não negros: R$ 5.464,29. No período, as mulheres não negras recebiam, em média, R$ 4.249,71. O relatório apontou que 27,9% das empresas de 100 ou mais empregados indicaram ter política de incentivo à contratação de mulheres negras.

Quanto aos cargos de direção e gerência, as mulheres recebem 27% menos do que a remuneração dos homens. Quando se trata de profissionais em nível superior, as mulheres ganham 31,2% abaixo do que remuneram os homens.

Mais informações sobre empresas com 100 ou mais empregados, no Brasil, em 2023:

· em 31% destes estabelecimentos (15.737), a diferença salarial entre mulheres e homens é 5%;

· 53% dos estabelecimentos (26.873) não havia pelo menos três mulheres em cargos de gerência ou direção da empresa para que os cálculos sobre diferenças salariais fossem realizados;

· 55,5% das entidades utilizavam planos de cargos e salários como critério de remuneração;

· 63,8% dos estabelecimentos cumpriam metas de produção como critério de remuneração;

· 22,9% das entidades tinham política de auxílio creche;

· 20% das empresas tinham política de licença paternidade/maternidade estendida;

· 42,7% dos estabelecimentos (21.658) tinham entre 0% e 10% dos empregados que eram mulheres pretas ou pardas;

· 8,2% destas empresas tinham política de contratação para mulheres indígenas;

· 0,2% (85) dos estabelecimentos não tinham mulheres empregadas formalmente, em 2023.

A secretária-executiva adjunta do Ministério do Trabalho e Emprego, Luciana Nakamura, observou que os relatórios de transparência salarial não expõem as empresas, nem os empregados e seus respectivos salários.

Nakamura informou também que, desde 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), já estabelece a igualdade salarial entre homens e mulheres para o mesmo trabalho. Para ela, a nova Lei da igualdade salarial entre mulheres e homens chega para conscientizar as empresas.

“A implementação da política é pedagógica e, aos poucos, todos vão compreender. No fim, pretendemos promover um ambiente de igualdade para as mulheres e, principalmente, a igualdade salarial”, estima a representante do MTE.

Dia Internacional da Igualdade Salarial

A segunda edição do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios foi divulgada no Dia Internacional da Igualdade Salarial, instituído em 2019 pela ONU, com o objetivo de avançar na igualdade de gênero no mundo do trabalho e para chamar à atenção para a desigualdade salarial entre homens e mulheres.

A ONU alertou que, no ritmo atual, serão necessários 300 anos para alcançar a igualdade de gênero no mundo. A ministra das Mulheres declarou que não é possível esperar para melhorar as condições de trabalho das mulheres.

Durante a apresentação do relatório, em Brasília, a representante da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres para o Brasil, Ana Carolina Querino, lembrou, que a igualdade de gênero e empoderamento de todas as mulheres e meninas é o quinto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e que para alcança-lo até 2030 é preciso acabar com todas as formas de discriminação contra as mulheres. “A gente precisa combater a misoginia porque essa desigualdade salarial reflete a violência em todas as barreiras estruturais que as mulheres enfrentam para participar e ter igualdade de oportunidades na vida pública.”

Duas apostas acertam seis números da Mega-Sena e ganham quase R$ 15 mi

Ninguém acertou as seis dezenas do concurso 2.766 da Mega-Sena, sorteadas neste sábado (27) em São Paulo. O prêmio para o próximo concurso, na quarta-feira (27), será de R$ 6.391.186,22 milhões.

Foram sorteados os números 09 – 10 – 34 – 36 – 38 – 44.

A quina teve 5 apostas ganhadoras e cada uma vai receber R$ 58.627,43. Os 4.329 ganhadores da quadra terão o prêmio individual de R$ 1.044,74.

As apostas podem ser feitas até as 19h (horário de Brasília) do dia do sorteio, em lotéricas do país ou pela internet, no site da Caixa Econômica Federal. Para apostar pela internet, é preciso fazer um cadastro, ser maior de idade (18 anos ou mais) e preencher o número do cartão de crédito.

A aposta simples, com seis dezenas, custa R$ 5,00.

Crianças em tratamento em institutos federais ganham sessão de cinema

Antes mesmo das portas abrirem no Shopping Nova América, na zona norte do Rio de Janeiro, crianças e adolescentes acompanhados pelos responsáveis já chegavam ao local. Às 10 horas, uma fila agitada aguardava em frente ao cinema pela primeira sessão do dia. Assim, com apoio da rede de cinemas Kinoplex, jovens pacientes em tratamento no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), no Instituto Nacional de Câncer (INCA) e no Instituto Nacional de Cardiologia (INC) puderam ter uma pausa na rotina de cuidados médicos para aproveitar um momento de lazer nesta terça-feira (16).

Fruto de uma parceria entre os institutos e a rede de cinemas, o projeto reuniu cerca de 45 jovens — 15 de cada instituição — entre cinco e 15 anos, além dos familiares que os acompanhavam. O objetivo do projeto, segundo a assistente social do INTO, Natália Martins Mota, é proporcionar aos pacientes, que enfrentam o tratamento de doenças graves, um momento de descontração e lazer fora do ambiente hospitalar. “Todos os institutos tratam de doenças de alta complexidade, logo são pacientes que têm doenças graves. No caso do INTO, vemos as questões ortopédicas, no INCA, os tratamentos de câncer, e no INC, os tratamentos cardiológicos”, explica. 

“Ações como essa são importantes porque sabemos que são crianças que passam muito tempo em tratamento nas unidades hospitalares, então é fundamental trazer cultura e diversão para elas”, defende a assistente social e integrante da assessoria da Coordenação Assistencial do INTO. “Para as famílias também, porque não só a criança fica envolvida em todo o tratamento, como a família, então é fundamental trazer essas pessoas para esses espaços, principalmente porque são crianças que nem sempre têm acesso a esses espaços”.

Mãe de Andryelly Vitória Mesquita, de 10 anos, Andrea Mesquista conta que a filha nasceu com escoliose — curvatura assimétrica da coluna vertebral — e hemivértebra — malformação vertebral. Para ela, ações que proporcionam diversão para os pacientes da ala pediátrica são relevantes por permitirem que vivam a infância: “Esse ano minha filha passou por duas cirurgias na coluna. Faz três meses da última operação”, compartilha, “fiquei muito feliz de estar participando, porque trabalho e a (ação) me proporcionou mais um dia com a minha filha. Tirei uma folga para estar com ela e sei que ela está muito contente. É uma forma de proporcionar distração para a criança, que fica muito focada no tratamento médico; não pode correr, pular, e criança é sempre criança. Não para”.

Andryelly Vitória e sua mãe antes da sessão de cinema  – Tomaz Silva/Agência Brasil

Já Karla Santos de Brito, mãe do pequeno Kaleb Cezário de Brito da Silva, de 8 anos, destaca a relevância do lazer para o tratamento clínico: “Deixa um pouco mais leve. Traz momentos agradáveis, não que ele não tenha, mas traz memórias boas, porque na cabeça da criança é mais difícil de administrar essa questão de tratamento”, reflete. “Na cabecinha dele, hospital é exame, consulta, internação. É todo esse clima tenso, porque a vida inteira dele foi no hospital. Assistir a um filme é uma atividade extracurricular ótima para ele. Para mim também, sem dúvida, alivia bastante a carga de todo esse medo e toda essa preocupação que tenho”.

Kaleb é cardiopata congênito complexo, tem ventrículo único e passou por três cirurgias. “Ele faz tratamento há oito anos, a primeira cirurgia foi quando ele tinha por volta dos 2 anos, a segunda, com 7 anos, e a terceira três meses atrás. Eu particularmente vivo com medo constante, porque, palavras dos próprios médicos que acompanham ele, a vida do Kaleb é um ‘fiozinho de cabelo’. Por conta de toda complexidade do caso dele, é uma coisa meio sem explicação ele ainda estar vivo. Quem olha não imagina o tanto de coisa que ele passa”. A última vez que Kaleb esteve no cinema foi no aniversário do irmão mais velho, em março de 2023. Além do Kaleb, Karla é mãe de mais dois meninos, Pedro, de 12 anos, e Ruan, de 13.

Pacientes pediátricos dos institutos federais do Rio durante sessão de cinema – Tomaz Silva/Agência Brasil

Para a assistente social do INTO, além da distração das idas e vindas constantes ao hospital, a integração com outras crianças em espaços culturais e de acesso livre é essencial para a continuidade do tratamento e para incentivar crianças e, igualmente, os responsáveis que as acompanham diariamente. “[É difícil] para quem está ali todos os dias, tendo que levar e voltar do médico, sendo que são consultas, exames e tratamentos dolorosos, que dificultam a acessibilidade”, observa, “vemos o quanto os pacientes retornam ao instituto conversando sobre como foi o evento e o quanto foi importante. Vemos famílias que nunca tiveram acesso e conseguiram trazer os filhos a uma atividade cultural, então são ações super importantes que trazem alegria para esses pacientes que às vezes têm uma história de vida muito sofrida”.

Na sessão, Thalyta Ferreira, com 15 anos, estava acompanhada pela avó Claudia Daiane Ferreira. Sorridente, a adolescente paciente do INCA, que passou por sessões de quimioterapia, radioterapia e por um transplante, aprovou a experiência. “Muito bom, porque a gente fica muito tempo no hospital, e a gente não tem tempo de sair”. “Respirar um pouco”, complementa a avó, “respirar, essa é a verdade”, reforça.

*Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa

Falta de saneamento afeta 75% dos que ganham até um salário mínimo

A Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon-Sindcon) divulgou, nesta quinta-feira (4), um levantamento que mostra que os mais pobres são os mais afetados pela falta de saneamento básico no país.

Segundo o Panorama da Participação Privada no Saneamento, 75,3% das pessoas que não estão conectadas à rede de água vivem com até um salário mínimo. O levantamento mostra que 74,5% das pessoas que não estão conectadas à rede de coleta de esgoto também têm rendimento mensal abaixo de um salário mínimo.

Tanto a coleta de esgoto quanto o fornecimento de água atingem níveis superiores a 90% para as pessoas que recebem mais de cinco salários mínimos. Já a universalização do saneamento no país é prevista para 2033, segundo o marco legal do setor. 

“Após quatro anos em vigor, o Marco Legal do Saneamento já conseguiu incrementar investimentos e promover avanços importantes, mas ainda temos grandes desafios pela frente até a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033. O saneamento precisa ser considerado uma prioridade nacional, inclusive no âmbito da reforma tributária”, disse a diretora executiva da Abcon Sindcon, Christianne Dias.

Ocupações de prédios abandonados ganham força em Porto Alegre

As ocupações de prédios abandonados ganharam força após as enchentes em Porto Alegre. Ao menos quatro ocupações realizadas por famílias atingidas pelas chuvas ocorreram no centro da capital gaúcha desde a histórica enchente de maio. A última ocupação, feita nesse domingo (16) por cerca de 200 pessoas, foi despejada, debaixo de chuva, no mesmo dia pela Polícia Militar (PM) do estado.

A Agência Brasil visitou uma dessas ocupações que abriga hoje cerca de 48 famílias, com mais de 120 pessoas. Fica no centro histórico, em um prédio abandonado há mais de dez anos, onde era o antigo Hotel Arvoredo, apelidada de Ocupação Desalojados pela Enchente no Rio Grande do Sul.

Diferentemente das outras três ocupações que ocorreram nos últimos dias, essa não foi liderada por um movimento social organizado, mas por famílias que, sem querer ficar em abrigos, procuraram outra saída para a falta de moradia e entraram no prédio no último dia 24 de maio.

Liziane Pacheco Dutra e o seu marido Anselmo Pereira Gomes, integrantes da ocupação O Rio Mais Grande do Sul. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

A faxineira Liziane Pacheco Dutra, de 37 anos, foi viver com o marido, a filha e o enteado, além do pai, da mãe e do sogro, nessa ocupação depois que a casa deles, no bairro Rio Branco, ficou com água até o telhado.

“Aqui em Porto Alegre tem vários prédios ociosos, sem utilidade social nenhuma. O presidente falou que ou ia construir casas, ou comprar casas em leilão. Então, por que não aproveita todos esses prédios que estão ociosos, compra, reforma e dá pra população que perdeu tudo? Não adianta reformar minha casa. Se eu voltar pra lá, a primeira chuva forte que der, enche tudo”, afirmou.

As novas ocupações são sintomas do agravamento da falta de moradia na capital gaúcha. Segundo pesquisa da Fundação João Pinheiro, em 2019 existia um déficit habitacional de mais de 87 mil habitações em Porto Alegre, situação que piorou com as enchentes que desalojaram, em todo o estado, mais de 388 mil pessoas, de acordo com o último boletim da Defesa Civil.

Carlos Eduardo Marques, integrante da ocupação O Rio Mais Grande do Sul. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

O pedreiro e técnico de celulares Carlos Eduardo Marques, de 43 anos, vive com os quatro filhos e a esposa na ocupação. Ele conta que a família perdeu tudo no bairro Sarandi e, sem ter para onde ir, resolveu conversar com outras famílias insatisfeitas nos abrigos para entrar no prédio abandonado.

“Quando as pessoas começaram a perder tudo e ir para abrigos foi que começou uma explosão. Elas não queriam ir para os abrigos. Eu falei com a minha mãe, com as minhas irmãs, elas conheciam uma família que não estava sendo bem acolhida nesses locais e que aceitou fazer a ocupação. E a gente entrou. Então, nós estamos lutando e acolhendo famílias”, explicou.

Carlos disse que a empresa dona do prédio entrou contra eles na Justiça e que receberam um ultimato de 60 dias para sair, que termina em 12 de agosto. As famílias com quem a Agência Brasil conversou não querem ir para as cidades temporárias ou abrigos.

“Bah, tá louco! Pegam a gente e botam num abrigo, ou botam na cidade temporária. E depois? Daqui a pouco todo mundo esqueceu de nós. Vamos lutar por uma coisa digna para nós”, comentou.

Outras ocupações

Fachada do prédio aonde vivem integrantes da ocupação O Rio Mais Grande do Sul. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Antes dessa ocupação, houve outra em antigo prédio abandonado da prefeitura de Porto Alegre, também no centro da cidade, onde funcionava uma companhia de arte. O Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) entrou no edifício no dia 31 de maio para abrigar famílias atingidas pela enchente.

Eles estão em processo de negociação com a prefeitura e apresentaram proposta para que o prédio seja usado para moradia popular, além de manter um teatro como espaço cultural e uma cozinha solidária.

Outra ação, feita no dia 8 de junho, foi liderada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e chamada ocupação Maria da Conceição Tavares, em homenagem à economista que morreu no mesmo dia.

Cerca de 100 famílias afetadas pelas chuvas estão vivendo em antigo prédio do INSS, no centro de Porto Alegre, que era usado apenas como depósito pelo órgão. Nesse caso, há um processo de negociação com o governo federal e o próprio INSS para encontrar uma solução de moradia para as famílias nesse prédio ou em outro local.  

Reintegração

Situação oposta ocorreu com a ocupação Sarah Domingues, no último domingo, que foi imediatamente desocupada por uma reintegração de posse comandada pela Polícia Militar gaúcha. Certa de 100 famílias lideradas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) ocuparam por algumas horas um prédio de propriedade do governo do estado abandonado há anos.

Luciano Schafer durante conversa com integrantes do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Uma das lideranças do movimento, Luciano Schafer, acusa o governo estadual de promover a reintegração sem decisão judicial e de impedir o acesso dos advogados do grupo. “Foi uma ação ilegal e terrorista do governo de Eduardo Leite para colocar medo na população e impedir que novas ocupações ocorram”, denunciou.

A Agência Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa do estado para comentar o caso, mas não obteve retorno.

A coordenadora do MLB, Tâmisa Fleck, contou que a ação foi realizada por cerca de 200 pessoas desalojadas pelas enchentes em diferentes pontos da capital. Segundo ela, as fortes chuvas impulsionaram o movimento por moradia.  

“Entramos num momento em que não tinha como não fazer uma ocupação. Então, nos organizamos. Fizemos reuniões em bairros, porque a gente trabalha de bairro em bairro, conversa com as pessoas, se reúne. Foram várias etapas até resolvermos de forma coletiva fazer a ocupação”, contou.

Após a reintegração, o grupo fez uma plenária nessa terça-feira (18) para discutir os próximos passos. Eles prometem denunciar a ação do governo do estado na Assembleia Legislativa nesta quarta-feira (19) e promover uma reunião na Secretaria de Habitação na próxima segunda-feira (24), para discutir saídas para as famílias desalojadas pelas chuvas.

Déficit habitacional

Edifício no Centro Histórico onde vivem famílias de ocupações do MTST. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

O pesquisador do Observatório das Metrópoles, André Augustin, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (RS), destacou que a política habitacional da região metropolitana de Porto Alegre não tem apresentado soluções de moradias populares. 

“De 2010 a 2022, quase dobrou o número de domicílios vagos em Porto Alegre. Há uma política de incentivo à construção de novos prédios, mas é para o mercado, voltado principalmente para a população de alta renda. Por outro lado, houve o abandono da política de habitação de interesse social. É uma política que tem que ser mudada, e agora a enchente mostrou isso de forma mais acentuada”.

De acordo com o Censo do IBGE de 2022, existem mais de 223 mil domicílios não ocupados em toda a região metropolitana da capital. Para Augustin, o uso dos imóveis públicos abandonados é uma solução de curto prazo para essa população.

“Tanto as prefeituras quanto o governo do estado e o governo federal têm muitos imóveis que não estão sendo usados. Eles estão mapeados, já são públicos, não precisariam passar por um processo de desapropriação. No curto prazo, a melhor política seria usar esses imóveis que são públicos. Mas, no médio e longo prazo, é preciso repensar toda a política habitacional  e se voltar mais para a habitação social”, completou.

Ações governamentais

Liziane Pacheco Dutra, integrante da ocupação O Rio Mais Grande do Sul. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Nessa terça-feira (18), o governo federal editou medida provisória (MP), com R$ 2,18 bilhões, para moradia popular dos atingidos pelas enchentes. Ao todo, espera-se alcançar com esses recursos 12 mil moradias, sendo 10 mil urbanas (com valor médio de R$ 200 mil) e 2 mil rurais (com valor médio de R$ 90 mil). 

Também ontem começou a construção dos centros humanitários de Acolhimento em Canoas (RS) e Porto Alegre (RS), uma parceria dos governos federal, estadual, municipais e a Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). 

O órgão cedeu 208 estruturas com capacidade para receber cerca de 700 pessoas desabrigadas pelas enchentes em Canoas. Mais mil pessoas devem ser acomodadas nessas estruturas temporárias em Porto Alegre.